Notícia
Negócios 10 anos: Onze visões para 2023
O Negócios convidou onze figuras de várias áreas a partilharem a sua visão de Portugal daqui a 10 anos. Mais que previsões do futuro, enviaram desejos. Querem um País com sentido estratégico, com políticos de melhor qualidade, mais exportador, com melhor ensino e uma saúde exemplar. Há até uma carta ao pai Natal, onde se pede um regresso da Europa aos valores da sinceridade e coesão. Lá chegaremos, acreditam
1 Vasco de Mello
Presidente da Brisa
"Uma estratégia nacional com base em critérios objectivos"
É difícil e arriscado querer prever aquilo que o País será dentro de 10 anos. Mas, é possível, e será mais útil, concentrarmos o nosso pensamento e as nossas capacidades em saber, com clareza e com transparência, aquilo que queremos que Portugal seja no futuro, porque isso está nas nossas mãos.
A crise que vivemos é sentida, sobretudo, pelos seus impactos negativos, no plano económico, social e humano, mas temos de conseguir tirar partido dos seus ensinamentos.
Daqui a 10 anos, devemos ter um País com uma estratégia nacional, no qual as escolhas e as decisões são tomadas com base em critérios objectivos, com uma correcta análise custo-benefício, com maior responsabilidade nas decisões políticas e com uma visão de longo prazo conhecida e partilhada por todos.
A 10 anos, penso que devíamos estar todos envolvidos num projecto colectivo, com um rumo definido, para um Portugal competitivo, inovador e concretizador, com voz e voto no aprofundamento da União Europeia e na globalidade.
Neste Portugal, de 2023, as empresas deverão poder desenvolver a sua actividade num sistema onde possam prosperar, sem que o lucro seja amaldiçoado, independentemente da sua dimensão e sector, de forma previsível, eficiente e livre, e alinhadas com a estratégia de crescimento económico e de desenvolvimento social que o País escolheu para si.
2 Luís Marques Mendes
Comentador político, advogado e ex-presidente do PSD
"Termos o Estado máximo que o país pode financiar"
No plano político, gostaria que Portugal fosse um país mais maduro e responsável, dotado de uma classe política com mais qualidade, mais aberta a consensos, menos permeável à ligeireza e à superficialidade, mais preocupada com uma visão estratégica da política. Se for possível estancar a diminuição de qualidade política que se vem acentuando de eleição para eleição já teremos algum sinal promissor!
No plano da política externa, gostaria que Portugal fosse um país mais activo e interveniente, menos passivo ou submisso. Afinal, são os países pequenos que mais precisam de grandes políticas externas. E a nossa não deverá limitar-se a defender interesses. Deve, também, protagonizar valores. Em particular, os valores da solidariedade, da justiça e da coesão económica e social.
No plano do Estado, espero que possamos ter em 2023 um Estado finalmente diferente. Nem o Estado gigantesco que hoje temos nem o Estado mínimo que alguns sustentam. Antes, sim, o Estado máximo que o país possa financiar. Para que os elevados défices terminem e o espectro de bancarrota passe a ser, definitivamente, uma miragem.
No plano económico, espero que Portugal seja um país realmente competitivo. Espero sobretudo que nessa ocasião Portugal tenha feito já, definitivamente, a mudança de paradigma da sua economia. De uma economia baseada essencialmente na construção e obras públicas e centrada no mercado interno, que Portugal se afirme como uma economia eminentemente virada para o exterior, alicerçada sobretudo na produção de bens internacionalmente transaccionáveis. Esta é a mudança estrutural que conta.
No plano social, desejo que possamos ser em 2023 uma sociedade mais harmoniosa e menos desigual. Um país verdadeiramente europeu não pode ostentar os níveis de exclusão e de desigualdade social que hoje existem. Não é tanto um imperativo da economia. É, sobretudo, uma exigência de cidadania.
3 Jorge Braga de Macedo
Economista, ex-ministro das Finanças
"Exporto logo existo"
É com gosto que saúdo o 10º aniversário do Jornal de Negócios e desejo felicidades à sua primeira directora, a quem já chamei "decana dos jornalistas económicos portugueses".
Daqui a 10 anos estarão a passar 50 sobre a primeira crise do petróleo que, além de ferir de morte o regime anterior, deixou os governos subsequentes sem margem de manobra, na medida em que caíram fortemente os salários reais compatíveis com o equilíbrio da conta externa. Como os salários nominais aumentaram fortemente, surgiu, pela primeira vez desde 1931, uma pressão para a desvalorização cambial. A necessidade de equilibrar a conta externa condicionou a nossa pequena economia aberta ao longo da "década perdida", quando se acumularam défices gémeos nunca dantes registados.
Fruto de disfunções várias na governação, no sistema político e sobretudo na constituição fiscal, não está excluído a economia portuguesa "morrer na praia" (para usar o título de uma apresentação recente em Austin, Texas). Aposto, porém, que a conclusão do ajustamento até 17 de Maio de 2014 permita o regresso do ciclo virtuoso que terminou em 1995.
Portugal precisa de uma Europa aberta à globalização em termos que aproveitem não só a diversidade dos parceiros comerciais e de investimento mas também a diversidade do território - cujo ordenamento tem andado avesso da produção de bens transaccionáveis. Se continuarem as reformas para a abertura económica, Portugal irá aproveitar a estratégia Europa 2020 para conseguir uma economia inovadora e limpa, a qual, graças aos Açores e à Madeira, se coloca no centro do Atlântico e das rotas mais frequentadas do mundo, potenciando relações com plataformas regionais dos outros sete membros da CPLP.
Desde que a abertura da economia continue a nortear as reformas adiadas durante a "década perdida", a reputação financeira restaurada irá consolidá-las. Escrevi em 2004: "na economia global, exporto logo existo. Mas não exporta quem quer, exporta quem souber." E sabemos!
4 Daniel Proença de Carvalho
Sócio presidente da Uría Menéndez-Proença de Carvalho e presidente não executivo da Cimpor
"Parcerias de interesse mútuo e sem paternalimos estúpidos"
Numa época de profundas e imprevisíveis alterações na atividade económica e nas relações comerciais e financeiras entre os vários blocos económicos, é mais fácil dizer o que gostávamos que acontecesse do que o que na realidade vai acontecer nos próximos anos.
Apesar das incertezas, estou razoavelmente otimista quanto ao futuro do nosso País. Em boa parte o nosso futuro depende da evolução da Europa e do euro, da estratégia de quem lidera a União. No que depende de nós, temos vantagens e dificuldades. Aspetos positivos: as novas gerações estão a sair do sistema de ensino bem melhor preparadas; a elite saída das universidades é cosmopolita, fala inglês fluente, tem uma visão pragmática da vida; dispomos de uma excelente rede de infra-estruturas que nos torna numa boa plataforma de negócios; o nosso sistema de saúde (público e privado) dá segurança, temos já algumas instituições de ciência com projeção internacional (por exemplo, a Fundação Champalimaud) e, muito importante, temos relações privilegiadas com os países que falam português cujos mercados têm um elevado potencial de crescimento, se soubermos estabelecer parcerias de interesse mútuo e sem paternalismos estúpidos.
Aspetos negativos: um Estado com contas desequilibradas, pesado, burocrático e oneroso (fiscalidade muito elevada), um sistema de justiça feudal, ambiente político muito deteriorado e uma comunicação social destrutiva e desencorajadora do sucesso individual e empresarial. Ou conseguimos consenso político e social para prosseguirmos um processo reformista que dê a volta aos entraves que nos condicionam e em 2020 teremos um país mais próspero para os negócios e melhor para as pessoas, ou mergulharemos numa relativa estagnação.
5 Elisa Ferreira
Eudodeputada do PS
"Europa voltar a ser um espaço de coesão"
Sendo Natal, gostava de fazer disto uma carta para o Pai Natal. Gostava que a Europa recuperasse a dimensão de sinceridade, de idealismo e alguns dos valores que há dez anos ainda estavam presentes, e que pensávamos que nunca podiam desaparecer do projecto europeu. Na verdade, desapareceram. Sendo Natal, desejava que a Europa voltasse a ser uma Europa de coesão, em que as liberdades e a democracia - também a económica - dos cidadãos estivessem no centro dos objectivos. E que se organizasse a agenda europeia em função desses objectivos.
Como o Natal é só uma época do ano, o que vou esperar é que a Europa saia deste registo completamente liberal e economicista em que caímos. E mais do que isso: esta é uma Europa em que, em vez de termos os cidadãos como a grande preocupação, temos os poderes económicos a liderar a agenda. Em vez de termos a Comissão e o Parlamento no centro dos motores europeus temos o Conselho Europeu, com os desequilíbrios que lhe são característicos, em particular o grande desequilíbrio: a Alemanha. Em vez de termos uma Europa capaz de estar à altura do seu discursos e da sua imagem em termos mundiais, é uma Europa incapaz de resolver os seus problemas internos, que está a deixar passar uma grande oportunidade de se inserir na globalização.
Revejo em baixa os objectivos tentando ser mais realista. Espero que o esforço que se está a fazer agora em termos de agenda europeia se mantenha, mas que não deixemos de revisitar aquilo que esteve na raiz desta grande crise: a falta de alguns instrumentos na moeda única. Estou a referir-me à ausência de um orçamento capaz, de mecanismos que em períodos de crise possam fazer o relançamento económico, a ausência de um banco central com competências adequadas aos desafios que se lhe colocam, e uma Europa que seja reguladora e uma boa supervisora dos mercados financeiros, de maneira a evitar que sejam os contribuintes e os cidadãos comuns quem paga os erros da gestão das entidades financeiras.
Há um conjunto de elementos neste momento na agenda europeia que foram aflorados numa perspectiva de médio e longo prazo, e há uma lista deles que é importante que não saiam da agenda. Referi alguns, há mais outros: neste momento estamos a ver o que se pode fazer relativamente à dívida soberana. Para poder haver uma solução articulada - não quer dizer que seja mutualizada - mas pelo menos articulada, num quadro de gestão em comum da dívida dos Estados. Portugal, depois da troika, está com a dívida a valer 129% do PIB. Como a média da União Europeia é 95% do PIB, a nossa é muito alta. Há um conjunto de elementos que estiveram na agenda durante este período, durante a crise, que convinha que não fossem esquecidos e que fossem, peça a peça, preenchendo o caminho daqui para a frente.
É preciso recordar alguns elementos centrais do projecto europeu, nomeadamente as questões do equilíbrio e do desenvolvimento harmonioso numa área tão desigual que está sujeita a políticas que são comuns, mas que, sendo comuns, não têm impactos iguais em todos os territórios.
É preciso uma agenda internacional clara, em que a Europa defina quais são os seus interesses no quadro da globalização. Quer ser apenas um mero importador e centrar a sua dinâmica no sector financeiro ou quer ser mesmo um agente de parte inteira num processo de globalização em que tem que manter alguma parte produtiva, inclusivamente industrial, e que tem que gerir os seus interesses num quadro globalizado?
Só mais integração enquanto tal não funciona, porque podemos considerar que a moeda única é o passo fundamental da integração. Mas com as lacunas que ela tem acaba por ser um factor de fortíssima desintegração, se essas lacunas não forem preenchidas. É preciso ter cuidado com as palavras. Se a Europa não conseguir sair da situação em que estamos, resolvendo a situação do desemprego e dos problemas sociais, que estão a matar a Europa, dificilmente vamos encontrar nos cidadãos a vontade política de partir para graus mais fortes de integração. Porque a confiança na Europa começa a ficar muito deteriorada, e há boas razões para essa deterioração.
6 Júlio Pedrosa
Ex-ministro da Educação
"A escola vai continuar a mudar no bom sentido"
Gostaria que fossemos capazes de consolidar aqueles que têm sido os progressos expressos por exemplo nos resultados do PISA. E gostaria que fossemos capazes de reabilitar e valorizar a imagem dos professores. A terceira área é a capacidade dos professores e das escolas responderem às necessidades das crianças, capacitando os professores de instrumentos para trabalharem com crianças de contextos social e familiar diferentes. Também gostaria de ter direcções de escola mais treinadas e com mais autonomia. E gostaria que fossemos capazes de separar a direcção dos agrupamentos da direcção da escola.
E acho que poderemos estar assim daqui a 10 anos. Não acho um sonho impossível.
Mas vejo sinais preocupantes quando estamos a querer todos os dias mudar aquilo que é a escola portuguesa e o sistema de ensino sem se perceber aquilo que se quer. Viu o que aconteceu à Suécia? Tem o modelo que algumas pessoas estão a preconizar para Portugal. A liberdade de escolha é um chavão pois só tem essa capacidade quem tiver capacidade cultural, social e educativa. Acredito que não vai acontecer. Os portugueses têm bom senso. Os governos são todos passageiros.
Acho mesmo que a escola vai continuar a mudar e a consolidar-se mas no bom caminho.
Também as autarquias terão um papel cada vez mais importante. Vão ter de eleger estas políticas locais de apoio às famílias.
No que diz respeito ao ensino superior, há sinais que este governo está a seguir um bom caminho, diversificando entre ensino superior e politécnico. O ensino profissional vai ter uma presença forte. Quanto às universidades têm de se repensar. Cada uma delas tem de pensar o que quer ser.
7 Constantino Sakellarides
Ex-director-geral de Saúde e professor na Escola Nacional de Saúde
"Novo centro de saúde português tornou-se uma referência de qualidade"
A Saúde em 2023. Tudo correu normalmente, ou melhor, anormalmente bem. Reinvestindo na reforma dos cuidados de saúde primários - voltou-se a apoiar a capacidade criativa das lideranças locais, inspirando e mobilizando pessoas, mais do que acrescentar alguns tijolos mais, a uma construção estática e centralizada - o novo centro de saúde português tornou-se uma referência de qualidade além fronteiras (já o começava a ser há 10 anos para os profissionais mais interessados de Espanha, Grécia e Brasil).
Os cuidados a pessoas dependentes tinham sido finalmente integrados nos cuidados de saúde primários, naquilo que diz respeito aos cuidados de saúde, articulando-se estes com o sector social, as autarquias e segurança social quanto às dimensões sociais da dependência.
Esta rede complexa de interacções entre pessoas e serviços passou a ser gerida através de observatórios e estratégias locais de saúde, expressões concretas de uma saúde pública inteligente, que tinha ultrapassado a fase do Plano "pouco-mais-do que-papel".
A reconfiguração do sector hospitalar não foi feita "reformando organizações", mas antes começando a gerir activamente processos de cuidados - aqueles trajectos que pessoas com afecções de saúde de longa duração precisam de percorrer a partir dos centos de saúde, através das redes de referenciação hospitalar. Gestão esta centrada agora no valor acrescentado que cada "estação" desse trajecto pode proporcionar e nos resultados realizados no final do percurso (em ganhos de saúde por unidade de custo).
Lógica semelhante ( incorporação numa cadeia de valor) passou a orientar a introdução de novas tecnologias (incluindo medicamentos) no perímetro do SNS, assim como o desenvolvimento de uma cooperação transparente, de benefícios mútuos, entre os sectores público, privado e social.
Este SNS moderno, promovido e percebido como uma marca de qualidade, passou finalmente a cumprir a lei de garantia do acesso aos cuidados de saúde (de 2007!), e afadiga-se em proporcionar toda a escolha possível às pessoas que o procuram, sem fazer artificialmente da questão da escolha o "cavalo de tróia" de outros interesses.
Três eleições para o Parlamento Europeu (2014, 2018 e 2022), criaram um movimento político crescente a favor de uma Nova Europa, contribuindo assim para a sustentabilidade política e financeira dos sistemas de protecção social do velho continente: a objectivação das aspirações ao bem-estar dos povos europeus foi reconhecida como um condição necessária para uma sociedade menos acomodada, mais empreendedora e próspera. Tal aspiração deixou de ser tratada como subterfúgio para gastos irracionais e incomportáveis, ou como expectativa de valor inferior numa hierarquia de políticas públicas herdada da lógica dos defuntos "programas de ajustamento económicos e financeiros".
Em 2021 e 2023, tinha-se registado na zona Euro um crescimento médio anual do PIB de 2.9% , também à custa do valor económico do sector da saúde. Portugal tinha acompanhado bem essa evolução (mas não ao ponto de começar a fazer "divergir as pensões", conforme o disposto na Lei de Convergência das mesmas, de 2013). Numa década, a esperança de vida com saúde das mulheres portuguesas, aos 65 anos, tinha duplicado, passando de 6 a 12 anos, ultrapassando finalmente gregas, espanholas e irlandesas, mas ainda 3 anos abaixo das suecas. Lá chegaremos!
8 Gonçalo Moura Martis
Presidente executivo da Mota-Engil
"Uma sociedade mais igual"
Obviamente que ninguém saberá o que vai ser. O que eu posso antecipar é o que gostaria que fosse.
Gostaria que Portugal tivesse dentro de dez anos uma economia mais competitiva, mais baseada no valor acrescentado, na capacidade de inovação e design que tão bem tem sido demonstrado em alguns sectores como o calçado e que no sector dos serviços surgissem empresas de escala global, contrariando a dificuldade que resulta da exiguidade do mercado nacional, objectivo que o sector da construção tem conseguido concretizar muito bem.
Por outro lado gostaria de integrar uma economia que potenciasse uma sociedade mais igual, mais solidária, com espaço para todos e que a emigração fosse um desígnio e uma vontade individual e não uma necessidade colectiva, como o é nos dias de hoje.
9 Capoulas Santos
Eudodeputado do PS
"Uma nova geração de empresários"
Na próxima década a agricultura portuguesa irá, certamente, prosseguir a trajectória de sucesso que conheceu nos últimos 28 anos de integração europeia, por mérito dos verdadeiros heróis que foram os agricultores e das políticas publicas que os apoiaram. Em 1986 apresentávamos indicadores, em termos de população activa na agricultura e de produtividade, que colocavam o nosso país a anos-luz das potências agrícolas com as quais passámos a competir.
Apesar dos apoios ao rendimento serem proporcionalmente menores do que aqueles de que beneficiavam os Estados-membros que já integravam a UE, Portugal passou a receber apoios importantes para o seu desenvolvimento estrutural, na sua maior parte destinados a investimentos que mudaram radicalmente a face da nossa agricultura. Sem eles não teria sido possível modernizar a rede de matadouros, hoje seguramente uma das melhores do mundo, aumentar áreas de irrigação, de que Alqueva é o expoente máximo, caminhos agrícolas, electrificações rurais, equipamentos e maquinaria, centrais hortofrutícolas, adegas, lagares, reconversão de vinhas, plantação de pomares e olivais, organizações de produtores, formação profissional, sanidade animal, florestação, etc.
O país, a par da sua infra-estruturação, foi criando uma nova geração de empresários com maiores qualificações e mais atentos às oportunidades de mercado. Com a continuidade do essencial das políticas, independentemente da sucessão dos governos, em grande parte impostas pela nossa inclusão na Politica Agrícola Comum, o nosso perfil produtivo foi sendo progressivamente reorientado no sentido das produções para as quais temos mais vantagens competitivas como o vinho, o azeite, o leite, a horticultura e a fruticultura, que nos permitem hoje, não só auto-abastecer o país como criar excedentes que acentuam a vocação exportadora nalgumas destas produções, a par de bons desempenhos em sectores nos quais, por razões de natureza agro-climática e de aumento do consumo, continuaremos a ser deficitários.
Antevejo por isso um futuro não isento de dificuldades devido ao acréscimo de competição que será, decerto, induzida pela incontornável globalização, mas de continuação do sucesso das ultimas três décadas, uma vez que o "Cabo das Tormentas" da nossa agricultura já foi há muito contornado, ainda que só agora o país se pareça ter dado conta disso.
10 Nuno Ribeiro da Silva
Presidente da Endesa Portugal
"A União Europeia vai exercer a política energética"
O sector energético em geral, e o eléctrico em particular, está em momento de ebulição, de revolução. Há uma percepção clara de que o "business as usual" não é sustentável. Prova disso é o alerta que apareceu no Conselho de Maio da União Europeia e que vai ter como consequência um conselho europeu só para discutir o tema da energia na Europa em Março do próximo ano.
O que venha a ser o desenho do sistema energético em Portugal em uma década obviamente que virá a ser muito influenciado pelo rumo que decorra deste realinhamento das orientações de política energética a nível europeu. A União Europeia vai exercer a política energética na sequência dos poderes que lhe foram conferidos pelo Tratado de Lisboa como uma política comunitária, coisa que nunca fez. Agora, sim, está a querer repensar como é que consegue compatibilizar um desígnio de energia-clima com uma preocupação manifesta de competitividade dos custos dos sistemas energéticos na Europa comparativamente a outras zonas do mundo e, em particular, os Estados Unidos.
Este desenho que surja a nível da UE vai ter seríssimas condicionantes num horizonte próximo, no sentido de caminharmos mais ou menos rapidamente na direcção de algumas tendências. Mas na energia 10 anos é o curto prazo. Dez anos não é tempo suficiente para imaginar que podemos vir a ter um redesenho radical do sector energético na Europa.
De qualquer forma, imagino que haja uma progressão moderada da electrificação na mobilidade. É um tema que terá um caminho de progressão, para ajudar a absorver a sobrecapacidade eléctrica instalada na Península Ibérica. Isso é positivo para Portugal, porque podemos fazer uma parte importante da electricidade com recursos endógenos. Vamos continuar a ter durante a década um mercado bastante conservador em termos de crescimento do consumo de electricidade e de combustíveis. De facto, há uma tendência importante de mecanismos mais sofisticados no domínio da gestão da procura, mais eficiência energética, um comportamento mais proactivo do lado dos consumidores, mais crítico, mais consciente. Vamos ter uma produção grande de auto-consumo.
Uma outra tónica que é importante na perspectiva de Portugal é olhar com outra coerência a vertente das renováveis para fins não eléctricos. Houve um "boom" na última década de olhar para as renováveis a acabar em electricidade, mas houve muito pouco em termos de renováveis para produzir calor, por via do solar térmico, da geotermia, dos biocombustíveis… Seria uma boa notícia para nós dar a esse vector uma outra ênfase. E vai haver muito redesenho na oferta das empresas eléctricas e dos grupos gasistas. Haverá com certeza muito rearranjo a nível institucional das empresas do lado da oferta e também uma evolução sensível ao nível da regulação. A UE tomará muito mais protagonismo do que tem tomado até à data na definição de parâmetros para o sector.
11 Diogo Feio
Deputado do CDS/PP
"Simplificar e estabilizar o sistema fiscal"
Nos próximos dez anos, Portugal precisa de consolidar a sua integração na Zona Euro, no sentido de se tornar uma peça estrutural da área económica. Os efeitos do programa de ajustamento - certamente já cumprido e concluído de forma exemplar -, vão ter ressonância na próxima década. Portugal pode e deve fazer diplomacia europeia com o objectivo de rentabilizar a posição que tão arduamente conquistou junto das instâncias europeias, nestes quase três anos.
A bem da competitividade, Portugal tem de simplificar e estabilizar o seu sistema fiscal, quer ao nível do IRS, quer do IRC, de forma a dinamizar o mercado interno e impulsionar as exportações nacionais. Vejo mesmo a possibilidade de o nosso país se tornar numa plataforma de exportação ao nível europeu, se em termos de produção apostar em áreas onde podemos ter vantagens únicas, como é o caso dos sectores de actividade ligados à agricultura, ao mar e à tecnologia inovadora e diminuir o esforço de investimento em produções que outros países europeus fazem melhor do que nós.
Em termos políticos, os próximos «governos serão fulcrais para a estabilidade económica do país. A meu entender, exigirão consensos cada vez mais alargados entre a estrutura governamental e a oposição: o compromisso terá sempre de ser sobre o país e os portugueses e não sobre os interesses políticos de cada grupo. A bem de Portugal.