Notícia
Escolas sem autonomia são "ingovernáveis"
O ano lectivo 2012/13 arranca esta semana, sob suspeita de vir a revelar-se um dos mais complexos e polémicos dos últimos tempos. Sem autonomia, as escolas viverão um clima impensável , e para ‘governá-las’ seria preciso que às complicações habituais não se somassem as que não se podem antecipar, com todas as alterações e novidades previstas .
13 de Setembro de 2012 às 16:32
O VER convidou dois directores de escolas públicas a analisarem a agudizante situação da educação em Portugal. A antevisão dita que, perante a incerteza, professores e alunos “não vão ter vida fácil”
Face às muitas incertezas que agravam, no arranque de este ano lectivo, a habitual agitação onde se movem professores, alunos, pais e dirigentes escolares, Adalmiro da Fonseca, presidente da ANDAEP – Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, declarou já que teme um início do ano lectivo “muito preocupante”, com um “clima desfavorável ao sucesso escolar”. A perspectiva deve-se, no seu entender, à imposição de atribuir aos professores mais velhos horários cheios, gerando enormes disparidades face aos docentes com menos anos de carreira.
Adalmiro da Fonseca, presidente da ANDAEP – Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas e Jorge Roque, director do Agrupamento de Escolas do Monte da Ola
Para Adalmiro da Fonseca, também director numa escola do distrito do Porto, sem se dar “autonomia completa” às escolas estas irão viver “um clima impensável”. Crítico, o presidente da ANDAEP diz, em entrevista ao VER, que se têm constituído agrupamentos “com cariz unicamente economicista, o que é lamentável. É algo de que nos vamos, certamente, arrepender, em breve”, prevê.
Na opinião de Jorge Roque, director de um agrupamento do concelho de Viana do Castelo (Agrupamento de escolas do Monte da Ola), estas são “preocupações perfeitamente legítimas”: as dificuldades, nos 150 mega agrupamentos entretanto criados, deverão multiplicar-se e poderão mesmo criar-se “situações de quase ingovernabilidade”. O tempo o dirá, como comenta em entrevista ao VER, mas certo é que as escolas “não vão ter vida fácil”.
As causas de maior instabilidade passam pela criação das novas unidades orgânicas e as alterações nas regras de colocação e contratação dos professores, “com ligação directa à definição da componente lectiva”, defende ainda. Sucede que “as dinâmicas de muitas escolas assentam, de forma inequívoca, na qualidade de trabalho dos docentes que trabalham a contrato, em regimes de precariedade”, o que gera um clima de indefinição que “nada traz de bom ao funcionamento das escolas”.
Note-se que, a 31 de Agosto, foram colocados 7.600 professores contratados, menos 5.147 do que no ano passado, o que permite ao Ministério da Educação uma poupança de 77 milhões de euros, segundo cálculos de FENPROF. A Federação Nacional dos Professores e o Sindicato dos Professores da Região Centro já acusaram que “relativamente ao ano de 2011, (estas) colocações tiveram uma redução de mais de 40%, constituindo, por esta via, o maior despedimento colectivo de que há memória”.
Consequentemente, e reforçando a sua preocupação com os efeitos dos cortes orçamentais previstos, está já na calha nova Greve Geral dos Professores convocada pela FENPROF. Também a Federação Nacional da Educação pediu de imediato uma reunião de urgência com o ministro Nuno Crato, por causa do número de docentes que não conseguiram colocação e do diploma em discussão para regular a mobilidade especial dos docentes.
Em suma, e como sublinha Jorge Roque, “as incertezas estão na base” de todas as questões que estão na ordem do dia, em matéria de educação.
Perante a polémica instalada a respeito do próximo ano lectivo, já considerado o mais complexo dos últimos tempos, com que expectativa aguarda o seu arranque?
Adalmiro da Fonseca - Várias circunstâncias que se verificam em muitas escolas, em consequência da complexidade e/ou mau desempenho da plataforma que suportou as colocações, trazem-nos preocupados com a abertura do ano lectivo. De facto, aparecem colocações duplicadas, mas isso não será problema de maior. Já a lista de graduação relativa à antiguidade, que não foi tida em conta, traz graves complicações, pois implica a impossibilidade de as escolas fazerem a selecção dos candidatos, e os alunos vão ficar sem professor.
A redistribuição de serviço que as escolas deviam poder fazer nem sequer se deveria integrar no que de autonomia se trata, pois é objecto, tão só, de bom senso. Tendo as escolas as horas lectivas e professores em sobejo para elas, tratar-se-ia apenas de poderem os directores atribuir os serviços lectivos e de apoio e/ou projectos de acordo com os perfis mais adequados a cada professor, sem que houvesse qualquer prejuízo em tal… O mesmo se poderá dizer da constituição de turmas: havendo um número médio, deveriam as escolas poder constituí-las conforme entendessem melhor para o sucesso dos alunos: umas maiores, outras menores, sendo que, no fim, não poderia haver diferença do estabelecido no despacho relativo ao assunto, entendendo-se sempre a globalidade.
Quanto ao resto, estamos convencidos que o ano lectivo vai iniciar-se de modo pacífico, com a maior parte dos problemas resolvidos, porque os directores tiveram este ano um enorme trabalho de preparação acrescido que lhes roubou, praticamente na totalidade, o tempo de férias.
Jorge Roque - Aguardo este ano lectivo com a expectativa de quem sabe há muito que, com todas as alterações e novidades previstas, as sabidas e as imponderadas, terá as complicações habituais mais as que resultam daquilo que não se pode antecipar. As alterações legislativas e das matrizes curriculares transportam uma série de variáveis que são novidade. Da nossa parte sabemos que está tudo pronto e previsto para um arranque sem problemas de maior.
Face às constantes alterações, nos últimos anos, ao nível da organização e gestão escolar (mega agrupamentos, diminuição da autonomia das escolas, atribuição de funções directivas a alguns professores, aumento do número de alunos por turma, alteração das regras de colocação de professores, alterações na definição da componente lectiva e na distribuição de horários aos professores, etc.), quais são as principais dificuldades que a classe docente atravessa actualmente?
AF - Os docentes têm tido uma capacidade invulgar de adaptação a todas estas novas realidades. É certo que vivemos num mundo em velocidade e mudança constante a que já nos habituámos, mas aqui trata-se de pessoas e há que ter redobrado cuidado. Tem faltado, sobretudo formação. Os Centros de Formação estão superiormente parados e apenas funcionam conforme o espírito empreendedor dos seus directores e Comissões Pedagógicas. Há um grande trabalho de formação a todos a fazer nas escolas, mas sobretudo aos mais responsáveis para as mudanças que aponta. Não basta, de modo algum, que os coordenadores ou mesmo os directores sejam formatados por algum curso especializado. É preciso trabalhar tudo isto na prática do dia a dia…
JR - A palavra de ordem, na minha perspectiva, é “indefinição”. A sua pergunta menciona algumas das questões que estão na ordem do dia, sendo que as incertezas estão na base de todas elas. A redução do número de docentes de carreira com horário atribuído, fruto de uma série de medidas que o MEC implementou, trouxe maior instabilidade à vida nas escolas. Quando constatamos que docentes de carreira com trinta e muitos anos de serviço, de repente, se vêem em situação de DACL (Docente com Ausência de Componente Lectiva), só podemos concluir que isso nada de bom traz ao espírito de quem trabalha de forma diária e sistemática com os alunos. A questão motivacional é fundamental nesta profissão, como em todas. Infelizmente sinto que é demasiadas vezes descurada pela tutela.
“Uma escola de mega dimensão inviabiliza a auto-reflexão. E uma escola sem auto-reflexão é uma escola sem destino traçado” – Jorge Roque, director do Agrupamento de Escolas de Monte da Ola
Há uma relação directa entre as alterações ao nível da organização e gestão escolar, que refere. Tudo está ligado. Para apontar as causas de maior instabilidade terei de dizer que são a criação das novas unidades orgânicas (vulgo “mega agrupamentos”) e as alterações nas regras de colocação/contratação dos professores, com ligação directa à definição da componente lectiva. Tenho ainda de deixar uma palavra para a situação dos docentes contratados, que prestam um serviço fundamental para o funcionamento das escolas. As dinâmicas de muitas escolas assentam, de forma inequívoca, na qualidade de trabalho dos docentes que trabalham a contrato, em regimes de precariedade que, em muitas situações, necessitam de revisão urgente. Esta situação de indefinição nada traz de bom ao funcionamento das escolas.
Enquanto docente com funções directivas, que opinião tem sobre a fusão das escolas em mega agrupamentos, criados com vista a melhorar a gestão escolar e que supostamente deveriam garantir a permanência do aluno no mesmo estabelecimento de ensino ao longo do 2º, 3º ciclo e ensino secundário?
AF - Sobre a questão posta direi: os agrupamentos deveriam resultar do princípio de que os alunos teriam apenas um projecto educativo ao longo da sua vida escolar. Ora, com a liberdade de escolha de escola, tal deixa de ter sentido e, logo, também a junção de escolas em agrupamentos verticais até ao 12.º ano. No entanto, há que ter em conta que algumas escolas são tão pequenas que deixam de ter massa crítica e precisam juntar-se. O que se verifica, sobretudo no interior do país.
Nestas questões, creio também que é sempre necessário ter a intervenção da comunidade, através dos mais diversos órgãos locais, principalmente das autarquias, com os conselhos de educação, até pelas cartas educativas locais. Tal não tem sido hábito em boa parte do país e têm-se constituído agrupamentos com cariz unicamente economicista, o que é lamentável. É algo que nos vamos, certamente, arrepender, em breve.
JR - A criação de novas unidades orgânicas, resultantes da fusão de agrupamentos, dois ou mais, é extremamente negativa para a consecução do serviço público de educação. O funcionamento dos agrupamentos de escolas requer um conjunto de sinergias muito próprias que não se compadecem com afastamentos físicos. É fundamental uma gestão cara a cara. É imperativo que as direcções, os órgãos de gestão e as chefias intermédias se conheçam bem e conheçam, da mesma maneira, os intérpretes dos diferentes papéis sociais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Depois, por que razões se agregam escolas? Serão políticas, económicas ou pedagógicas? Na minha perspectiva só as duas primeiras hipóteses justificam o processo. Nada existe de pedagógico quando baralhamos e voltamos a dar, afastando protagonistas e criando mais problemas do que soluções. Os agrupamentos de escolas funcionam bem como estão e não necessitam de qualquer alteração estrutural. Foram sendo construídos ao longo de anos para que se proporcionassem situações de consolidação dos diferentes projectos educativos. Os agrupamentos vivem hoje - aqueles que não foram agrupados com outros agrupamentos - uma situação de maturidade, onde as boas práticas se estão a consolidar.
Esta é uma questão que contribui sobremaneira para a tal situação de instabilidade que já referi. Termino, e há tanto por dizer nesta matéria, citando a doutoranda em Ciências da Educação no âmbito da administração escolar e antiga directora da Escola Secundária do Castelo da Maia, Paula Romão: “Uma escola de mega dimensão inviabiliza a auto-reflexão”. E acrescento, uma escola sem auto-reflexão é uma escola sem destino traçado”.
Que consequências estão a ter estes mega agrupamentos para os alunos que frequentam escolas em zonas desertificadas, no interior do país, nomeadamente ao nível do abandono escolar?
AF - Nenhumas, à excepção de um ou outro caso, em que as distâncias obrigam os alunos a ocuparem muito tempo em deslocações, sem o terem até para brincar, que também precisam.
JR - Tenho dificuldade em responder a essa questão sem entrar na conjectura, pois essa não é a realidade do meu agrupamento.
Na mesma qualidade, como perspectiva a instabilidade gerada pela indefinição das componentes lectivas e da distribuição de horários aos professores (com quase seis mil a integrarem o concurso de mobilidade interna), e a criação de turmas maiores? Em que medida é necessário fornecer maior autonomia de gestão às escolas para garantir a qualidade do ensino?
AF - A autonomia das escolas é assunto a colocar em cima da mesa de imediato. Lisboa não pode legislar para todo o país, que é desigual, e o MEC – Ministério da Educação e Ciência não deve passar além de simples estrutura orientadora, com um programa simples. No entanto, este é um tema de difícil tratamento. Esperamos que, aqui, se cuide de procurar o saber dos directores e que, sobre autonomia, não baste o que já está a ser feito com alguns contratos. Muitas coisas há a clarificar, como, por exemplo, os resultados, onde se devem ter em conta imensas variáveis. Vejamos por exemplo: uma escola poderá ter mais valor nos resultados, se em trinta sobe um, do que outra que sobe o mesmo em noventa. Tudo depende de tanta coisa, até do ponto de vista social…
“A autonomia das escolas é assunto a colocar em cima da mesa de imediato. Lisboa não pode legislar para todo o país e o MEC não deve passar de simples estrutura orientadora” – Adalmiro da Fonseca, presidente da ANDAEP
Depois, há uma autonomia base que todas as escolas devem ter e que vai resultar, até, da alteração das DRE’s (Direcções Regionais de Educação). É dos assuntos que mais nos preocupa, quer pelas diversas posições políticas e sociais que ouvimos dos vários quadrantes e de pessoas muito ligadas à educação, quer pela necessidade absoluta que exige.
JR - Tal como já referi, as situações de instabilidade que têm surgido nos últimos anos só têm trazido desmotivação e perturbam efectivamente o bom funcionamento dos estabelecimentos de ensino público. Não me recordo de um lançamento de ano lectivo, de há uns sete ou oito anos a esta parte, sem agitação e sem constantes alterações que só prejudicam o ambiente, o querer e o espírito das comunidades educativas.
Os alunos, os pais e encarregados de educação, as direcções, os diferentes agentes educativos estão constantemente a ser confrontados com alterações, ou ao currículo de estudos, ou aos programas, ou às matrizes, ou à forma de gerir os recursos humanos. É impossível que estas situações não deixem mossas sérias. Nunca se sabe o que vai surgir, que medidas vão ser implementadas e como se operacionalizam essas mesmas medidas. A legislação chega tarde de mais e, para complicar, as plataformas disponibilizadas são pouco eficientes e têm constantes bugs que prejudicam a vida de docentes e o bom funcionamento das escolas.
Era fundamental que houvesse estabilidade e sim, o reforço de autonomia seria um passo em frente. Mas autonomia de facto, não aquela que se diz que as escolas têm. A publicação de diferentes diplomas, com particular destaque para o Despacho Normativo 13/A, veio na prática retirar autonomia às escolas. Confere autonomia em muito poucos aspectos. Alguns vão permitir diferenciar o funcionamento das escolas (definição da gestão dos tempos escolares e cargas lectivas; oferta complementar e de escola), o que resulta numa visibilidade que pode indicar um falacioso argumento de que existe maior autonomia quando, na realidade, esta não existe. Assim, era importante trabalhar-se a autonomia das escolas, sobretudo na vertente dos recursos humanos e no envolvimento dos agrupamentos e da escola no seu todo, no debate da adaptação dos currículos de estudos às realidades específicas de cada comunidade educativa.
A reforma curricular contribuirá para essa qualidade do ensino? Que leitura faz, a prazo, dos seus efeitos no sistema educativo nacional?
Para ler o artigo na íntegra clique aqui
Face às muitas incertezas que agravam, no arranque de este ano lectivo, a habitual agitação onde se movem professores, alunos, pais e dirigentes escolares, Adalmiro da Fonseca, presidente da ANDAEP – Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, declarou já que teme um início do ano lectivo “muito preocupante”, com um “clima desfavorável ao sucesso escolar”. A perspectiva deve-se, no seu entender, à imposição de atribuir aos professores mais velhos horários cheios, gerando enormes disparidades face aos docentes com menos anos de carreira.
Para Adalmiro da Fonseca, também director numa escola do distrito do Porto, sem se dar “autonomia completa” às escolas estas irão viver “um clima impensável”. Crítico, o presidente da ANDAEP diz, em entrevista ao VER, que se têm constituído agrupamentos “com cariz unicamente economicista, o que é lamentável. É algo de que nos vamos, certamente, arrepender, em breve”, prevê.
Na opinião de Jorge Roque, director de um agrupamento do concelho de Viana do Castelo (Agrupamento de escolas do Monte da Ola), estas são “preocupações perfeitamente legítimas”: as dificuldades, nos 150 mega agrupamentos entretanto criados, deverão multiplicar-se e poderão mesmo criar-se “situações de quase ingovernabilidade”. O tempo o dirá, como comenta em entrevista ao VER, mas certo é que as escolas “não vão ter vida fácil”.
As causas de maior instabilidade passam pela criação das novas unidades orgânicas e as alterações nas regras de colocação e contratação dos professores, “com ligação directa à definição da componente lectiva”, defende ainda. Sucede que “as dinâmicas de muitas escolas assentam, de forma inequívoca, na qualidade de trabalho dos docentes que trabalham a contrato, em regimes de precariedade”, o que gera um clima de indefinição que “nada traz de bom ao funcionamento das escolas”.
Note-se que, a 31 de Agosto, foram colocados 7.600 professores contratados, menos 5.147 do que no ano passado, o que permite ao Ministério da Educação uma poupança de 77 milhões de euros, segundo cálculos de FENPROF. A Federação Nacional dos Professores e o Sindicato dos Professores da Região Centro já acusaram que “relativamente ao ano de 2011, (estas) colocações tiveram uma redução de mais de 40%, constituindo, por esta via, o maior despedimento colectivo de que há memória”.
Consequentemente, e reforçando a sua preocupação com os efeitos dos cortes orçamentais previstos, está já na calha nova Greve Geral dos Professores convocada pela FENPROF. Também a Federação Nacional da Educação pediu de imediato uma reunião de urgência com o ministro Nuno Crato, por causa do número de docentes que não conseguiram colocação e do diploma em discussão para regular a mobilidade especial dos docentes.
Em suma, e como sublinha Jorge Roque, “as incertezas estão na base” de todas as questões que estão na ordem do dia, em matéria de educação.
Perante a polémica instalada a respeito do próximo ano lectivo, já considerado o mais complexo dos últimos tempos, com que expectativa aguarda o seu arranque?
Adalmiro da Fonseca - Várias circunstâncias que se verificam em muitas escolas, em consequência da complexidade e/ou mau desempenho da plataforma que suportou as colocações, trazem-nos preocupados com a abertura do ano lectivo. De facto, aparecem colocações duplicadas, mas isso não será problema de maior. Já a lista de graduação relativa à antiguidade, que não foi tida em conta, traz graves complicações, pois implica a impossibilidade de as escolas fazerem a selecção dos candidatos, e os alunos vão ficar sem professor.
A redistribuição de serviço que as escolas deviam poder fazer nem sequer se deveria integrar no que de autonomia se trata, pois é objecto, tão só, de bom senso. Tendo as escolas as horas lectivas e professores em sobejo para elas, tratar-se-ia apenas de poderem os directores atribuir os serviços lectivos e de apoio e/ou projectos de acordo com os perfis mais adequados a cada professor, sem que houvesse qualquer prejuízo em tal… O mesmo se poderá dizer da constituição de turmas: havendo um número médio, deveriam as escolas poder constituí-las conforme entendessem melhor para o sucesso dos alunos: umas maiores, outras menores, sendo que, no fim, não poderia haver diferença do estabelecido no despacho relativo ao assunto, entendendo-se sempre a globalidade.
Quanto ao resto, estamos convencidos que o ano lectivo vai iniciar-se de modo pacífico, com a maior parte dos problemas resolvidos, porque os directores tiveram este ano um enorme trabalho de preparação acrescido que lhes roubou, praticamente na totalidade, o tempo de férias.
Jorge Roque - Aguardo este ano lectivo com a expectativa de quem sabe há muito que, com todas as alterações e novidades previstas, as sabidas e as imponderadas, terá as complicações habituais mais as que resultam daquilo que não se pode antecipar. As alterações legislativas e das matrizes curriculares transportam uma série de variáveis que são novidade. Da nossa parte sabemos que está tudo pronto e previsto para um arranque sem problemas de maior.
Face às constantes alterações, nos últimos anos, ao nível da organização e gestão escolar (mega agrupamentos, diminuição da autonomia das escolas, atribuição de funções directivas a alguns professores, aumento do número de alunos por turma, alteração das regras de colocação de professores, alterações na definição da componente lectiva e na distribuição de horários aos professores, etc.), quais são as principais dificuldades que a classe docente atravessa actualmente?
AF - Os docentes têm tido uma capacidade invulgar de adaptação a todas estas novas realidades. É certo que vivemos num mundo em velocidade e mudança constante a que já nos habituámos, mas aqui trata-se de pessoas e há que ter redobrado cuidado. Tem faltado, sobretudo formação. Os Centros de Formação estão superiormente parados e apenas funcionam conforme o espírito empreendedor dos seus directores e Comissões Pedagógicas. Há um grande trabalho de formação a todos a fazer nas escolas, mas sobretudo aos mais responsáveis para as mudanças que aponta. Não basta, de modo algum, que os coordenadores ou mesmo os directores sejam formatados por algum curso especializado. É preciso trabalhar tudo isto na prática do dia a dia…
JR - A palavra de ordem, na minha perspectiva, é “indefinição”. A sua pergunta menciona algumas das questões que estão na ordem do dia, sendo que as incertezas estão na base de todas elas. A redução do número de docentes de carreira com horário atribuído, fruto de uma série de medidas que o MEC implementou, trouxe maior instabilidade à vida nas escolas. Quando constatamos que docentes de carreira com trinta e muitos anos de serviço, de repente, se vêem em situação de DACL (Docente com Ausência de Componente Lectiva), só podemos concluir que isso nada de bom traz ao espírito de quem trabalha de forma diária e sistemática com os alunos. A questão motivacional é fundamental nesta profissão, como em todas. Infelizmente sinto que é demasiadas vezes descurada pela tutela.
“Uma escola de mega dimensão inviabiliza a auto-reflexão. E uma escola sem auto-reflexão é uma escola sem destino traçado” – Jorge Roque, director do Agrupamento de Escolas de Monte da Ola
Há uma relação directa entre as alterações ao nível da organização e gestão escolar, que refere. Tudo está ligado. Para apontar as causas de maior instabilidade terei de dizer que são a criação das novas unidades orgânicas (vulgo “mega agrupamentos”) e as alterações nas regras de colocação/contratação dos professores, com ligação directa à definição da componente lectiva. Tenho ainda de deixar uma palavra para a situação dos docentes contratados, que prestam um serviço fundamental para o funcionamento das escolas. As dinâmicas de muitas escolas assentam, de forma inequívoca, na qualidade de trabalho dos docentes que trabalham a contrato, em regimes de precariedade que, em muitas situações, necessitam de revisão urgente. Esta situação de indefinição nada traz de bom ao funcionamento das escolas.
Enquanto docente com funções directivas, que opinião tem sobre a fusão das escolas em mega agrupamentos, criados com vista a melhorar a gestão escolar e que supostamente deveriam garantir a permanência do aluno no mesmo estabelecimento de ensino ao longo do 2º, 3º ciclo e ensino secundário?
AF - Sobre a questão posta direi: os agrupamentos deveriam resultar do princípio de que os alunos teriam apenas um projecto educativo ao longo da sua vida escolar. Ora, com a liberdade de escolha de escola, tal deixa de ter sentido e, logo, também a junção de escolas em agrupamentos verticais até ao 12.º ano. No entanto, há que ter em conta que algumas escolas são tão pequenas que deixam de ter massa crítica e precisam juntar-se. O que se verifica, sobretudo no interior do país.
Nestas questões, creio também que é sempre necessário ter a intervenção da comunidade, através dos mais diversos órgãos locais, principalmente das autarquias, com os conselhos de educação, até pelas cartas educativas locais. Tal não tem sido hábito em boa parte do país e têm-se constituído agrupamentos com cariz unicamente economicista, o que é lamentável. É algo que nos vamos, certamente, arrepender, em breve.
JR - A criação de novas unidades orgânicas, resultantes da fusão de agrupamentos, dois ou mais, é extremamente negativa para a consecução do serviço público de educação. O funcionamento dos agrupamentos de escolas requer um conjunto de sinergias muito próprias que não se compadecem com afastamentos físicos. É fundamental uma gestão cara a cara. É imperativo que as direcções, os órgãos de gestão e as chefias intermédias se conheçam bem e conheçam, da mesma maneira, os intérpretes dos diferentes papéis sociais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Depois, por que razões se agregam escolas? Serão políticas, económicas ou pedagógicas? Na minha perspectiva só as duas primeiras hipóteses justificam o processo. Nada existe de pedagógico quando baralhamos e voltamos a dar, afastando protagonistas e criando mais problemas do que soluções. Os agrupamentos de escolas funcionam bem como estão e não necessitam de qualquer alteração estrutural. Foram sendo construídos ao longo de anos para que se proporcionassem situações de consolidação dos diferentes projectos educativos. Os agrupamentos vivem hoje - aqueles que não foram agrupados com outros agrupamentos - uma situação de maturidade, onde as boas práticas se estão a consolidar.
Esta é uma questão que contribui sobremaneira para a tal situação de instabilidade que já referi. Termino, e há tanto por dizer nesta matéria, citando a doutoranda em Ciências da Educação no âmbito da administração escolar e antiga directora da Escola Secundária do Castelo da Maia, Paula Romão: “Uma escola de mega dimensão inviabiliza a auto-reflexão”. E acrescento, uma escola sem auto-reflexão é uma escola sem destino traçado”.
Que consequências estão a ter estes mega agrupamentos para os alunos que frequentam escolas em zonas desertificadas, no interior do país, nomeadamente ao nível do abandono escolar?
AF - Nenhumas, à excepção de um ou outro caso, em que as distâncias obrigam os alunos a ocuparem muito tempo em deslocações, sem o terem até para brincar, que também precisam.
JR - Tenho dificuldade em responder a essa questão sem entrar na conjectura, pois essa não é a realidade do meu agrupamento.
Na mesma qualidade, como perspectiva a instabilidade gerada pela indefinição das componentes lectivas e da distribuição de horários aos professores (com quase seis mil a integrarem o concurso de mobilidade interna), e a criação de turmas maiores? Em que medida é necessário fornecer maior autonomia de gestão às escolas para garantir a qualidade do ensino?
AF - A autonomia das escolas é assunto a colocar em cima da mesa de imediato. Lisboa não pode legislar para todo o país, que é desigual, e o MEC – Ministério da Educação e Ciência não deve passar além de simples estrutura orientadora, com um programa simples. No entanto, este é um tema de difícil tratamento. Esperamos que, aqui, se cuide de procurar o saber dos directores e que, sobre autonomia, não baste o que já está a ser feito com alguns contratos. Muitas coisas há a clarificar, como, por exemplo, os resultados, onde se devem ter em conta imensas variáveis. Vejamos por exemplo: uma escola poderá ter mais valor nos resultados, se em trinta sobe um, do que outra que sobe o mesmo em noventa. Tudo depende de tanta coisa, até do ponto de vista social…
“A autonomia das escolas é assunto a colocar em cima da mesa de imediato. Lisboa não pode legislar para todo o país e o MEC não deve passar de simples estrutura orientadora” – Adalmiro da Fonseca, presidente da ANDAEP
Depois, há uma autonomia base que todas as escolas devem ter e que vai resultar, até, da alteração das DRE’s (Direcções Regionais de Educação). É dos assuntos que mais nos preocupa, quer pelas diversas posições políticas e sociais que ouvimos dos vários quadrantes e de pessoas muito ligadas à educação, quer pela necessidade absoluta que exige.
JR - Tal como já referi, as situações de instabilidade que têm surgido nos últimos anos só têm trazido desmotivação e perturbam efectivamente o bom funcionamento dos estabelecimentos de ensino público. Não me recordo de um lançamento de ano lectivo, de há uns sete ou oito anos a esta parte, sem agitação e sem constantes alterações que só prejudicam o ambiente, o querer e o espírito das comunidades educativas.
Os alunos, os pais e encarregados de educação, as direcções, os diferentes agentes educativos estão constantemente a ser confrontados com alterações, ou ao currículo de estudos, ou aos programas, ou às matrizes, ou à forma de gerir os recursos humanos. É impossível que estas situações não deixem mossas sérias. Nunca se sabe o que vai surgir, que medidas vão ser implementadas e como se operacionalizam essas mesmas medidas. A legislação chega tarde de mais e, para complicar, as plataformas disponibilizadas são pouco eficientes e têm constantes bugs que prejudicam a vida de docentes e o bom funcionamento das escolas.
Era fundamental que houvesse estabilidade e sim, o reforço de autonomia seria um passo em frente. Mas autonomia de facto, não aquela que se diz que as escolas têm. A publicação de diferentes diplomas, com particular destaque para o Despacho Normativo 13/A, veio na prática retirar autonomia às escolas. Confere autonomia em muito poucos aspectos. Alguns vão permitir diferenciar o funcionamento das escolas (definição da gestão dos tempos escolares e cargas lectivas; oferta complementar e de escola), o que resulta numa visibilidade que pode indicar um falacioso argumento de que existe maior autonomia quando, na realidade, esta não existe. Assim, era importante trabalhar-se a autonomia das escolas, sobretudo na vertente dos recursos humanos e no envolvimento dos agrupamentos e da escola no seu todo, no debate da adaptação dos currículos de estudos às realidades específicas de cada comunidade educativa.
A reforma curricular contribuirá para essa qualidade do ensino? Que leitura faz, a prazo, dos seus efeitos no sistema educativo nacional?
Para ler o artigo na íntegra clique aqui