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Concorrência multa seis supermercados e dois fornecedores de bebidas em 304 milhões de euros

Cadeias são acusadas de alinhamento dos preços de venda ao público, em prejuízo dos consumidores. A maior coima foi imposta ao Modelo Continente, condenado a pagar 121,9 milhões de euros. Empresas podem recorrer.

Pedro Catarino
21 de Dezembro de 2020 às 17:26
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É uma multa sem precedentes no setor do retalho em Portugal. A Autoridade da Concorrência (AdC) impôs coimas no valor de 304 milhões de euros a seis cadeias de supermercados, dois fornecedores de bebidas e dois responsáveis individuais. Em causa estão crimes de concertação indireta dos preços ao consumidor.

 

A condenação emitida esta segunda-feira, referente a uma nota de ilicitude adotada em março de 2019, divide-se em duas decisões. A primeira inclui os supermercados Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché, e o fornecedor Sociedade Central de Cervejas (SCC). Nesta acusação está ainda incluído um administrador da SCC e um diretor de unidade de negócio da Modelo Continente.

 

Neste caso, o alinhamento de preços terá vigorado entre 2008 e 2017 e incluiu produtos "como as cervejas Sagres e Heineken, mas também Bandida do Pomar e Água do Luso, incluindo para os fazer subir de forma gradual e progressiva no mercado retalhista".

 

A segunda decisão refere-se aos mesmos supermercados (Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché), aos quais acrescem o Lidl e a Cooplecnorte (responsável pelo E.Leclerc). Aqui, a fornecedora visada é a Primedrinks. Terão sido fixados preços de produtos "como os vinhos do produtor Esporão e Aveleda, os whiskies The Famous Grouse ou Grant´s, o gin Hendrick’s ou ainda o vodka Stolichnaya".

 

A prática durou mais de dez anos, entre 2007 e 2017, "e tinha igualmente em vista a subida, gradual e progressiva, dos preços no mercado retalhista", conclui a investigação da AdC.

 

Nas buscas efetuadas nas empresas visadas, a AdC conseguiu encontrar trocas de emails que evidenciam a prática de alinhamento de preços. As trocas de emails revelam ainda que as empresas tinham consciência da prática ilícita, além de que "monitorizavam as lojas que se afastavam da prática, pressionando para que todos praticassem o mesmo preço".

 

Modelo Continente condenado a 121,9 milhões

 

A maior fatia das coimas cabe ao Modelo Continente, que terá de pagar 121,9 milhões de euros. Segue-se o Pingo Doce, condenado a 91 milhões de euros. A Auchan foi multada em 22 milhões, e o Intermarché foi condenado a pagar mais de 19 milhões de milhões.

 

Segundo a AdC, estas são "coimas únicas de concurso", aplicadas em cúmulo jurídico, porque as empresas "tinham já sido condenadas na primeira decisão".

 

Foi ainda condenado o Lidl, a uma coima de 10,5 milhões de euros, e o E.Leclerc a dois milhões de euros. Entre os fornecedores, a multa mais pesada foi atribuída à Sociedade Central de Cervejas (SCC), no valor de 29,5 milhões de euros, enquanto a Primedrinks, foi condenada a pagar sete milhões de euros. Entre os visados surge ainda um Administrador da SCC, multado em 16 mil euros, e um Diretor da Modelo Continente, condenado a dois mil euros.

 

As multas são suscetíveis de recurso, sendo que este "não suspende a execução das coimas". A AdC explica que "as empresas podem requerer ao Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão que suspenda a execução das decisões se demonstrarem que esta lhes causa prejuízo considerável e prestarem efetiva caução em sua substituição".

 

Os valores são determinados "pelo volume de vendas das empresas visadas nos mercados afetados, nos anos da prática, sendo que não podem ultrapassar 10% do volume de negócios da empresa no ano anterior à decisão.

 

A AdC sublinha que "impôs a imediata cessação da prática, por não ser possível excluir que os comportamentos investigados estejam ainda em curso".

 

Estas são as primeiras condenações adotadas em Portugal referentes a práticas de fixação indireta de preços no retalho. As investigações começaram em 2017 "e visam grupos que representam grande parte do mercado da grande distribuição a retalho, afetando assim, a generalidade da população portuguesa", ressalva a AdC.

 

Neste caso, as notas de ilicitude foram adotadas em março de 2019, "tendo sido dada a oportunidade aos visados de exercerem o seu direito de audição e defesa, que foi devidamente apreciado e considerado na decisão final".

 

A AdC revela ainda que na fase de instrução, foram efetuadas "diligências complementares de prova requeridas pelas empresas visadas, cujos resultados foram igualmente considerados na decisão final".

 

 

Como funcionava o alinhamento de preços

 

A prática em causa chama-se hub and spoke, e é classificada pela AdC como "muito grave", por lesar os consumidores, "ao privá-los da escolha pelo melhor preço".

 

Neste tipo de conluio, a comunicação entre os supermercados é feita de forma indireta, através do fornecedor comum, que atua como intermediário. "Trata-se de uma prática em que os distribuidores recorrem aos contactos que têm com o fornecedor comum para assegurar, através deste, que todos praticam o mesmo preço de venda ao público (PVP), garantindo uma subida generalizada dos PVP e evitando os contactos diretos entre si, como acontece habitualmente num cartel", explica a entidade liderada por Margarida Matos Rosa.

 

"Através do recurso a um fornecedor comum as empresas participantes asseguravam o alinhamento dos seus preços de venda ao público, assim restringindo a concorrência pelo preço entre supermercados e privando os consumidores de preços diferenciados", salienta a AdC.

 

Neste tipo de prática, "todos os envolvidos beneficiam com o alinhamento e os aumentos dos preços concertados. Só os consumidores são prejudicados".

 

A Concorrência adianta que as condenações podem não ficar por aqui, porque as investigações no setor da grande distribuição prosseguem. "A AdC realizou durante o ano de 2017 buscas em instalações de 44 entidades, tendo os resultados sido incorporados em 16 processos contraordenacionais, mais de uma dezena dos quais neste setor".

 

Até agora, as investigações resultaram em sete acusações. Além das cadeias de supermercados e dos fornecedores de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, já foram notificadas empresas dos setores do pão e bolos embalados e, mais recentemente, de produtos de higiene pessoal, beleza e cosmética.

 

Em junho de 2020, a AdC acusou a Modelo Continente, Pingo Doce e Auchan de utilizarem o relacionamento comercial com a Bimbo Donuts para alinharem os preços de venda ao público. 


Em julho, foi emitida uma nova acusação, também contra a Modelo Continente, Pingo Doce e Auchan, e os fornecedores Sumol+Compal e Sogrape. Essa acusação visava também o Lidl, no caso das bebidas não-alcoólicas e sumos, bem como o Intermarché e E.Leclerc, no caso das bebidas alcoólicas. Além das empresas, esta acusação visava, individualmente, dois administradores e um diretor da Sumol+Compal e da Sogrape, bem como um diretor de um dos distribuidores.

 

Em novembro, a AdC acusou a Modelo Continente, a Pingo Doce e a Auchan de concertarem os preços praticados ao consumidor nos supermercados com o fornecedor de bebidas alcoólicas Active Brands. 

 

E já em dezembro as visadas foram a Modelo Continente, Pingo Doce e Auchan, bem como o fornecedor de produtos de cosmética e higiene pessoal Beiersdorf.

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