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Seguro, mas qual seguro?

A lei que entrou em vigor a 21 de outubro exige aos proprietários de alojamentos locais um seguro que, tecnicamente, não pode existir. Por isso, não está à venda. Então, o que contratar?

15 de Janeiro de 2019 às 11:00
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Não existe. E, tecnicamente, é impossível que algum dia venha a existir. O seguro que a lei obriga os proprietários de alojamentos locais a contratarem não é um seguro. Não é coisa nenhuma. É, quando muito, um erro do legislador. Por isso, desde 21 de outubro, data em que entrou em vigor o artigo 13-A da Lei 62/2018, os novos proprietários de alojamento local estão obrigados a contratar um "seguro multirriscos de responsabilidade civil", que é uma designação tecnicamente absurda. Os multirriscos aplicam-se ao tipo de estabelecimento que protegem. Temos, por exemplo, multirriscos-habitação e multirriscos-empresas. Como o nome indica, cobrem diversos riscos (incêndio, roubo, etc.) a que as habitações ou as empresas estão expostas. Mas não pode um seguro multirricos aplicar-se a uma cobertura, como a responsabilidade civil. Porque esta, em bom rigor, não está exposta a riscos. O alojamento é que está. Logo, é até provável que o mercado acabe por criar um multirriscos-alojamento local. Possivelmente, era essa a intenção do legislador. Mas não é o que diz a lei, segundo a qual não ter um seguro "multirriscos de responsabilidade civil" é motivo para perder a licença do alojamento local.

Dois anos para tratar do seguro

Quem já tinha um alojamento local em atividade antes de 21 de outubro não está, ainda, a desrespeitar a lei, que prevê um prazo de dois anos para os proprietários cumprirem os novos requisitos. Até à entrada em vigor desta lei, nenhum seguro era obrigatório, a não ser aquele que cobre o risco de incêndio nas frações de edifícios. Para acautelar eventuais danos provocados a hóspedes ou por estes causados a terceiros não estava prevista qualquer apólice. Em maus lençóis ficam, no entanto, os investidores que pretendam agora lançar-se na aventura do alojamento local.

Que estejam, por estes dias, a tratar do registo, da manta corta-fogo e do estojo de primeiros socorros. Para esses, não há, ainda, seguro que lhes valha.

Mas o legislador deixa, pelo menos, pistas para aquilo que pretende ver coberto. Aborda eventuais "reclamações no âmbito da sua atividade turística", em que uma cobertura de responsabilidade civil (aqui sim) responde por possíveis danos causados a terceiros no âmbito da exploração da casa (como uma explosão de gás, por exemplo). Ordena-se também que o seguro a contratar pelos proprietários de alojamentos locais "cubra riscos de incêndio", que é já uma cobertura obrigatória para todos os imóveis em regime de propriedade horizontal e que está incluída em seguros de multirriscos-habitação. Pede-se ainda que sejam salvaguardados eventuais "danos patrimoniais e não patrimoniais causados a hóspedes e a terceiros" no âmbito da prestação de serviços de alojamento, à semelhança do que acontece à generalidade das empresas, que se responsabilizam por danos sofridos pelos clientes que frequentam o seu espaço comercial.

Porém, em nenhum momento se estabelece um patamar mínimo para todas estas obrigações. Nem tão-pouco se remete tal definição para futura regulamentação, como seria de esperar. Sendo assim, ninguém sabe o que é razoável segurar.

Dez mil euros? Vinte mil? Cem mil? E... mais grave ainda: ficará na mão do proprietário tomar essa decisão? Com que critério?

Ai se o hóspede estraga o elevador

Com a entrada em vigor da nova lei, os proprietários de alojamento local passam também a responder solidariamente por eventuais danos provocados pelo hóspede ao edifício que integra a casa arrendada.

A legislação não obriga os investidores a transferirem essa responsabilidade para um seguro, mas fará sentido que tal aconteça. Até porque se o dano for detetado depois da partida do hóspede, não deverá ser fácil chamá-lo a assumir os prejuízos. E a fatura irá acabar nas mãos do proprietário. Então, o que fazer? Esteja atento. É provável que, em breve, surjam novidades sobre este assunto. Sim, é verdade, a lei já está em vigor. Mas enquanto espera, certifique-se de que, pelo menos, o seguro atual da casa cobre o risco de responsabilidade civil.


É preciso definir um capital mínimo obrigatório de responsabilidade civil.


Não estava definida a obrigatoriedade mínima de capital e à data de fecho desta edição, algumas seguradoras confidenciavam-nos que aguardavam instruções da associação que os representa - a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) -, a quem recorreram logo que detetaram o imbróglio legislativo. Contactada por nós, a associação confirmou ter pedido à Assembleia da República e ao Governo a clarificação do artigo 13-A, sublinhando que "qualquer seguro que venha a ser celebrado não será o que a lei formalmente exige".

Perante uma legislação que impunha um seguro obrigatório que era impossível de contratar, a DECO contactou o Ministério das Finanças e a Autoridade de Seguros e de Fundos de Pensões exigindo uma clarificação, de forma inequívoca, que seguro, ou, pelo menos, que coberturas devem contratar os proprietários que investiram na conversão dos seus imóveis em alojamento local. A nossa iniciativa teve resposta através da Lei do Orçamento do Estado para 2019 Lei nº 71/2018 de 31 de dezembro de 2018. À data de fecho desta edição, algumas seguradoras confidenciavam-nos que aguardavam instruções da associação que os representa - a Associação Portuguesa de Seguradores (APS) -, a quem recorreram logo que detetaram o imbróglio legislativo. Contactada pela Decoproteste, a associação confirmou ter pedido à Assembleia da República e ao Governo a clarificação do artigo 13-A, sublinhando que "qualquer seguro que venha a ser celebrado não será o que a lei formalmente exige".

Mapfre tenta resposta à lei

Lusitania e Zurich foram as primeiras seguradoras a disponibilizar produtos vocacionados para o segmento do alojamento local, ainda antes de ser conhecido o texto da nova lei. Hoje, percebe-se que os pacotes de coberturas que divulgaram protegiam o imóvel e deixavam na mão do proprirtário a contratação de coberturas adicionais. Entretanto, a Mapfre tomou a dianteira e, sem esperar por esclarecimentos, criou um novo produto que procura responder àquilo que se presumem ser os objetivos do legislador. Combinou a cobertura de "responsabilidade civil exploração" com a de "acidentes pessoais para hóspedes".


É possível que outras seguradoras acabem por conjugar coberturas diversificadas.


Na primeira, salvaguarda possíveis prejuízos causados a terceiros no âmbito da exploração da atividade de hospedagem. Na segunda, acautela possíveis danos sofridos pelos hóspedes, que não estão livres de ver um candeeiro lhes cair em cima, por exemplo. A estas duas, a Mapfre junta a possibilidade de adicionar a cobertura multirriscos-empresa, para proteger o património convertido em alojamento local.

É muito provável que outras seguradoras acabem por seguir estas pisadas e conjuguem coberturas diversificadas numa apólice desenhada à medida das necessidades do alojamento local. Mas, antes disso, é preciso que se identifiquem, inequivocamente, essas necessidades. Sem isso, os investidores andarão a vaguear pelo mercado segurador, às cegas. Até poderão contratar coberturas que um dia lhes sejam úteis. Mas nunca estarão a cumprir o que a lei, literalmente, exige.

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