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Regresso aos sabores da terra

A agricultura biológica ainda é um nicho em Portugal mas o consumo já é maior que a produção. Quem tenta aproveitar esta oportunidade de negócio fala das dificuldades e das expectativas.

24 de Fevereiro de 2011 às 10:56
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Quando, em 1994, Luís Mendes converteu a Quinta do Vale Pequeno numa propriedade voltada para a agricultura biológica, o esforço foi pequeno. Desde que o bisavô tomou conta da propriedade, há mais de um século, que o trabalho da terra seguiu sempre de perto a lógica da agricultura tradicional. Entrar no "bio" implicou um período de reconversão das terras de dois anos, mas pouco mais foi necessário para ter acesso à certificação necessária para colocar este tipo de produtos no mercado.

A grande mudança foi mesmo na orientação da produção, que se deslocou da vinha, do azeite e dos figos, que até aí dominavam o dia-a-dia da quinta, para um leque mais diversificado de produtos. As hortícolas ganharam peso, o vinho perdeu e o esforço de levar produtos ao mercado internacional deu lugar a uma aposta exclusiva no mercado local. Para o produtor, a situação é a ideal. Conseguiu garantir um portefólio de produtos com maior margem e sabe que o espaço para crescer é grande porque, mesmo com o mercado ainda a dar os primeiros passos, a procura de produtos de agricultura biológica em Portugal é hoje maior que a oferta.

Como explica Jaime Ferreira, presidente da Agrobio - Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, o mercado de agricultura biológica na Europa tem crescido a um ritmo de 10 a 15 por cento ao ano. Portugal acompanha e, por cá, o "bio" vale actualmente cerca de 20 milhões de euros, incluindo já a produção para exportação, que acontece sobretudo ao nível do azeite, vinho e tomate.

Internamente, as oportunidades para suprimir uma produção deficitária são variadas. "A importação é ainda expressiva, sobretudo na transformação. Esta é uma área que no biológico está muito por explorar", admite Jaime Ferreira, que aponta mais oportunidades de negócio na agricultura biológica. As hortícolas ou a fruta, são exemplos.

Foi com esta noção que Nuno Pereira e Nuno Lobão mergulharam de cabeça na agricultura biológica. Aproveitaram terras da família e colocaram no terreno um projecto que, em 2005, quando começaram, foi um escape para a situação de desemprego que ambos viviam. Cinco anos passados, reconhecem que o percurso não foi fácil mas não pretendem desviar-se do caminho. Aliás, planos para um futuro agrícola não faltam.

A agricultura é, como sublinha Nuno Lobão, "uma actividade dura e difícil" e o "bio" não é excepção. Pelo contrário. Trabalhar a terra não é fácil. Gerir um negócio com recursos - humanos e materiais - limitados também não e assegurar uma rede de distribuição eficaz e adaptada a uma produção que dá frutos quase diariamente, mas em quantidades limitadas, também é uma tarefa árdua.

Para vencer é preciso contornar dificuldades e uma das mais relevantes, neste caso, é a distribuição. Os donos da Ecoseiva, tal como a maioria dos produtores "bio", apostam na diversificação dos canais de escoamento de produtos, onde cabe a venda para lojas especializadas, a venda a produtores que comercializam para grandes superfícies ou em mercados. Estes últimos estão em expansão e assumem-se como um veículo privilegiado de contacto com o cliente, interessante para ambas as partes, vendedor e comprador.

Luís Mendes, por exemplo, consegue colocar semanalmente os seus produtos em cinco mercados, todos na zona da capital, e assegura, graças a isso, o contacto com uma média de 200 clientes por semana. Junta-lhe a venda na quinta, no "site" e em lojas, mas não esconde que os mercados já se tornaram num canal de grande relevo para o sucesso do negócio.

A partir de Lobão da Beira, na zona de Tondela, Nuno Pereira e Nuno Lobão têm menos facilidade em chegar aos grandes centros e colmatar a perigosa distância entre produtor e cliente, que na agricultura biológica ainda se torna mais relevante. As baixas quantidades produzidas mantêm afastadas as estruturas de distribuição bem oleadas que servem a agricultura química. Resultado: todos os passos do negócio são bem ponderados. "É preciso crescer para ter capacidade de chegar a novos circuitos de venda, mas alguma calma, porque as despesas são pagas em legumes". Um produto rapidamente perecível e de baixo valor, produzido sem "aceleradores" e ao ritmo das estações do ano.

"A logística da agricultura biológica em Portugal funciona muito mal. Somos poucos e estamos mal organizados o que também acaba por contribuir para encarecer os produtos", assume André Gomes Pereira, que dirige a Quinta do Montalto, mas que também reconhece um grande espírito de entreajuda entre os produtores da área.

Quando tomou o lugar de um tio na gestão da propriedade da segunda metade do século XIX localizada perto de Ourém, o engenheiro florestal fez a reconversão da vinha existente e alargou a produção hortícola, para a levar além das necessidades da família. O "bio" surgiu como um passo lógico. Como diz, "a agricultura biológica é mais que um conjunto de regras, é uma forma de estar no mundo rural".

A Quinta do Montalto escolheu estar no mundo rural dessa forma. André Pereira não tem dúvidas que passa por aqui o futuro, sobretudo na Europa que, pela dimensão e regras apertadas que tem imposto, não tem condições para ser competitiva no sector de outra forma.

Para o fazer teve como primeiro desafio reformular a estrutura produtiva. O segundo foi trabalhar a comercialização e colocação dos produtos no mercado, tarefa que não foi mais fácil do que a primeira. Ao longo dos últimos anos na agricultura, biológica ou química, "as regras do jogo mudaram muito e muito depressa", defende.

Muitos agricultores não souberam acompanhar esta mudança, que também passa por compreender uma nova lógica de levar os produtos ao mercado. André Pereira tem procurado fazê-lo aproveitando áreas de investimento que herdou, adaptando-as aos novos tempos, e apostando noutras. Em ambos os casos, tendo em conta esta nova lógica de produção agrícola, que afinal não é mais que um recuperar de tradições antigas que voltam a ligar a agricultura às estações do ano.

"Bio", uma oportunidade de negócio
O que se está a fazer no Montalto, o que se faz na Ecoseiva ou no Vale Pequeno replica-se noutras quintas, noutras propriedades, noutras zonas do país. Por quem tem tradição no trabalho da terra e por quem não tem.

Como admite Jaime Ferreira, da Agrobio, há uma nova geração de pessoas interessadas em trabalhar a terra e explorar as oportunidades que aí existem, dando resposta a um despertar de consciências do consumidor para a qualidade dos produtos alimentares. "Cinquenta por cento das pessoas que estão na agricultura biológica começaram sem saber nada", calcula Jaime Ferreira.

Para apoiar quem abraça a agricultura sem a ter nos genes, a associação é uma das entidades com apoios interessantes a considerar. Jaime Ferreira garante que a Agrobio está preparada para apoiar todo o ciclo de vida dos projectos, nomeadamente ao nível da formação, mas não só.

As formações mais básicas têm a duração de um dia (realizam-se quase todos os meses) e permitem ganhar algumas noções básicas, imprescindíveis a quem entra num projecto deste tipo. O que é a agricultura biológica, como escolher um terreno, que apoios estão disponíveis para quem entra no sector, noções de "marketing" ou comercialização de produtos, são algumas das áreas visadas pelos cursos mais simples.

E, se bem que a agricultura biológica é mais exigente em termos de conhecimentos do que a agricultura convencional e exige uma profunda compreensão do meio envolvente, Jaime Ferreira não vê que a falta de conhecimento seja um entrave para apostar nesta área. Luís Mendes concorda. O factor mais exigente é o investimento. Quem já tem terras consegue amortecer o efeito desta variável. Quem não tem pode procurar o mesmo efeito nos subsídios que existem para apoiar a agricultura.

Ainda não há apoios específicos para a agricultura biológica, são os mesmos que também servem para incentivar a agricultura química, em alguns casos com alguma majoração. Existem apoios para a compra de terras, medidas agro-ambientais, apoios específicos para determinados tipos de produtos, entre outros. São ferramentas que podem servir de rampa de lançamento para quem chega à agricultura biológica, embora os agricultores alertem para os "timings" de pagamento incertos pelos quais normalmente se regem, o que no arranque de um projecto é relevante.



Onde estão as oportunidades



- Produtos transformados
- Leite
- Fruta
- Hortícolas



Principais dificuldades



- Escoamentos de produtos
- Falta de canais de venda directa
- Pouca valorização da produção biológica
- Preço das terras
- Falta de rigor nos prazos de pagamento de subsídios atribuídos



Onde comprar e distribuir



As lojas dedicadas ao comércio de produtos biológicos têm-se multiplicado e até já existem alguns supermercados focados na venda deste tipo de produtos. Os mercados de rua (que em regra se realizam ao sábado) também são uma alternativa que começa a ganhar alguma expressão geográfica.

São hoje em dia os locais onde os produtores conseguem melhores margens e os consumidores melhores preços, pois escapam à lógica de rotatividade de produtos que suporta o comércio na grande distribuição. Mensais ou semanais já existem vários de norte a sul do país. A Agrobio, uma das duas associações do sector, está ligada a seis dos que listamos e ao longo deste ano pretende avançar com mais.

As negociações com diversas autarquias estão em marcha e duas já estão fechadas. Santos (Lisboa) e Amadora juntam-se em breve à lista.

Mercados biológicos
- Aveiro (Rossio)
- Algés (Jardim de Algés)
- Cascais (Parque Marechal Carmona)
- Coimbra (Jardim botânico)
- Gondomar (Feira de S. Cosme)
- Lisboa (Roma, Príncipe Real)
- Oeiras (Jardim de Oeiras)
- Matosinhos (Junto à câmara municipal)
- Porto (Parque da Cidade)
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