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Privatizações: “Da próxima vez, serão os Jerónimos?”

A pergunta é do constitucionalista Jorge Miranda que moderava um painel de debate sobre o processo de privatizações. A venda de activos não resolverá o problema financeiro nacional e incorpora muitos riscos que precisam de ser debatidos, dizem especialistas.

06 de Dezembro de 2012 às 18:20
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O constitucionalista Jorge Miranda não escondeu a inquietação depois de ouvir os cinco especialistas que moderou num debate sobre privatizações. “Fico com a ideia de que não resolvem o problema financeiro, que há uma grande indefinição jurídica, e não há uma adequada definição de estratégica”, afirmou, acrescentando uma interrogação na sua área de especialização jurídica: “Do ponto de vista jurídico-constitucional pergunto-me: onde ficará a ideia de economia mista” prevista na Constituição? E rematou: “Da próxima vez, serão os Jerónimos?”  

O painel sobre “riscos e desafios” da conferência “as privatizações não se discutem?” organizada pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal na Faculdade de Direito de Lisboa juntou perspectivas muito diferentes sobre o plano de alienação de partes sociais de empresas do Estado. Não houve um consenso entre os especialistas sobre os benefícios e urgência do processo acordado entre governo e troika. Todos apontaram importantes riscos.   

Teodora Cardoso, economista e presidente do Conselho de Finanças Publicas e Rui Leão Martinho, da Ordem dos Economistas apresentaram os argumentos mais favoráveis à venda de activos que, segundo as contas do Executivo, deverá render cerca de 5,5 mil milhões de euros com a venda da EDP, REN, TAP, ANA, CTT, CGD Seguros entre outras.  

No entender da economista “as privatizações podem ser benéficas para a economia através da redução do “stock” de dívida pública e pelo aumento da eficiência da economia”, afirmou, lembrando a difícil situação financeira nacional: “neste momento não podemos ser esquisitos: tudo o que der para reduzir o stock da dívida é bom”.

Os benefícios não são contudo automáticos, avisou Teodora Cardoso. Na verdade, lembrou, a experiência do passado não é animadora, frisando a importância de melhorar a qualidade da Administração Pública, quer na área da regulação da economia, quer na gestão financeira do Estado. “A simples privatização leva-nos de novo à experiência do anos 90 em que privatiza-se, baixa-se a dívida [por um curto período de tempo], mas não acontece mais nada”, alertou.

A importância da melhor regulação foi também defendida por Rui Leão Martinho:  “Precisamos de dar à regulação e à supervisão poderes adicionais e independência e autonomia adicionais”, defendeu, apoiando em geral a ideia de que as empresas privatizadas poderão registar ganhos de eficiência.

O bastonário da Ordem dos Economistas, que faz um balanço positivo das privatizações do passado, também vê riscos no actual processo, entre os quais destacou a venda a preços baixos de mercado. Ainda assim, considera que não há margem de manobra.

Privatizações valem menos de 2% do stock de dívida

As ideias de que as privatizações são importantes para o controlo da dívida pública e de que a regulação poderá resolver os riscos que nascem da entrega de sectores estratégicos ao sector privado foi contestada em toda a linha por José Maria Castro Caldas, economista do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Na frente financeira, o investigador destaca que o encaixe com privatizações corresponde a menos de 2% do stock da dívida pública: “como é menos de 2% do stock de dívida pode ser tão, tão importante” para o Governo e para a troika questionou.

Por outro lado, o economista evidenciou a sua grande desconfiança sobre a capacidade da regulação funcionar, exemplificando com as recentes falhas no sector bancário que conduziram à actual crise ou com as rendas excessivas em sectores protegidos que permaneceram durante anos em Portugal.

“As privatizações deveriam ser suspensas para serem no mínimo discutidas”, defendeu.

O programa de privatizações também mereceu comentários cépticos de Carlos Costa Pina, o secretário de Estado do Tesouro do governo de José Sócrates que acordou a primeira versão do programa de ajustamento com a troika, e que já previa um conjunto alargado de privatizações.

“Não creio que se possa dizer que estamos perante um sector empresarial do Estado [SEE] sobredimensionado” afirmou, vincando que o SEE pesa cerca de 3,5% no PIB. E acrescentou ainda: “Não partilho do preconceito de que só pode haver eficiência de gestão no sector privado. Não tem que ser necessariamente assim”.

O ex-responsável pelo Tesouro nacional alinhou também com Castro Caldas no pouco impacto que o encaixe com as privatizações terá nas contas públicas, lamentando o que descreveu como falta de visão estratégica do Governo para a competitividade da economia.

Sérgio Gonçalves do Cabo trouxe para o debate a dimensão jurídica da alienação das empresas públicas, evidenciando os riscos da opção do Governo – aplicada em todas as privatizações - de vendas directas a accionistas de referência. Para o advogado ganha-se em capacidade de encontrar parceiros estratégicos, perde-se em transparência.

“A desvantagem é o problema da transparência e o tipo de informação utilizada” pelas várias partes, lembrando o papel central dos bancos de investimento. “O aspecto positivo é o de aumentar a capacidade de encontrar um parceiro estratégico”.

O jurista evidenciou ainda o facto de esta vaga de privatizações incluírem empresas de água, energia e infraestruturas torna ainda mais urgente a melhoria do sistema de regulação em Portugal.

Estamos a observar “a passagem do Estado empreendedor para o Estado regulador” e por isso “vamos ter necessidade uma regulação muito mais exigente e, provavelmente, muito mais independente”, defendeu.

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