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Rendimento básico incondicional: utopia ou solução?
Absolutamente incompreensível para uns, fazendo todo o sentido para outros e ainda com uma dose elevada de pontos de interrogações para a maioria, o rendimento básico universal, ou incondicional, tem gerado debates acesos. Com o objectivo de ajudar os mais necessitados a libertarem-se das garras da pobreza e/ou de ser a resposta para o ajustamento que o mundo laboral terá de fazer face ao “roubo” de postos de trabalho no futuro próximo, a questão é tão moral quanto política ou económica. E são muitos os que defendem que é chegada a hora de a debater seriamente
Será que os governos deveriam garantir, a todo os seus cidadãos, uma "renda" anual ou mensal, sem "compromissos" incluídos e sem fazer perguntas sobre como estes gastariam este dinheiro?
Em princípio, esta ideia deveria ter mais defensores liberais do que conservadores, mas a verdade é que é cada vez maior o número de economistas e políticos, de todos os quadrantes, que defendem um rendimento básico incondicional (ou universal) para diminuir a pobreza e para fazer frente aos postos de trabalho que, de acordo com inúmeros analistas, irão desaparecer num futuro não muito longínquo (e que já é presente em alguns sectores).
Defendido por uns, completamente criticado por outros, a existência ou não deste tipo de "renda sem contrapartidas" não é uma ideia propriamente nova e tem vindo a ganhar contornos cada vez maiores ao longo dos últimos anos. Nos Estado Unidos, poderia tão-somente ser definida enquanto "segurança social para todos", mas são vários os países, ou localidades, mais especificamente, na Europa, no Canadá e na América do Sul que têm vindo a experimentar a sua aplicação. A questão é ética, social, económica e política e os seus resultados tanto podem tender para quem defenda que os seus receptores se tornariam preguiçosos e improdutivos ou, ao invés, mais criativos, empreendedores e úteis. Por seu turno, o debate sobre os seus prós e contras, cada vez mais aceso, poderá traduzir-se na necessidade, advogada por muitos, de que é necessário alterar o contrato social entre os governos e os seus cidadãos. E, neste caso, são muito mais as vozes concordantes.
Uma fórmula com séculos de história e com histórias já deste século
A ideia de um rendimento básico incondicional possui três raízes históricas por excelência, a primeira remontando ao início do século XVI, seguindo-se uma outra no século XVIII e a combinação de ambas pela primeira vez, nos finais do século XIX (ver história aqui). Todavia, foi nos Estados Unidos e nos anos de 1960, que a administração Nixon "quase" que trouxe à América um programa muito similar aos pressupostos do Rendimento Básico Incondicional (RBI é a sigla utilizada no nosso país pela Associação pelo Rendimento Básico Incondicional Portugal). O denominado The Family Assistance Plan, como ficou conhecido, propunha em 1969 uma "bolsa" de cerca de 1600 dólares para uma família de quatro pessoas sem qualquer outro rendimento e um "bónus" adicional de 800 dólares em senhas de alimentação. Apesar da proposta de Nixon ter passado, com choque para muitos, na Câmara dos Representantes, foi acolhida com oposição aguerrida tanto pelos liberais como pelos conservadores no Senado, tendo sido rejeitada e votada ao esquecimento até há uns anos a esta parte. Todavia e antes disso, já o famoso economista e conservador economista Milton Friedman a tinha proposto, em 1962, como "complemento" aos magros salários dos mais pobres.
Com o aumento escandaloso da desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres e com a perspectiva realista de que a automação e os rápidos progressos tecnológicos, nomeadamente na área da inteligência Artificial, venham a roubar os nossos empregos (o que já está a acontecer), o tema tem vindo a ser crescentemente debatido, aumentando as suas ligas de defensores e opositores em quase real medida.
Em traços gerais, a questão do RBI saltou, de forma alargada, para o interesse público quando a Suíça, em Junho do ano passado, decidiu fazer um referendo, perguntando aos seus cidadãos se estariam de acordo que qualquer adulto pudesse receber 2500 francos suíços, cerca de 2600 euros mensais, sem qualquer contrapartida, proposta rejeitada por 76,9% dos votantes. Mas e apesar desta derrota, a ideia está genuinamente a ganhar adeptos, particularmente na Europa, mas não só, e não apenas enquanto potenciais políticas governamentais, mas também por via de grandes instituições filantrópicas.
A título de exemplo, o fundador da eBay e multimilionário Pierre Omydyar doou meio milhão de euros, através da sua firma de investimento filantrópico Omydar Network, para ajudar a financiar um projecto de RBI no Quénia, o qual será, até hoje, o maior investimento feito para este fim e que ajudará cerca de 26 mil beneficiários.
Talvez porque estejam "mais perto" do futuro e da enorme probabilidade de a indústria tecnológica vir a ser a responsável pela maior onda de desemprego do século, várias são as estrelas de Silicon Valley que apoiam e estão a financiar directamente experiências de RBI. É o que acontece com o CEO da Tesla e da SpaceX, Elon Musk, que acredita veementemente que o RBI poderá ser a única resposta possível à automação, com o presidente da Y Combinator, Sam Altmanou ainda com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg que, em finais de Maio e convidado para falar no encerramento do ano lectivo em Harvard, defendeu também um rendimento básico acessível a todos:" devemos ter uma sociedade que avalie o progresso não só em termos económicos como o PIB, mas também de que forma é que cada um de nós pode encontrar significado naquilo que faz. E devemos explorar ideias como o rendimento básico universal que possam conferir, a cada pessoa, uma "almofada" que lhe permita tentar coisas novas", afirmou.
Todas as experiências que estão a ser feitas em termos de RBI têm pressupostos similares mas sentidos e implementações diferentes. Por exemplo, e no Quénia, a ideia está mais relacionada com a própria pobreza do que com as máquinas que roubam trabalho, apesar de a primeira se encontrar igualmente dentro dos limites dos objectivos deste novo programa.
Alguns dos 26 mil quenianos envolvidos nesta experiência, a qual está a ser implementada pela organização de caridade GiveDirectly (e à qual pertence, entre outros gigantes da tecnologia, a Google.org ou a Good Ventures), já estão a receber um montante – que pode ser de uma só "prestação" total ou dividido ao longo de um período máximo de 12 anos – visa ajudar os cidadãos mais pobres das muitas aldeias do Quénia a terem uma vida digna e a suprir as suas principais necessidades. O objectivo da GiveDirectly é chegar aos 30 milhões de dólares, (garantido que está o financiamento de 23,7 milhões) para esta experiência em particular, com as comunidades beneficiárias a reportarem já os benefícios que dele estão a retirar. A titulo também de exemplo, uma análise extensa deste tipo de "donativos", realizada pela própria GiveDirectly, aponta resultados extraordinários como o decréscimo em custos com os cuidados de saúde, redução na compra de álcool e tabaco, aumento das horas de trabalho, diminuição da violência doméstica, melhorias nos cuidados com as crianças, entre vários outros.
Mas e como anteriormente mencionado, algumas outras experiências estão a ser implementadas pelos governos de alguns países, tanto na Europa, mas também no Canadá, na Nova Zelândia, na Índia, no continente africano e no Brasil.
Todavia e apesar de a lista de promotores das mesmas continuar a engrossar, são poucas as instituições, nomeadamente europeias, que vêem com bons olhos esta "mudança radical" face aos sistemas actuais de protecção social. Num estudo recente feito pela OCDE, no qual 68% dos inquiridos na União Europeia afirmam concordar com a existência desta nova forma de "ajuda" social, são comparados os custos do RBI em quatro países que os estão, apesar de forma diferente, a tentar implementar. Na Finlândia (da qual falaremos mais à frente), em França – onde o tema fez parte principal da campanha do candidato socialista Benoit Hamon (que "prometia" um rendimento para todos os cidadãos franceses com mais de 18 anos no total de 750 euros) -, na Itália, nomeadamente na pequena região denominada Friuli-Venezia Giulia, onde uma "espécie" de rendimento está a ser dado a desempregados, mas que em pouco se distingue de um subsídio de desemprego, e no Reino Unido (a Holanda está também a implementar um programa mais "sério" de RBI, sobre o qual escreveremos a seguir).
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