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UE não está a salvo de uma nova crise do gás, diz Tribunal de Contas Europeu

"Pode parecer que a crise do gás ficou para trás. Mas a UE ainda enfrenta grandes desafios de segurança no abastecimento de gás. Os preços podem reagir fortemente a diversos acontecimentos mundiais", disse em conferência de imprensa o português João Leão, membro do TCE responsável pela auditoria.

O bloqueio ao gás e ao petróleo russos está a conduzir a uma escalada dos preços da energia.
Denis Sinyakov/Reuters
24 de Junho de 2024 às 16:16
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Num momento em que 80% do abastecimento de gás natural da União Europeia está ainda dependente de importações de países externos ao bloco comunitário - e depois da crise energética sem precendentes que em 2022 afetou a Europa e o mundo após a invasão da Ucrânia pela Rússia - o Tribunal de Contas Europeu (TCE) alerta na sua mais recente auditoria que os 27 continuam a estar "muito expostos" em termos de segurança do seu abastecimento de energia.

"Pode parecer que a crise do gás ficou para trás, mas a UE ainda enfrenta grandes desafios na segurança do abastecimento de gás. Os preços podem reagir fortemente a diversos acontecimentos mundiais, como aconteceu com a greve dos trabalhadores do setor do gás natural liquefeito (GNL) na Austrália ou o fecho do maior campo de gás na Noruega", disse em conferência de imprensa o português João Leão, membro do TCE responsável pela auditoria.

O economista e ex-ministro das Finanças referiu ainda os "novos desafios por causa do aumento da dependência face ao GNL. A exposição da UE às importações de gás continua a ser grande. Os países têm de analisar os riscos à luz desta nova realidade", acrescentou.

Ainda assim, Leão sublinhou que a Europa está hoje muito menos dependente do gás russo, sendo que menos de 15% das importações são provenientes deste país, qiando em 2021 esta percentagem estava nos 45%."E mesmo os países que ainda compram gás à Russía estão hoje mais preparados para futuros impactos", garante. 

Antes do início da guerra, em 2022, o gás representava cerca de um quarto do consumo bruto de energia na UE, registando-se as percentagens mais elevadas em Itália e nos Países Baixos (41% em ambos), em Malta (40%) e na Hungria (34%). Nesse mesmo ano, mais de 20% da eletricidade da União e quase 40% do seu calor foram produzidos a partir de gás. "Dado que o bloco importa mais de três quartos do gás que usa, a segurança do abastecimento é essencial para manter a economia em funcionamento e, assim, garantir a sua prosperidade", refere o TCE.

Quanto ao facto de a UE ter trocado o gás russo que chegava via gasoduto por importações de gás natural liquefeito (GNL) que chegam de várias geografias mundiais, João Leão diz é uma dependência externa "menos arriscada" porque se trata de um mercado mundial com muitos países diferentes envolvidos no mesmo.   

Divulgada esta segunda-feira, a auditoria do TCE conclui, acima de tudo, que a UE "ainda tem grandes desafios a resolver se quiser estar bem preparada para uma nova crise do gás" e aponta para vários novos desafios que Bruxelas tem de resolver para ter um abastecimento de gás seguro a longo prazo. Isto num cenário em que bloco depende agora mais das importações de gás natural liquefeito (GNL) e precisa de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) de parte do seu consumo.

"O abastecimento de gás da UE está hoje seguro? A resposta é não. Continuo a ter receios porque se registam problemas significativos e há desafios importantes que têm de ser abordados para que a UE esteja totalmente preparada para uma possível crise de gás no futuro", disse Leão, acrescentando: "Tendo em conta que a UE depende do gás estrangeiro, nunca pode facilitar no que toca à segurança do abastecimento. Além disso, os consumidores não têm garantias de que, se houver uma falha grave no futuro, os preços serão acessíveis a todos".

Na sua análise, o TCE diz que a UE conseguiu de facto alcançar a meta de redução de 15% na procura de gás, mas "não é possível concluir se o sucesso se deveu só às medidas ou também a fatores externos, como a própria subida dos preços do gás ou um inverno ameno". Além disso, "não é possível avaliar a eficácia do limite de preço decidido pela UE, porque desde a sua introdução os preços mantiveram-se sempre muito abaixo desse valor".

Entre as outras medidas tomadas por Bruxelas para conter a crise energética está também o lançamento da plataforma AggregateEU, que proporciona um canal alternativo para a compra e venda de gás (inclusive através de compras conjuntas). "Também aqui não foi possível ao TCE perceber se a plataforma trazia algo de novo em relação aos sistemas existentes. Quando a AggregateEU entrou em funcionamento, as diferenças nos preços do gás entre os países da UE provocadas pela crise já se tinham reduzido muito", conclui o relatório. 

Em agosto de 2022, os preços grossistas do gás atingiram um pico de 339 euros por nmegawatt-hora (MWh), contra 51 euros por MWh um ano antes. Os países da União Europeia começaram então a subsidiar fortemente os preços do gás e da eletricidade (canalizaram cerca de 390 mil milhões de euros só em 2022) para reduzir o impacto para as famílias e as empresas. No final de 2023, o bloco tinha conseguido diversificar o abastecimento de gás, reduzindo o proveniente da Rússia. Ao mesmo tempo, os preços estabilizaram e, no princípio de 2024, voltaram aos níveis anteriores à crise.

"A crise provocada pela invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, em 2022, foi um teste à capacidade da UE de resistir a uma mudança repentina no abastecimento de gás", lembra João Leão. 

Olhando para o futuro, o TCE aconselha a UE "fortalecer o modo como garante que os preços do gás são acessíveis a todos" e avisa que "muitos países da UE ainda resistem a assinar acordos bilaterais de solidariedade". O regulamento da UE mandatou que os Estados-membros assinassem acordos bilaterais de solidariedade sobre gás, mas apenas 8 dos 40 acordos foram assinados. Pior: alguns países põem até a possibilidade de cortar o abastecimento de gás a um país vizinho em resposta a uma emergência, mostra a auditoria. 

Por último, o TCE critica igualmente a falta de progressos na tecnologia de captura, utilização e armazenamento de CO2, já o que "a necessidade de diminuir as emissões de CO2 do consumo de gás será um elemento cada vez mais importante" e poderá mesmo ser um obstáculo à segurança do abastecimento a longo prazo. Até este momento, são apenas quatro os projetos comerciais desta tecnologia em funcionamento no bloco e têm capacidade para capturar um total de 1,5 milhões de toneladas de CO2 por ano. O que contrasta com 450 milhões de toneladas de CO2 que a UE precisa de capturar por ano até 2050. 

Na sua auditoria, o TCE deixa três recomendações para a Comissão Europeia até 2025: completar o seu quadro de acessibilidade para o gás; rever e melhorar os relatórios dos Estados-Membros sobre a segurança de abastecimento de gás; e aumentar a transparência da informação sobre os projetos de infraestruturas de gás .
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