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O líder da ternura

É uma lista inaugural a juntar aos vários rankings publicados pela revista Fortune: a dos líderes mais inspiradores do mundo. Em primeiro lugar, o Papa Francisco, que se considera a si mesmo “uma pessoa normal”. Seguem-se, no top 10, outras personalidades com diferentes virtudes de liderança. E um espaço especial dedicado aos infames que ninguém deveria seguir

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Numa entrevista concedida ao Corriere della Sera, a 5 de Março [e republicada pela revista Visão a 20 de Março], sobre o balanço do seu primeiro ano de pontificado, diz o Papa Francisco: “Descrever o Papa como uma espécie de super-homem, uma espécie de estrela, parece-me ofensivo. O Papa é um homem que ri, chora, dorme tranquilo e tem amigos como toda a gente. Uma pessoa normal”.


Se é uma pessoa normal ou não, não nos cabe a nós julgar, tal como o próprio não julga ninguém. Mas a verdade é que Francisco é o número 1 do ranking dos 50 melhores líderes do mundo publicado pela revista Fortune, uma eleição pouco “normal” numa América pouco dada a catolicismos e em que os padrões de liderança têm por hábito celebrar a resiliência e o poder - de que também é exemplo o mais recente ranking da Forbes, sobre o qual o VER escreveu e no qual Vladimir Putin é considerado como o mais poderoso homem do mundo, apesar de o Papa ocupar também no mesmo o 4º lugar. Incomum é celebrar a ternura ou a misericórdia num líder, estas últimas consideradas, na entrevista já citada e nas inúmeras análises que por esse mundo tentam explicar o chamado “efeito Francisco” – um termo cunhado pela imprensa no que a este Papa diz respeito – como as principais características da sua mensagem pastoral. É que, para além dos crentes, o estilo próprio de Francisco tem encantado igualmente pessoas de outros credos e sem credo algum. O Papa já foi capa da revista Time – eleito como a Pessoa Do Ano – e também da famosa revista de música, a Rolling Stone.


Por outro lado, o facto do Santo Padre encimar esta lista em particular ficará também na história da própria revista norte-americana, a qual é conhecida pelos seus outros inúmeros rankings – comummente citados por meio mundo – mas que pela primeira vez resolveu, de acordo com variados critérios, inaugurar mais uma categoria para eleger aqueles que “numa era em que existe fome de liderança, inspiram os outros, conferindo-lhes energia e tornando o mundo melhor”.


No editorial que acompanha a lista inaugural dos Maiores Líderes do Mundo, a Fortune explica o lugar de relevo do Papa Francisco da seguinte forma: “quando um reformador procede a mudanças progressivas numa determinada instituição e de uma forma tão enérgica em apenas um ano – e quando essa instituição tem mais de 2 mil anos e é a maior organização do mundo – é natural que desperte atenções, admiração e surpresa”. Este é o “motivo” encontrado pela revista para explicar o primeiro lugar do Papa Francisco nesta primeira edição de este novo ranking, em conjunto com o facto de o líder da Igreja Católica ter sido igualmente o que mais propostas de “voto” recebeu entre uma vasta lista de candidatos.


“Reformar o Banco do Vaticano, depois de vários escândalos associados ao mesmo, abanar a burocracia ‘autista’ que caracteriza o Vaticano e conferir um novo tom através do seu exemplo pessoal de modéstia e inclusão – isto é o que um grande líder faz”, pode ainda ler-se na revista, que garante que é este tipo de liderança que o mundo deseja e precisa desesperadamente.


Citando a ultima edição do Trust Barometer, da firma de comunicação Edelman, apenas 21% dos entrevistados, a nível global, afirmam confiar nos líderes no que respeita a estes tomarem “decisão éticas e morais”. Partindo deste dado, a Fortune foi à procura de líderes dos quais o mundo precisa e garante que encontrou conjuntos de indivíduos extraordinários, em todos os continentes e em todas as áreas – seja nos negócios, na política, no palco militar, na filantropia ou na religião. E se muitos deles são mundialmente famosos – como o Papa – outros existem de quem nunca ouvimos falar. Adicionalmente, e seguindo uma premissa militar - a de que não existe uma fórmula para a liderança – os editores da Fortune decidiram incluir, na sua lista de nomeados, líderes de organizações fortemente hierárquicas em conjunto com outros cujos seguidores não lhes devem nenhuma obrigação formal, mas que os elegem para deles receber inspiração e orientação. E é também de acordo com estes critérios que alguns dos nomeados são pessoas visionárias que inspiram os outros a segui-los para atingir um objectivo que só eles conseguem vislumbrar, como é o caso do CEO da Alibaba Jack Ma, (No. 16); ou o do CEO da Ford, Alan Mulally, (No. 3), por conseguir o enorme feito de resgatar instituições com problemas; ou treinadores desportivos que competem e ganham, sem esquecer empreendedores sociais que cooperam e oferecem soluções.


Todavia, a revista explica, cuidadosamente, que optou por distinguir estes líderes em particular de pessoas que são admiráveis e poderosas, mas que não podem ser consideradas como “transformadoras”. Assim, não basta ser um líder bem-sucedido ao leme de uma empresa para se poder integrar esta listagem. Todos os candidatos analisados estão actualmente no activo e os nomes propostos vieram de vários especialistas em liderança, cujas ideias combinadas com outras elencadas pelos repórteres da Fortune, deram origem aos finalistas.


Tal como afirmou Ken Chenault, CEO da American Express, (No. 18), “a tarefa de um líder é definir a realidade e proporcionar esperança” e a verdade é que Francisco vai ao encontro (também) destes critérios.


Numa pesquisa realizada este mês, um em quatro católicos afirmou ter aumentado os seus donativos caritativos aos pobres ao longo do último ano. Destes, 77% sublinharam que o fizeram por causa do Papa Francisco. Se a Fortune explica o primeiro lugar ocupado pelo líder espiritual de 1,2 mil milhões de católicos pelas acções “pouco habituais” sobre as quais a imprensa não se cansa de escrever – desde o facto de se ter recusado a ocupar o Apartamento Pontifico no Palácio Apostólico, a insistir em usar os seus velhos sapatos, a conduzir em Roma com o seu velho Ford, entre outras “mitologias sobre o Papa” – como proferiu o próprio também na entrevista ao Corriere della Sera – o que realmente o distingue enquanto líder é o facto de estar a atrair verdadeiras legiões de admiradores e seguidores – e não só católicos, como já mencionado – e por estar a definir um novo rumo e um novo significado a muitos que se sentem perdidos e/ou rejeitados pela sociedade.


Adicionalmente e na sua mais do que comentada e analisada exortação Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), Francisco “ousou” deixar claro que ao contrário de uma Igreja “tranquila”, lutará por uma Igreja “desassossegada”; elegeu a inclusão social dos pobres, a paz e o diálogo social como questões chave para o futuro da humanidade: manifestou-se absolutamente contra “uma economia que mata” e contra a “globalização da indiferença” e defendeu que o catolicismo deverá reaver, com mais firmeza, o seu espírito de missão.


Ainda sobre a reforma na Igreja, a qual começou quase imediatamente a seguir ao fumo branco que saiu da Capela Sistina logo no segundo dia do conclave – a 13 de Março de 2013 - e de acordo com um historiador da Igreja, o grupo por ele criado de oito cardeais para o aconselhar sobre a reorganização da Igreja consiste no mais importante passo dado na história nos últimos 10 séculos. Francisco já foi considerado revolucionário, audaz e até marxista. Mas e na verdade, é a facilidade com se aproxima das pessoas, a sua oratória acessível, o facto de “mergulhar” e continuar a mover-se na realidade com a qual conviveu desde sempre, em conjunto com o facto de não julgar ninguém, que o distinguem não só dos estilos próprios dos seus antecessores, como dos demais comuns. É isso que o torna um líder inspirador: é a forma tão distinta mediante a qual exerce o poder que, efectivamente, tem, mas que não é comparável a nenhum outro exercício do mesmo.


Francisco é o primeiro Papa nascido no continente americano, o primeiro Pontífice não europeu em mais de 1200 anos e também o primeiro Papa jesuíta da história. E é também o primeiro líder cujos seguidores não são definidos por rótulos, sejam eles quais forem.

 

 

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