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XNFY Lab: IA para dar superpoderes ao mundo da moda
E se a próxima peça de roupa que encomendar online ainda não existir? A XNFY Lab usa a inteligência artificial para criar peças únicas, acelerando o processo de criação e apresentação ao cliente final.
Orlando Ribas Fernandes é o responsável pela XNFY Lab, que quer pôr a IA ao serviço da indústria da moda. A inteligência artificial gera novas peças, que podem ser vistas pelos clientes ainda antes de existirem. Além de acelerar o processo de desenvolvimento de coleções, a empresa quer responder também aos desafios da sustentabilidade, através do reaproveitamento de tecidos. A equipa conta ainda com Rui Maranhão e Abubakar Zakari.
Há 15 anos, quando Orlando Ribas Fernandes saiu da faculdade, após um mestrado em inteligência artificial (IA), esta área era vista ainda como algo "muito exótico". "Ninguém falava nem havia procura por especialistas de inteligência artificial", recorda o responsável da XNFY Lab. No fim do percurso universitário, decidido a não enveredar por uma carreira na academia, Ribas Fernandes ingressou na Critical Software, onde trabalhou como engenheiro de software. A progressão na carreira continuou, com passagens por cargos ligados à gestão técnica ou de projeto em diversas empresas. Mas a IA e o mundo da inovação continuaram a ser "uma paixão", confessa. Em 2012, criou a XnFinity, uma empresa dedicada ao desenvolvimento de produtos inteligentes para o retalho, onde juntou a IA e a inovação. O primeiro produto da empresa de Viana do Castelo a chamar a atenção foi o PaperVault, uma plataforma de recibos inteligentes. A partir daí desabrochou uma relação com vários retalhistas - os principais clientes desta solução - e também com uma tecnológica de relevo: a Microsoft.
Mas ainda assim era difícil escalar a solução - pelo menos para ir ao encontro das ambições traçadas. "Durante essa jornada deu para entender que a inovação é algo de que toda a gente fala e que é muito interessante, mas depois é muito difícil fechar negócio, principalmente na área de retalho, onde o ciclo de negócio é bastante longo", explica Orlando Ribas Fernandes.
Com uma relação já cimentada com os retalhistas, a empresa acabaria por firmar uma "visão conjunta com a Microsoft", que resultou na criação de um laboratório "em que facilmente se consiga criar inovação de uma forma mais eficaz e em que se consiga também minimizar o custo e o tempo de inovação". Nascia a XNFY Lab, um laboratório dedicado à inovação no retalho, que recorre à tecnologia Azure da Microsoft.
Anunciado em 2019, este laboratório começou a ser apresentado em eventos do setor, como a National Retail Federation Expo, em Nova Iorque, ou ainda num evento em Dusseldorf, na Alemanha. Até que surgiu uma pandemia que obrigou o mundo a confinar. "Veio a covid-19 e estragou os planos todos", lamenta o CEO, que recorda que "uma série de retalhistas queriam começar a trabalhar" com a empresa. "Com a covid-19 a inovação foi uma das primeiras coisas em que as empresas começaram a cortar e, por isso, todos os projetos que tínhamos ficaram mais ou menos parados."
Mas a empresa não baixou os braços. "Enquanto estava toda a gente aflita por causa da covid-19, por ter as lojas fechadas ou a indústria quase toda parada", a XNFY Lab virou-se para dentro. "Começámos a focar-nos mais em projetos internos e start-ups e fizemos também algumas provas de conceito com retalhistas", onde a empresa se dedicou a perceber padrões de compra ou a estudar o perfil do consumidor. "Essencialmente construímos uma equipa para estar focada nos projetos internos, porque sabíamos que era a única forma de criar inovação em paralelo." Para Ribas Fernandes, a ideia sempre passou por ter uma equipa de investigação e desenvolvimento interna, "que criasse disrupção ativa". No contexto de pandemia, trabalhar à distância, como aconteceu a tantas empresas, não foi propriamente um desafio para a XNFY Lab, mas foi sentida outra mudança. "O impacto foi não poder ir aos clientes, que não estão tão habituados a este tipo de reuniões" à distância.
IA na moda
Foi durante o processo de trabalho interno, já em pandemia, que começou a ser desenvolvida a solução AI for Fashion, que pretende agitar os procedimentos no mundo da moda. Com patente pendente, a empresa trabalhou num modelo de IA que vai aprendendo o que é uma peça de roupa, como um vestido ou umas calças. Através de "deep learning", aplicado para gerar novas imagens, o modelo "vai criando novas imagens e avaliando-se a si próprio, até criar conteúdos únicos", explica Orlando Ribas Fernandes. As imagens não são copiadas, frisa a empresa, mas sim geradas a partir da aprendizagem do modelo. Conforme explica o responsável, trata-se de dar "superpoderes às equipas de design".
Ao mesmo tempo em que o processo de criação das coleções ganha velocidade - o processo atual pode demorar entre seis meses e um ano - também é possível ter em conta fatores como a sustentabilidade, que tem vindo a ganhar cada vez mais destaque na indústria da moda. "Para além da criação de roupas únicas e de daí surgir a coleção para as marcas, queremos ir muito para o ‘upcycling’", a reutilização criativa de tecidos que não foram utilizados ou o reaproveitamento de roupas não vendidas. O desempenho da indústria da moda na área da sustentabilidade levanta preocupações: além das emissões resultantes da produção e transporte, a lavagem, os solventes e as tintas usadas na conceção de novas peças são responsáveis por um quinto da poluição da água a nível industrial.
A empresa aponta para outra mudança no processo da indústria da moda. Com imagens realistas, geradas por IA, "a ideia é começar a vender antes de existir". O CEO explica que tudo passa "por mostrar o conteúdo ao consumidor, através de redes sociais e plataformas de comércio eletrónico, e começar a ter ordens de compra ainda antes de o produto existir", sublinhando que é importante explicar ao cliente que a peça não existe ainda, mas que será produzida. Assim, torna-se possível alinhar a oferta e a procura, com o objetivo de "não produzir a mais". Em suma: tentar minimizar o risco ao máximo para as marcas. Ribas Fernandes acredita que o conceito não será estranho para o consumidor, que não só exige marcas mais sustentáveis, mas que depois de uma pandemia está mais à vontade a comprar online.
Nesta fase, existe interesse nesta solução por parte de mercados como a "Índia, Hong Kong ou os EUA". A empresa pretende trabalhar no desenvolvimento de coleções com marcas de diversas dimensões, sejam emergentes ou do mundo da "fast fashion". A solução também poderá ser usada por quem está a criar a própria marca de roupa, mas que ainda não tem a estrutura necessária, como é o caso dos "influencers" digitais, elucida a XNFY Lab.
No futuro, o que é que a IA ainda pode fazer? Muito, acredita a empresa, mas, por agora, nos próximos passos estão indicações ao cliente final, sobre "como é que a peça criada vai assentar em diferentes tipos de corpo", ou ainda tornar "mais inteligente a parte criativa".