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Pós-revolução não foi "perfumado" para fábrica de sabonetes Ach Brito
A história da Ach Brito antes e depois da Revolução. E os dias em que os trabalhadores queriam mais.
Uma viagem no tempo sustentada em fragâncias e memórias é o que se sente ao entrar na fábrica de sabonetes Ach Brito, onde cada recanto vive a história de uma empresa centenária que tenta lançar-se no futuro recuperando o passado.
No entanto, nem sempre o passado tratou bem a empresa fundada em 1918 pelo portuense Achiles de Brito e que foi passando de geração em geração, até chegar, nos dias de hoje, ao bisneto Aquiles de Brito, num percurso com altos e baixos, também ao sabor dos acontecimentos históricos.
Assim aconteceu no 25 de Abril de 1974, quando o país se foi transformando e adaptando a uma nova realidade que em vários aspectos foram avessos ao modelo de negócio da Ach Brito, precipitando uma série de contrariedades que quase levaram à extinção da empresa.
"Uma grande parte do nosso volume de vendas, nessa altura, era destinada às colónias de África e com as transformações do país perdemos todo esse mercado, forçando a empresa reestruturar-se rapidamente para uma nova realidade que não tinha sido pensada", recordou à Lusa o agora proprietário Aquiles Brito.
O empresário, de 42 anos, que curiosamente nasceu num dia 25 de Abril mas dois anos antes da revolução, tem memórias vagas desse período, mas partilhou alguns relatos transmitidos pelo avô Achiles de Brito, por quem nutre enorme admiração por ter segurado o negócio de família "em tempos que foram complicados".
"Tenho ideia de que nos anos a seguir à revolução houve, inclusive, tentativas, por parte de colaboradores, de tomarem conta da empresa. O meu avô era uma pessoa muito respeitada e conseguiu travar essa situação, mas assustou-se e desmotivou-se, e não conseguiu adaptar a empresa aos novos desafios", relatou.
Armando Pimenta, funcionário da Ach Brito durante 41 anos, agora reformado, viveu na empresa as transformações do 25 de Abril e lembra que, após os festejos iniciais da revolução, houve acontecimentos, nos anos seguintes, que condicionaram o desenvolvimento da firma.
"No 25 de Abril todos festejámos a revolução, lembro-me de que se brindou com champanhe, mas nos anos seguintes houve algumas situações que deixaram o Sr. Achiles de Brito muito em baixo", começou por contar o antigo funcionário.
"No primeiro ano não houve modificações, mas em 1975 houve uma greve geral dos trabalhadores, com ameaças à entidade patronal. Lembro-me de que não deixaram entrar ninguém na fábrica, nem os donos, e isso foi um grande vexame para sr. Achiles, que ficou muito sentido e desanimado", recordou
Apesar de mais alguns incidentes nos anos pós-revolução, a empresa, que chegou a empregar 400 pessoas, continuou a laborar, e Achiles de Brito foi respondendo afirmativamente às exigências salariais dos trabalhados e tentando recuperar, embora com parca modernização e ajustamento aos mercados perdidos.
No final dos anos 1980 e 90, o ponto de ruptura esteve iminente, num destino invertido pelos netos Aquiles e Sónia, que assumiram a empresa em 1994, mudando-a, mais tarde, do Porto para Vila do Conde e travando, com novas ideias, a espiral negativa.
"Em 2005 conseguimos o ponto de viragem da empresa, consolidando a Ach Brito económica e financeiramente. Hoje vendemos para 48 países, adquirimos a marca Confiança de Braga [fundada em 1894] e fazemos da história e do nosso pedigree os maiores trunfos", contou Aquiles de Brito.
"Fomos ao nosso acervo histórico recuperar embalagens e designs antigos que adaptámos aos nossos produtos com mais 100 anos de tradição, mas melhorados com novos ingredientes que a ciência permite, vincando a força das nossas marcas", completou.
A fórmula tem sido de sucesso, e, recentemente, os sabonetes da Ach Brito correram o mundo, quando a apresentadora americana Oprah Wifrey os mostrou no seu programa de televisão, visto por milhões de pessoas, referindo "são sabonetes feitos em Portugal há mais de 117 anos".