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Governo das sociedades: Mudar é preciso

A PROTESTE INVESTE avaliou a forma como as empresas nacionais cotadas em bolsa são geridas e concluiu que ainda há muito para melhorar.

16 de Janeiro de 2018 às 10:23
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Como são geridas as maiores empresas nacionais? A pergunta serviu de mote para um estudo da PROTESTE INVESTE sobre o governo das sociedades, que revelou um cenário, digamos... modesto. Das 20 empresas nacionais cotadas na bolsa de Lisboa e acompanhadas pela PROTESTE INVESTE, seis chumbaram, com uma classificação abaixo de 5 numa escala de 0 a 10, o que corresponde a uma taxa de reprovação de 30%. Foram os casos da Mota-Engil, Corticeira Amorim, NOS, BCP, Novabase e Jerónimo Martins. E das restantes 14, apenas três tiveram uma boa classificação (acima de 6,5): EDP Renováveis, Impresa e BPI. Ou seja, só 15% das empresas analisadas teve uma boa nota.

O conceito de governo das sociedades nasceu há mais de 75 anos nos EUA e procura introduzir uma certa ética nas relações entre a administração e os outros órgãos sociais, os acionistas e as restantes partes interessadas na vida da empresa. A preocupação com a equidade, a democracia e o respeito pelos direitos dos acionistas minoritários estão no centro desse conceito. Mas não só. Há estudos que mostram que existe uma relação entre o bom governo das sociedades e a volatilidade das cotações das ações das empresas. Por outras palavras, as companhias com melhores práticas são, em geral, menos arriscadas. Daí que a PROTESTE INVESTE tenha incluído a avaliação do governo societário no nível de risco das empresas que acompanha.

A análise assentou em três pilares fundamentais: direitos dos acionistas (com uma ponderação de 35%), funcionamento e estrutura dos órgãos de administração (32,5%) e transparência (32,5%). Em cada pilar e para cada empresa atribuiu-se uma notação entre 0 e 10 valores. Fez-se um questionário com 24 perguntas às empresas (sete não responderam) e baseámo-nos na informação recolhida nos relatórios de gestão e de governo societário de 2016 e nos respetivos sítios eletrónicos. No final, atribuiu-se uma classificação baseada na média ponderada das três variáveis. Pode consultar em detalhe a metodologia do estudo em deco.proteste.pt/investe/corporate- governance.

Respeito por todos os acionistas

Dos três pilares analisados, o dos direitos dos acionistas foi aquele em que as empresas obtiveram uma melhor classificação (6,7, em média). As leis que obrigam as empresas a adotar determinadas práticas tiveram um papel preponderante: a inexistência de restrições à votação por correspondência e através de um representante, a possibilidade de os acionistas convocarem uma assembleia geral detendo apenas 5% do capital da empresa são alguns bons exemplos. O não bloqueio das ações, após a data de registo antes da assembleia geral, é outro, embora seja uma regra ainda ignorada pela Corticeira Amorim.

Olhando para a classificação total, as empresas nacionais passaram, mas os resultados foram fracos, com a classificação média a cifrar-se em 5,4, apenas um pouco acima da linha de água. Aliás, esta também foi a nota média obtida pelas mesmas empresas aquando do último estudo que a PROTESTE INVESTE fez"em 2015, referente às contas de 2014.

Em dois anos, praticamente nada se alterou, apesar dos esforços da PROTESTE INVESTE para sensibilizar as autoridades competentes nesta matéria. Na altura, enviou-se várias propostas de aperfeiçoamento das práticas de governo societário para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e para os diversos grupos parlamentares.


Em dois anos, praticamente nada mudou, apesar das nossas reivindicações.


Houve empresas que melhoraram o seu governo societário, com destaque para a Semapa, a EDP Renováveis, a REN e os CTT. Mas também houve casos em que a situação piorou, como na Sonae Indústria, no BPI (apesar da boa nota obtida), no BCP e na Jerónimo Martins, que foi a empresa com pior classificação.

E quais são, em concreto, os aspetos a melhorar em relação aos direitos dos acionistas? O mais lesivo de todos para os pequenos acionistas é a subsistência de limites máximos aos direitos de voto, como acontece no BCP (30% do capital), na EDP (25%), e na REN (25%). O princípio de "uma ação, um voto", que sempre a PROTESTE INVESTE defendeu, deveria ser obrigatório em todas as sociedades, porque qualquer mecanismo que lhes permita blindar o capital reduz o interesse de outras empresas em comprá-las. Ninguém estará na disposição de comprar uma empresa em que só poderá votar até um limite de 25 ou 30% do capital.

Outro aspeto que deveria ser alvo de alteração é a possibilidade de modificar os estatutos por maioria simples. Apenas a EDP Renováveis permite fazê-lo e só no caso de estar representado, em assembleia geral, mais de 50% do capital. Em todas as outras é necessária maioria qualificada (2/3 dos votos) para alterar os estatutos.

E há ainda o facto de a declaração sobre a política de remunerações, que é votada em assembleia geral ser, na maioria dos casos, demasiado vaga. Isso não permite que a remuneração dos membros do conselho de administração seja votada de forma individualizada, como defende a PROTESTE INVESTE. Apenas o BPI, a EDP, a Novabase e a REN submetem à votação da assembleia geral a remuneração concreta e individualizada dos administradores.

Mais administradores independentes

Quanto ao funcionamento dos órgãos de administração, o chumbo é claro, com a classificação média a ficar-se pelos 3,4. Quinze das 20 empresas analisadas obtiveram nota negativa.

Os principais problemas prendem-se com a fraca representatividade de administradores independentes nos conselhos de administração. Apenas na Sonae, na EDP Renováveis, na EDP e nos CTT, o conselho de administração é composto pelo menos em 50% por membros independentes e nas comissões especializadas, como a de auditoria e a de remunerações. Se os administradores fossem independentes dos principais acionistas e da estrutura operacional da entidade, seriam menos condicionados pela hierarquia e seria mais fácil, para eles, incentivar a autovigilância e o espírito crítico. Outro aspeto relevante é uma separação entre os cargos de presidente do conselho de administração e de presidente executivo, já que uma das funções do primeiro é controlar a comissão executiva. E ainda há oito empresas (Altri, Cofina, Corticeira Amorim, CTT, Jerónimo Martins, Novabase, REN e Sonae) em que o presidente do conselho de administração é simultaneamente presidente da comissão executiva.

Pela transparência da informação

No pilar da transparência, a nota média foi de 6, mas oito empresas tiveram uma classificação abaixo de 5. E a situação degradou- se face a 2014. A disparidade salarial entre o presidente da comissão executiva e a remuneração média dos restantes trabalhadores foi um dos fatores que piorou. Com efeito, se em termos médios este rácio era de 27,8 em 2014, o ano passado foi de 31,5. Os números parecem bastante exagerados, pelo que a PROTESTE INVESTE continua a defender que deveria ser fixado um limite. Nestes cálculos não está incluída a Sonae Indústria, que não divulgou as remunerações do pessoal.

Outro problema que persiste diz respeito ao facto de as auditoras fornecerem também outros serviços (consultoria, por exemplo) às empresas. Esta prática deveria ser simplesmente proibida, por poder gerar conflitos de interesse. Apenas em três casos (Cofina, Novabase e Sonae Indústria), o auditor externo não prestou outro tipo de serviços à empresa.

Pela negativa, destaque também para o facto de a divulgação dos resultados trimestrais das empresas nacionais cotadas em bolsa ter deixado de ser obrigatória, o que não contribuiu em nada para o aumento da transparência. A Mota-Engil e a Novabase já aproveitaram este retrocesso na lei para não divulgarem as suas contas trimestrais. A PROTESTE INVESTE alerta também para o facto de os sítios de internet das empresas nem sempre apresentarem toda a informação disponível e em alguns casos estar desatualizada. Por exemplo, no caso do BPI, a versão dos estatutos que estava no seu site não contemplava as alterações da última assembleia geral, realizada em abril, há mais de seis meses.

A pouca influência que os pequenos acionistas têm na vida das empresas exige que o legislador seja mais exigente. As regras do Código de Governo das Sociedades, implementado pela CMVM, foram um passo no bom sentido mas são insuficientes, na medida em que continuam a não ter um cariz obrigatório. Se as empresas nacionais não cumprirem alguma norma, apenas têm de informar os investidores do que cumprem e do que não cumprem e explicar a razão por que não o fazem no seu relatório de governo societário. Além disso, apenas quatro empresas (EDP Renováveis, Sonae, Sonae Capital e Sonae Indústria) cumprem a totalidade das normas.

É preciso que as recomendações da CMVM nesta matéria passem a ter um caráter obrigatório. Todos ficariam a ganhar, a começar pelos acionistas, que estariam mais protegidos, e a acabar nas empresas, que veriam reforçada a confiança dos investidores e, logo, o acesso facilitado ao financiamento de que necessitam para os seus investimentos. 

PROTESTE INVESTE EXIGE

Um melhor governo das sociedades

À semelhança do que fez no passado e com base nos três pilares fundamentais do governo societário, a PROTESTE INVESTE propõe 13 princípios que deveriam ser obrigatórios para as empresas cotadas.

Direitos dos acionistas:
 Direitos especiais e outras limitações aos direitos de voto eliminados.
 Estatutos alterados por maioria simples, sendo para isso necessário mudar o Código das Sociedades Comerciais.
 Remuneração individualizada do presidente da comissão executiva e dos restantes administradores (e não apenas os princípios gerais da política de remunerações do conselho de administração) aprovada em assembleia geral de acionistas.

Funcionamento do conselho de administração:
 Conselho de administração composto maioritariamente por membros independentes.
 Comissões de auditoria e de remunerações obrigatórias e constituídas integralmente por membros independentes.
 Presidente executivo e presidente do conselho de administração devem ser pessoas distintas.

Transparência:
 Auditores e empresas de auditoria devem mudar periodicamente e ser proibidos de prestar outros serviços para evitar conflitos de interesses.
 Modelo alternativo de pagamento às auditoras e a sua escolha por parte das empresas alvo da revisão de contas. Poderiam ser designadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
 Constituição de filiais em paraísos fiscais proibida e a possibilidade de contabilizar despesas confidenciais eliminada para promover a transparência.
 Estabelecimento de um limite para o rácio entre a remuneração do presidente da comissão executiva e o salário médio dos restantes trabalhadores.
 Prémios de desempenho da administração e dos principais dirigentes terem por base indicadores sólidos e representativos do valor da empresa. Nunca deve ser usado apenas um único indicador e os que forem utilizados devem incluir mais do que um exercício, para garantir uma gestão sustentável.
 Stock options dadas a administradores e/ou aos principais dirigentes exercidas apenas a longo prazo (de três a cinco anos).
 Maior rigor nos sistemas de controlo de riscos interno, nomeadamente no reporte de ilegalidades no seio da empresa. Este mecanismo deverá ser independente da estrutura de gestão.




Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.


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