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Abriram quase mil hotéis durante a pandemia. Porquê?

Para muitos hotéis novos, a decisão de abrir consumiu milhões de dólares e anos de trabalho. Inaugurar é a última etapa de um processo muito caro e muito longo. Chega a ser inevitável.

22 de Agosto de 2020 às 21:00
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O novo hotel White Water, na costa central da Califórnia, tem muito a seu favor: localização numa praia cheia de pedras-da-lua, quartos espaçosos, decoração de inspiração escandinava, criada pela reputada designer Nina Freudenberger, de Los Angeles.

E o que tem o empreendimento de mal? Apenas o colapso mundial da indústria hoteleira.

O White Water é um dos milhares de hotéis que já foram ou serão inaugurados em plena pandemia da covid-19. De acordo com a empresa de dados STR, especializada no setor, as taxas de ocupação caíram para menos de 30% em toda a Europa em março. Nos EUA, números da M3, empresa de contabilidade focada em hotéis, mostram que a ocupação dos estabelecimentos do país diminuiu para metade, apesar dos preços por noite também tenham diminuído. O cenário é parte de uma recessão que, segundo cálculos apresentados pelo Fundo Monetário Internacional em junho, causará 12,5 biliões de dólares em perdas globais, quase 5% do PIB mundial.

É uma situação tenebrosa para quem está a abrir qualquer tipo de negócio, ainda mais se for associado a custo fixo elevado e enormes dívidas subjacentes. Ainda assim, a rede Hilton abriu 60 novos hotéis no mundo no segundo trimestre, enquanto a Marriott estreou 163 propriedades — incluindo quatro Ritz-Carltons — desde o início do ano.

Mesmo hotéis independentes e inexperientes estão a seguir em frente. Os donos da marca de cosméticos Fresh abriram seu primeiro negócio no ramo este mês: o Maker Hotel, com 11 quartos, no Vale do Hudson, estado de Nova Iorque. A Nobu Hotels ampliou o seu portfólio em um terço nos últimos meses, com novas propriedades em Chicago, Londres e Varsóvia. A PRG Hospitality Group, que possui oito hotéis boutique na Califórnia, incluindo o White Water, está prestes a inaugurar o segundo hotel este verão.

De acordo com o website Tophotelnews, existe programação para inaugurar mais 775 hotéis em todo o continente americano até o final de 2020.

Parece contraditório, uma vez que as viagens estão praticamente paralisadas. Mas para quem é do ramo, faz sentido.

Longe demais

Para muitos hotéis novos, a decisão de abrir consumiu milhões de dólares e anos de trabalho. Inaugurar é a última etapa de um processo muito caro e muito longo. Chega a ser inevitável.

"Num projeto típico de hotel, desenvolver e abrir leva entre dois a cinco anos", diz Sean Hennessey, consultor e professor da Faculdade de Hotelaria Jonathan M. Tisch da Universidade de Nova Iorque. Incluindo o terreno, o custo de construção pode variar de vários milhões de dólares para um hotel económico a muitos milhões para um empreendimento luxuoso. E a manutenção de um edifício acabado exige pessoal que pode ser alocado para atender os hóspedes.

Portanto, adiar operações sai caro. "Mesmo sem sucesso no lançamento, um projeto concluído é muito mais valioso do que um que estiver 80% concluído", acrescenta Hennessey. "É preciso arriscar."

Para hotéis de luxo, empatar significa muitas coisas. Com 50% de ocupação, uma propriedade geralmente tem cash flow suficiente para cumprir os pagamentos, supondo que os preços permaneçam estáveis. Uma ocupação de 70% proporciona retorno um saudável sobre o investimento. De acordo com a STR, a taxa de ocupação dos hotéis nos EUA estava abaixo de 43% em junho.

Ainda assim, inaugurar dá aos hotéis uma possibilidade de cobrir despesas permanentes como impostos, seguros, alguns salários de gestores, segurança, manutenção e eletricidade, que precisam ser pagos mesmo se a propriedade estiver fechada.

É também uma hipótese de conquistar clientes locais. É este o raciocínio da rede Rocco Forte, que em setembro terá reaberto todos os 13 hotéis cinco estrelas que já operava pelo mundo e vai avançar com três inaugurações.

"O meu negócio terá uma saída de 55 milhões de dólares, enquanto normalmente tenho uma entrada de 35 milhões de dólares", diz o presidente Rocco Forte. Segundo o gestor, operar restaurantes ao ar livre enquanto o clima ainda está agradável — como o restaurante no jardim do Hotel de Russie, em Roma — compensa um pouco a fraqueza das operações dormidas e exige menos funcionários. "Para muitas pessoas no setor, é uma questão de sobrevivência."

O restaurante ao ar livre do Hotel de Russie, em Roma
O restaurante ao ar livre do Hotel de Russie, em Roma Rocco Forte Hotels


Geografia importa

Localização, oferta, procura, endividamento, moral da dos trabalhadores, flexibilidade e fatores adicionais também influenciam a decisão sobre se e quando abrir.

"É uma história de duas áreas — urbana versus não urbana", diz o cofundador da PRG, Britten Shuford. No seu negócio, a taxa de ocupação atingiu 80% no Cambria Beach Lodge, ideal para surfistas, e 20% em Los Angeles, onde fica o seu Prospect, que permanece fechado em Hollywood. Desde a reabertura em junho, o Sands Hotel & Spa, propriedade de design moderno no Vale de Coachella, também na Califórnia, conseguiu um aumento de 50% no movimento em relação ao ano passado. O quadro deu a Shuford confiança de que o White Water e o San Luis Creek Lodge, que foi inaugurado em agosto na cidade costeira de San Luis Obispo, iriam ter sucesso.

O público-alvo também faz a diferença. Phil Cordell supervisiona a Canopy, marca da Hilton de hotéis urbanos, elegantes e amigáveis. Nove unidades foram abertas este ano, ampliando o portfólio em 75%, incluindo Filadélfia e a capital Washington. Mesmo nas cidades grandes, o gestor acredita que a marca Canopy pode atrair turistas que têm ajudado o setor neste verão no Hemisfério Norte: gente que viaja de carro, indivíduos que viajam sozinhos devido a negócios e pessoas que passam longas temporadas de férias.

"Estamos a avançar com todas as inaugurações que estavam programadas para este ano", diz Cordell.

Calculando o risco

Abrir um hotel não precisa ser tudo ou nada. Um caso emblemático é o do Maker Hotel, em Hudson, pequena cidade onde os nova-iorquinos passam fins de semana. O empreendimento é uma parceria de Lev Glazman e Alina Roytberg, fundadores da marca de cosméticos Fresh, e do especialista em hotelaria Damien Janowicz.

Demoraram três anos e meio para reformar, restaurar e juntar três edifícios históricos num só. A propriedade foi aberta gradualmente — primeiro um lounge, depois um restaurante com uma redoma de vidro e, por fim, um café com astral europeu. O hotel elegante e temperamental estrearia em abril, mas foi lançado no início de agosto, com reservas disponíveis apenas de quinta a segunda-feira, dando tempo para higienização completa a cada troca de hóspedes. Alguns fins de semana já têm reservas esgotadas e Glazman espera equilibrar despesas e ganhos em poucos meses.

Para Rocco Forte, desenvolver três novas propriedades — duas na Itália e uma em Xangai — significa maximizar economias de escala. "Até certo ponto, o futuro do meu grupo depende da capacidade de continuar a crescer", explica Forte.

Felizmente para ele e outros profissionais do ramo, não se espera que hotéis novos deem lucro no primeiro ano de operação.

"Ao contrário de um prédio de escritórios, onde os inquilinos fazem a adesão durante a construção, os hotéis são sempre construídos a partir de especulações. Não há base de clientes instalada até que as portas sejam abertas", explica o professor Hennessey.

A abertura agora permite que as operadoras resolvam problemas e se preparem para uma recuperação, mas não podem trabalhar com perdas por muito tempo. "Muitas empresas hoteleiras têm dinheiro suficiente em caixa para pagar despesas gerais durante 12 a 24 meses", disse ele. "Proprietários independentes provavelmente têm menos recursos para aguentar."

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