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Cimpor: Uma história de milionários e cobiças, até ao sotaque brasileiro

A Cimpor aprovou a saída de bolsa. Mais um passo para mudar aquela que já foi um campeão nacional e estrela bolsista.

Sucesso da OPA pode ditar venda de três fábricas à Teixeira Duarte
24 de Junho de 2017 às 10:00
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Considerada a empresa da década em 1998, a Cimpor é hoje uma empresa muito diferente do que era então.

Chegou a ser a cotada mais internacionalizada da bolsa de Lisboa, chegando a agregar no seu negócio 12 países. Hoje está em oito: Portugal, Brasil, Paraguai, Argentina, Cabo Verde, África do Sul, Moçambique e Egipto. O Brasil é hoje o maior mercado para a cimenteira, depois de ter absorvido os activos brasileiros da InterCement, o seu accionista dominante.

A estratégia de internacionalização da Cimpor começou cedo. Criada em 1976, no rescaldo das nacionalizações de 75, para juntar as várias cimenteiras que tinham nos anos quentes da revolução ido parar às mãos do Estado, a Cimpor voltou a ter capital de privados em 1994. Foi o ano em que entrou em bolsa, e que logo conseguiu um total de 14 mil investidores para o seu capital. Quando chegou à bolsa, nos anos das privatizações em bolsa e que levaram os portugueses a acorrerem a essas operações, a Cimpor já era uma empresa internacional.

Sousa Gomes, o presidente que levou a companhia à bolsa e que estava ao leme da cimenteira, avançara em 1992 para o início do processo de internacionalização, com a aquisição da espanhola Corporación Noroeste, na Galiza. Os anos seguintes prosseguiram nessa caminhada global, até que em 1997 enterrou a bandeira num outro mercado: o Brasil.

O Brasil que é hoje o mercado maior e o que mais dores de cabeça dá à cimenteira, consumindo até os recursos financeiros da empresa. Resultado? A imparidade com este mercado levou ao registo, em 2016, de uma imparidade de 650 milhões, o que conduziu a prejuízos de 788 milhões de euros. Uma empresa que, em 1998, foi considerada a empresa da década pela revista Exame. E que a levava, com orgulho, a comentar: "A Cimpor triunfa. Sousa Gomes orgulha-se do cimento, acredita nas fusões e aquisições e marca a estratégia. Quer duplicar a produção e capitalizar na bolsa."

Entrada em bolsa nos anos de dinamismo
A Cimpor entrou em bolsa em 1994, com a euforia dos programas de privatizações iniciadas em 1989. Entre 1989 e o final de 1994 foram vendidas pelo Estado a totalidade ou parte de 41 empresas, que resultaram num encaixe total nesse período de 4,6 mil milhões de euros, de acordo com o balanço feito no livro "O Processo de Privatizações em Portugal", de Fernando Freire de Sousa e Ricardo Cruz.

O Estado iniciou a venda da sua posição na Cimpor nesse ano, de 1994, com a colocação, em oferta pública de venda, de 20% do capital. A última fase de privatização, em 2001, foi a quarta. No conjunto, o Estado conseguiu um encaixe total de 1,8 mil milhões de euros com as vendas de acções da Cimpor, que se tornou numa das estrelas da bolsa de Lisboa, tendo perdido esse brilho depois de 2012, ano em que a Camargo Corrêa garantiu o controlo da cimenteira nacional.

Na bolsa, perdeu quase todo o brilho, uma empresa que chegou a ter mais de meio milhão de accionistas. O Estado concluiu a venda da sua posição em 2001, com a alienação de 10% à Teixeira Duarte. Mas ficou com uma mão na cimenteira, através da Caixa Geral de Depósitos.

No meio de guerras bancárias
A Caixa Geral de Depósitos foi um dos decisores principais na venda, em 2012, da cimenteira à Camargo Corrêa. Vendeu na OPA lançada por esta empresa, em plena época de intervenção da troika, que impôs ao banco público a venda das participações não financeiras. A Caixa estava no capital da empresa com uma posição de perto de 10%, que tinha assumido com a entrega dessas acções ao banco por parte do empresário Manuel Fino para pagamento de dívidas. Foi o fim da era de Manuel Fino na Cimpor, para a qual tinha entrado, com crédito, e no meio da batalha accionista no BCP. A Cimpor viu-se metida no meio, com Manuel Fino a disputar a liderança de Teixeira Duarte na cimenteira. Os dois estavam em facções opostas no BCP – na luta pelo poder do banco – e ficaram na mesma situação na Cimpor.

Era a altura ideal para outros aproveitarem. E os outros vieram do Brasil. A CSN deu o tiro de partida. Na corrida, juntaram-se a Votorantim e a Camargo Corrêa. Mas esta última saiu vencedora, anos mais tarde, com o apoio do Executivo de Passos Coelho e do seu conselheiro para as privatizações: António Borges. "Pude dizer ao Governo que me parece que a operação é do maior interesse para o país", declarou o economista, entretanto falecido. Em Junho de 2012, a Cimpor passava para as mãos dos brasileiros, que acabaram por trocar activos com a Votorantim, o que resultou numa sociedade com actividade na América Latina, Portugal, Cabo Verde, Moçambique, Egipto e África do Sul. A Cimpor ficou no meio de uma disputa entre grupos, e também jogou no tabuleiro político. Acabou brasileira, em 2012, em mais um negócio de uma empresa portuguesa com o país-irmão.

Queiroz Pereira na jogada
Apesar de ter ido parar a mãos brasileiras, os cimentos foram sempre alvo de atenção e cobiça por parte dos milionários portugueses. António Champalimaud foi um dos principais empresários do betão. Aliás, aos 24 anos foi precisamente para a Empresa de Cimentos de Leiria e a partir daí faria o seu percurso – incluindo com a Cimentos Tejo, com a fábrica de Alhandra –  até ser o principal industrial no Portugal pré-25 de Abril. O filho, Luís Champalimaud, terá sido convidado muitos anos depois (em 2010) para tomar posição na Cimpor, mas, segundo conta o livro "Negócios da China", de Anabela Campos e Isabel Vicente, "encolheu-se, achou que era um negócio demasiado grande e não avançou".

A família Champalimaud não regressou aos cimentos. E, assim, o capital português  nos cimentos estava apenas numa família, que já era concorrente de Champalimaud antes do 25 de Abril. Um dos principais rivais no sector era Manuel Queiroz Pereira, pai de Pedro Queiroz Pereira que tentou, anos depois, várias vezes ficar com a Cimpor, mas nunca com sucesso. Lançou inclusive uma oferta pública de aquisição – ao longo da sua história a Cimpor foi alvo de várias ofertas em bolsa, quase sempre hostis – que o levou a travar um braço-de-ferro com governos, em particular com Pina Moura, ministro do Governo de António Guterres, que a travou.

Queiroz Pereira mantém a concorrente Secil e apoderou-se da Portucel. Mas nunca conseguiu a Cimpor. Perdeu-a para os brasileiros que, agora, a vão retirar de bolsa, numa altura em que o mercado brasileiro está em queda e em que se vêem envolvidos no megaescândalo de corrupção Lava Jato. O Brasil que foi uma das portas de internacionalização é agora uma grande interrogação.


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