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Em quantos metros quadrados comerciais se mede uma democracia?

Passam esta quinta-feira, 10 de Dezembro, 30 anos sobre a inauguração do primeiro hipermercado em Portugal. A primeira grande superfície comercial, da Sonae, tinha 6.500 metros quadrados. Hoje, o sector da distribuição supera os 4 milhões de m2.

10 de Dezembro de 2015 às 00:01
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Num ponto, Paulo Veiga e José António Rousseau concordam. O director de marketing e o antigo secretário-geral da APED (Associação Portuguesa de empresas de Distribuição) qualificam o aparecimento do primeiro hipermercado em Portugal, a grande superfície comercial que a Sonae abriu a 10 de Dezembro de 1985 , como a "democratização do consumo" do país.

Onze anos depois do 25 de Abril, seis meses depois de Portugal subscrever o Tratado de Adesão à Comunidade Económica Europeia e 15 dias antes do Natal, abriu a primeira grande superfície comercial em Portugal com características de hipermercado: 6.500 metros quadrados, 48 caixas de pagamento, 330 colaboradores e um sortido que ia dos frescos à mercearia, passando por televisores, bicicletas e vestuário. A Sonae (76%) e os franceses da Promodés (24%) eram os promotores. O investimento "na época", foi "de um milhão de contos", segundo Paulo Veiga.

O  director de marketing da Sonae MC recorda os tempos de romaria nos primeiros dias do "Gigantão Baratão" de Matosinhos e qualifica-o, em 1985, como "Taj Mahal do consumo".  Trinta anos depois, a Sonae, líder do sector no mercado português, tem 219 unidades, das quais 40 hipermercados Continente, - cujo maior, do Colombo, " tem mais de 17.000 m2".  Emprega, só na distribuição, perto de 24.000 pessoas, segundo o gestor.

Ousadia arriscada

Com a inflação de dois dígitos, uma democracia pré-adolescente, uma segunda intervenção externa com menos de dois anos e uma vontade de "querer ver Portugal na CEE", o país ainda era visto com reticências pelos investidores, sobretudo estrangeiros. "A Sonae quis introduzir uma inovação no mercado português, através do conceito de hipermercado, que não existia em Portugal, mas já havia em França e Espanha". "Convenceu a Promodés, que na altura era o segundo ou terceiro maior operador francês, e que tinha a marca Continent, a fazer uma joint-venture. E formaram a Modelo Continente Hipermercados", recorda José António Rousseau, na altura secretário-geral da primeira Associação Nacional de Supermercados. 

"A situação não era conjuntural e economicamente a melhor e foi, de facto, um risco, foi uma ousadia tremenda do grupo Sonae abrir uma loja que, para os padrões da época, era disruptiva", qualifica o especialista, criador do Forum do Consumo. "Até porque", adianta, "a Promodés, na altura, não quis arriscar" sozinha no mercado português.

Havia, contudo, quem já tivesse arriscado anos antes, em unidades mais pequenas, explica Rousseau, que atribui ao supermercado que o Pão de Açúcar (hoje da Auchan Portugal) abriu em 1970, na Av. dos EUA, em Lisboa o ponto "retalho 1.0".

Um metro quadrado por habitante

Pelas contas de João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio, a liberalização do licenciamento comercial, em duas vagas (2004 e 2007) levou a um "desenvolvimento maciço", até chegar aos 4 milhões de m2 de grandes superfícies. "Se somarmos isso aos 3,5 milhões de m2 de centros comerciais" e pensarmos "que houve mais dois ou três milhões de m2 aprovados, que só a crise parou" – a conta dava "quase um m2 por habitante" – o que é "completamente desproporcionado em relação ao nosso poder de compra", remata. 

Paulo, António, Jorge, João e Alfredo estiveram todos presentes na abertura oficial ou nas semanas seguintes à abertura da primeira grande superfície comercial do país, o hipermercado da Sonae em Matosinhos, a 10 de Dezembro de 1985.

 

Paulo Veiga, hoje director de marketing da Sonae MC (área de distribuição alimentar da Sonae SGPS) tinha 13 anos a 10 de Dezembro. Não foi no primeiro dia, mas não tardou muito a lá ir. "Foi engraçado. Os meus pais moravam numa rua relativamente próximo daqui [os escritórios onde trabalha hoje são ao lado do hipermercado inaugurado há 30 anos] e recordo-me, logo a seguir à abertura, que convenci os meus pais a inscreverem-se no videoclube que era dentro do hipermercado. Que era uma novidade, havia poucos [na altura]. Recordo-me vir de bicicleta para alugar os vídeos. Possivelmente um Indiana Jones ou um Star Wars".

 

José António Rousseau tinha 28 anos quando foi à abertura do hipermercado de um dos associados fundadores da ANS – Associação Nacional de Supermercados, da qual foi o primeiro secretário-geral. Foi igualmente secretário-geral da APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (que reúne os principais grupos de distribuição em Portugal) até 2011, e é professor universitário e autor de vários livros sobre o sector, como o "Manual de Distribuição". "Era, na altura, director da [revista] Distribuição Hoje, que tinha fundado. Na altura escrevi um editorial a que chamei a ‘descoberta do fogo’: Portugal encontrava-se na área da distribuição na idade da pedra, e, com a inauguração do Continente de Matosinhos, isso correspondia à descoberta do fogo para a distribuição portuguesa. Foi o meu editorial desse mês".

 

Jorge Pinto era, a 10 de Dezembro de 1985, líder do antigo sindicato dos trabalhadores de escritório do Porto, que mais tarde deu origem ao CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, onde hoje ainda se mantém como dirigente naquela cidade. Tinha 37 anos. "Fui lá no início. Aquilo era uma novidade no país". "Nos primeiros seis meses, era muito complicado ir lá porque vinham excursões do Douro, Trás-os-Montes, sei lá, de todos os sítios. Toda a gente vinha ver o hipermercado – o que é que era o hipermercado. E aquilo era giríssimo". Mas, "nos primeiros tempos, evitava muito lá ir. Que eu não me dou com grandes multidões. Sou um consumidor de proximidade".

 

João Vieira Lopes, actual presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), era em 1985 director comercial da norte-americana Nabisco (na altura com marcas como Royal, Artiach, Chicletes Adams) em Portugal. Tinha 38 anos. "Fui à inauguração, como fornecedor". O primeiro hipermercado em Portugal colocou-lhe um desafio profissional. "Houve uma situação curiosa: a compra inicial, para a inauguração, foi tão grande que o director financeiro [da Nabisco] não queria autorizar uma encomenda tão grande a crédito. E queria que pagassem a pronto. E foi preciso pedir a autorização à direcção europeia [do grupo norte-americano] para fazer uma venda a crédito. Em Portugal, as estruturas das empresas não estavam habituadas ao nível de compra".

 

Alfredo Rente, dono e presidente da Opal Publicidade desde 1978, tinha 41 anos quando o Continente de Matosinhos abriu. "Fui lá, comprei, toda a gente comprou, porque era novidade, a forma dos produtos estarem expostos, tão bonitinhos, era muito mais apetecível". Mas "ia ao hipermercado de Matosinhos, muitas vezes, profissionalmente", até porque a Opal acabou por colaborar alguns anos com a distribuição da Sonae, para quem chegou a fazer uma campanha publicitária.

 

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