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PSI-20 falhou a escalada mundial no semestre. A visão de 3 especialistas para a bolsa
A desvalorização das ações do Grupo EDP no primeiro semestre impediu a bolsa lisboeta de acompanhar os ganhos acentuados das praças europeias.
O primeiro semestre ficou marcado por novos máximos nas principais bolsas mundiais, com Wall Street e a Europa a rejubilarem com valorizações em torno de 14%. Ao contrário das suas congéneres europeias que registaram ganhos de dois dígitos, o índice de referência português ficou-se por um ganho inferior a 3%. Três especialistas traçam as suas perspetivas para a bolsa lisboeta.
O índice PSI-20 fechou o primeiro semestre de 2021 com um avanço de 2,8%, com 13 ações a registarem ganhos e 5 no vermelho: REN, Corticeira Amorim, EDP, EDP Renováveis e Pharol.
Apesar da maioria das empresas ter fechado o semestre com ganhos – oito cotadas sobiram mais de 10% - as descidas de 13,3% e 14,3% da EDP e da EDPR condicionaram o desempenho da praça lisboeta.
"As bolsas mais concentradas do ponto de vista sectorial/empresa, como é o caso da bolsa portuguesa e da generalidade das bolsas pequenas, os seus desempenhos estão sempre muito condicionados pelos pesos das maiores empresas que compõem os respetivos índices", explica António Seladas, o antigo diretor de "research" do Millennium IB e atualmente analista de ações independente.
Tal como explica o analista, em modo de resumo, "mais de 20% do índice (EDP e EDPR) caiu 13 e 14%; enquanto Galp e Jerónimo Martins subiram menos que os índices generalistas. Ou seja cerca de 50% do índice teve um desempenho inferiora aos índices generalistas europeus".
Pela positiva, Pedro Barata, gestor de ativos da GNB, realça "a fantástica performance dos CTT, no primeiro semestre do ano, com uma valorização superior a 100%. As medidas tomadas pela equipa de gestão claramente estão a dar resultado, a comunicação com o mercado tem sido boa e a empresa soube adaptar-se muito rapidamente a uma nova realidade onde o dinamismo do comercio online teve um papel preponderante". A empresa de correios terminou a primeira metade de 2021 com um ganho de 105%.
A Novabase, com uma valorização próxima de 30%, foi outra das estrelas do semestre. "Sem surpresa a Novabase registou um bom comportamento, devido ao sector onde se inclui", nota Mário Martins, analista da ActivTrades.
Mas, depois de uma primeira metade do ano com ganhos inferiores aos pares europeus, o que pode esperar para os próximos meses? E regressar aos máximos pré-crise financeira, quando o PSI-20 negociava acima dos 13.000 pontos (hoje está nos 5.035 pontos)? Seguramente não será para já, acreditam os especialistas.
Pedro Barata: "Ainda há muito para andar"
Pedro Barata mantém uma expectativa "moderadamente otimista" para a bolsa portuguesa, no segundo semestre do ano. E explica porquê: "As principais empresas portuguesas estão de um modo geral bastante bem preparadas para um cenário de recuperação económica, mas isso poderá de nada servir se os problemas pandémicos voltarem a agravar-se".
"Nesse caso, voltaremos a ter pela frente tempos mais desafiantes uma vez que a confiança dos consumidores e investidores será abalada", avisa o gestor da GNB, acrescentando que "a evolução da pandemia vai ter um papel importantíssimo na evolução dos mercados accionistas nos próximos meses".
Outro tema que Pedro Barata vê como determinante para a negociação é o "possível ressurgimento da inflação irá mexer com as expectativas sobre a evolução das taxas de juro e estas com o desenrolar dos mercados acionistas internacionais. Portugal, como mercado periférico que é, deverá evoluir no mesmo sentido".
Quanto a um regresso a máximos, o gestor diz que "é possível e irá acontecer, mas poderá não ser em breve, uma vez que ainda há muito para andar".
António Seladas: "Juros baixos são um grande incentivo às ações"
A política monetária será um dos temas que vai continuar a ser central para a evolução dos mercados acionistas. Para António Seladas, "as politicas monetárias extraordinariamente acomodatícias da Reserva Federal, Banco Central Europeu e outros bancos centrais, com taxas de juro reais negativas, potencialmente geradoras de inflação, são um incentivo muito grande a deter ações e ativos imobiliários".
Por outro lado, há ainda que ter em conta o valor das avaliações das ações nos Estados Unidos, que negoceiam com múltiplos elevados, o que pode levar a uma correção e pressionar o mercado como um todo. "O múltiplo para os próximos 12 meses do S&P500, cerca de 21 vezes (os lucros estimados) é anormalmente elevado face às médias históricas, por conseguinte eu diria que o mercado em geral preferia transacionar em múltiplos menos elevados e dai esperar algum ajustamento, em geral, nos mercados", explica o analista.
Dito isto, em relação ao caso concreto da bolsa portuguesa, em comparação com os restantes mercados europeus, António Seladas diz que "não faz muito sentido comparar índices generalistas, com índices mais pequenos e muito concentrados por sector ou empresa", como é o caso do PSI-20, onde "cerca de 50% do investimento está em quatro empresas".
Mesmo assim, o analista identifica áreas com valor em Lisboa. "O sector do retalho alimentar em Portugal é extraordinariamente competitivo, ainda assim continua a ser um dos preferidos". Outro setor com boas perspetivas é o das telecomunicações. Um grupo que "tem estado debaixo de forte pressão e provavelmente irá continuar devido aos fortes investimentos em fibra ótica, na passagem para o 5G e na forte pressão, que se tem manifestado na falta de ‘pricing power’ ou subida de preços. Ainda assim, é natural que reganhe algum credibilidade à medida que os investimentos são feitos e se espera por um período menos intenso em termos de investimento".
Mário Martins: "Dificilmente o PSI-20 conseguirá atingir o máximo pré-crise da dívida pública"
Mário Martins, analista da ActivTrades, aponta várias dificuldades ao mercado acionista português. Para o especialista, "dificilmente existirão oportunidades num índice sem constituintes do sector tecnológico ou com um elevado nível de tecnologia no seu negócio, como retalhistas com projeção internacional".
"A menos que exista uma revolução no índice nacional, com a entrada de empresas interessantes e com uma aposta fulcral no mercado de capitais por parte do Governo, nomeadamente, ao nível fiscal e de fomento da literacia, dificilmente o PSI-20 conseguirá atingir o máximo pré-crise da dívida pública, quanto mais um máximo histórico", destaca o analista da ActivTrades.
Quanto aos próximos meses, o especialista nota que o sentimento dos investidores vai continuar a ser dominado pelo tema da inflação e "consequentemente da resposta dos bancos centrais à subida do custo de vida e à recuperação da economia, nomeadamente, no ritmo de abrandamento do programa de compras de ativos no curto-prazo e no médio-prazo a subida dos juros".