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Elisa Ferreira: Impacto dos juros negativos no crédito é difícil de prever
A vice-governadora do Banco de Portugal referiu que estamos a falar de "águas nunca dantes navegadas" e que tem havido contacto com os bancos e supervisores europeus sobre este tema.
"Não é o impacto a curto prazo que nos preocupa. São, de facto, todos os outros elementos que podem ser desencadeados e cuja estimativa não somos muito capazes de perceber", afirmou Elisa Ferreira no Parlamento.
A vice-governadora do Banco de Portugal nomeou a título de exemplo os "custos dos ajustamentos informáticos" da aplicação desta medida e que os "bancos foram dizendo que eram substanciais". "Queremos partilhar para que toda a informação esteja disponível", adiantou.
"É muito difícil antecipar o impacto sistémico" da aplicação integral de juros negativos, é difícil saber "o que é que isto significa sendo que estamos a entrar em águas nunca dantes navegadas", continuou.
"Temos que reconhecer a complexidade da matéria que estamos a tratar", disse Elisa Ferreira. "Enquanto em 2015, nós todos não sabíamos durante quanto tempo é que iria existir [Euribor negativa] e com que intensidade, a questão muda quase de perfil. É algo que não estava nos manuais, uma situação que passa para além daquilo que estava previsto", frisou. "Nos contactos permanente que estamos a fazer, com os congéneres bancos centrais e BCE, encontramos situações diversas e pouco claras no modo como esta situação é tratada, havendo muitas vezes a intervenção dos próprios tribunais", disse.
A audição do Banco de Portugal foi solicitada no âmbito da proposta legislativa apresentada pelo PS e pelo Bloco de Esquerda para obrigar os bancos a aplicarem integralmente as taxas de juro negativas no crédito à habitação. Nesta proposta, pretende-se que as "situações em que da aplicação da taxa de juro com a adição da margem (‘spread’) resultarem valores negativos devem ser reflectidas nos contratos de crédito aos consumidores para imóveis destinados a habitação". Para isso, será constituído um "crédito [de juros] a favor do cliente, a deduzir a partir do momento em que os juros vincendos assumam valores positivos", pode ler-se na proposta.
Elisa Ferreira alertou para o impacto que esta iniciativa legislativa poderá ter na função de intermediação dos bancos. "O Banco de Portugal tem ainda chamado a atenção para a função de intermediação financeira das instituições de crédito, recolhendo aplicações (poupanças) de clientes e aplicando-as na concessão de crédito, função essa que é crucial para o funcionamento do sistema bancário e, consequentemente, um suporte indispensável ao desenvolvimento da economia", disse a vice-governadora do Banco de Portugal.
"Este papel de intermediação tem um custo inerente, não só financeiro (de margem) – que implica o tratamento equilibrado entre a remuneração dos recursos dos clientes (salienta-se que a legislação vigente não admite a aplicação de taxas negativas nos depósitos) e os juros recebidos em resultado das operações de crédito concedidas – mas também de capital, uma vez que a concessão de crédito implica uma alocação de fundos que a instituição de crédito tem de realizar face ao risco inerente a essa actividade", realçou. "A estreita relação entre crédito e depósitos é particularmente relevante no sistema financeiro português, em que a relação entre os montantes de crédito e de depósito é agora, e ao contrário do passado, muito próxima (rácio de transformação de 93%), reforçando-se a necessidade de impedir assimetrias entre activos e passivos", acrescentou.
Elisa Ferreira afirmou ainda, que ao contrário do que habitualmente se afirma, "os bancos portugueses não conseguem, na sua maioria, financiar-se a taxas negativas". "Esta ideia de que a Euribor negativa se reflecte em toda a fonte de financiamento do crédito concedido pelos bancos não é um facto. A maior parte é financiado por depósitos onde há a existência de um limiar mínimo, que é importante manter (isto não acontece em muitos países europeus)", realçou.
"Na maioria do crédito concedido, os bancos estão a financiar se com taxas zero e é algo que eu considero que é importante proteger em Portugal", reiterou.
A representante do Banco de Portugal nesta audição parlamentar reiterou ainda a posição apresentada pelo supervisor nas discussões anteriores sobre este tema. Ou seja, "o quadro legal em vigor contempla uma regra segundo a qual a taxa de juro dos contratos de crédito à habitação – resultante da soma do 'spread' da taxa de juro com o indexante – deve reflectir a evolução desse mesmo indexante".
A carta-circular divulgada pelo Banco de Portugal, em Março de 2015, reiterou esta posição "tendo sido transmitido às instituições de crédito que devem respeitar as condições estabelecidas para a determinação da taxa de juro nos contratos de crédito e de financiamento celebrados com os respectivos clientes, não podendo ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra legal".
Mas, sublinhou Elisa Ferreira, "esta regra não poderá, todavia, deixar de ser interpretada em conjugação com outras normas e princípios legalmente consagrados", nomeadamente "o princípio da onerosidade do mútuo mercantil, previsto no artigo 395.º do Código Comercial, bem como o princípio geral do equilíbrio entre as contraprestações contratuais em causa". Ou seja, de que os contratos de crédito devem ser remunerados.
"Apenas o legislador poderá clarificar as regras aplicáveis nos casos em que o resultado final da taxa dos créditos atinge um valor negativo", disse dirigindo-se aos deputados, sublinhando considerar tratar-se de um "desafio particularmente complexo". Mas "compete ao legislador procurar encontrar as melhores soluções" e "encontrar os equilíbrios adequados", disse.
E, considerando a proposta legislativa em análise, sublinhou que "algumas das disposições beneficiaram de uma melhor clarificação", "detalhes com os quais podemos colaborar". O Banco de Portugal quer "evitar interpretações dúbias" e a "legislação tem de dizer claramente o que quer e nós estamos disponíveis para isso".
Também Lúcia Leitão, directora do Departamento de Supervisão Comportamental do Banco de Portugal, apontou para os aspectos que devem ser clarificados caso esta iniciativa legislativa avance. "Queremos chamar a atenção para que é importante que a sua implementação fosse harmoniosa e igual para todas as instituições". "Entendemos que a redacção neste momento não é clara", nomeadamente quanto ao momento de dedução dos juros negativos, a implementação no tempo e "não contempla aspectos muito importantes como a prestação de informação", conclui reiterando a disponibilidade do supervisor para clarificar estes aspectos.
(Notícia actualizada às 11:10 com mais declarações e mais informação)