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O que quer o BCP com a assembleia-geral de 5 de Novembro?
O BCP está a preparar um caminho: para voltar a pagar dividendos aos accionistas e também para poder compensar os trabalhadores. Contudo, ainda falta autorização do BCE. E pelo menos mais uma assembleia-geral. E ainda não há certezas de que aconteça já no próximo ano.
Miguel Maya herdou duas tarefas de Nuno Amado na presidência executiva do Banco Comercial Português, que afirmou querer concretizar no prazo mais breve possível, mas de forma responsável: distribuir dividendos aos accionistas (a Sonangol até já os pediu publicamente); e compensar os trabalhadores pelos cortes salariais que sofreram entre 2014 e 2017. O caminho foi aberto esta sexta-feira, 12 de Outubro, com a marcação de uma assembleia-geral. Só que é apenas isso: um pontapé de saída.
São dois os pontos na ordem de trabalhos da reunião magna de accionistas: um primeiro é que seja da assembleia-geral a decisão final no que diz respeito à distribuição de lucros, independentemente da política de dividendos em cima da mesa; e a redução do capital social para que possa ter uma situação líquida que permita a distribuição de resultados.
Na convocatória e nas propostas publicadas no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o conselho de administração do BCP, com assinatura de Nuno Amado e Miguel Maya, presidente e vice-presidente, respectivamente, explica as razões para a redução de capital:
O pagamento de dividendos só pode ser feito com a situação líquida a exceder em 20% o capital social. Ou seja, o BCP ficará com essa possibilidade com a diminuição em 876 milhões de euros do seu capital social, como propõe a instituição financeira aos seus accionistas.
A assembleia-geral, de 5 de Novembro, decidirá apenas essa reformulação das rubricas do capital do BCP. Nada ficará decidido aí no que diz respeito à efectiva distribuição nem de dividendos nem de devolução de salários retidos.
Primeiro, porque a redução de capital só ocorrerá depois da autorização do Banco Central Europeu (BCE). E depois porque tanto os dividendos como a distribuição de resultados pelos trabalhadores têm de ser deliberados noutras assembleias-gerais.
Dividendos em 2019?
Miguel Maya não tem dado garantias de que consiga fazer o pagamento de dividendos no próximo ano, com base nos resultados de 2018. O banco já assumiu que era essa a sua intenção, tendo havido a indicação de que pretendia pagar 40% dos lucros.
Dividendos em 2019? "Seria muito bom", afirmou o presidente da Sonangol, Carlos Saturnino, em Maio, quando Maya foi eleito presidente executivo. "Todos os accionistas, não só o Sonangol, incluindo minoritários, querem é que haja dividendos", continuou. "É normal. Os accionistas querem mais. É perfeitamente normal", respondeu, então, Maio. A petrolífera angolana tem 19,5% do BCP, abaixo da posição de 27% da chinesa Fosun.
Desde 2010 que os accionistas do BCP não recebem dividendos enquanto tal. Para haver, é necessário uma proposta que seja sujeita a assembleia-geral. Que não é esta de 5 de Novembro.
"Começar" a compensar trabalhadores
Mas, como o Negócios escreveu em Maio, o banco, sem a ajuda estatal, ficou entre os desejos dos accionistas e as aspirações dos trabalhadores. E a assembleia-geral de 5 de Novembro também ajuda a cumprir esta última parte.
Miguel Maya já afirmou que pretende compensar os trabalhadores pela redução salarial entre 3% e 11% que esteve em vigor nos salários acima dos 1.000 euros brutos mensais. Já não há cortes, mas o valor cortado entre 2014 e 2017 será reembolsado, como tem admitido o banco.
Em Julho, afirmou que esse compromisso – assumido por Amado enquanto CEO e por Maya já reiterado – é de "devolver de forma adequada e progressiva o que colaboradores deixaram de receber por terem os salários" cortados. O CEO espera que, "o mais cedo possível", possa "começar" a fazer esse pagamento.
Não se sabe de que forma – e em que dimensão e em que calendário – poderá haver a compensação aos trabalhadores dos cortes salariais sofridos devido à injecção de 3.000 milhões de euros estatais. O que se sabe é que o valor retido ao longo destes anos "não andará longe dos 30 milhões". E a compensação é por resultados distribuíveis. E a alteração a decidir pelos accionistas a 5 de Novembro cria condições para a sua existência.
Só que uma efectiva decisão de distribuição carece também de uma decisão de outra assembleia-geral.
Ou seja, o pontapé de saída está dado, mas ainda há um meio-campo para o banco percorrer para o cumprimento dos dois objectivos.
Os pontos em discussão
A assembleia-geral de 5 de Novembro tem dois pontos na ordem de trabalhos:
Ponto 1) Há um regulamento da União Europeia que determina que a decisão de distribuição de remunerações dos instrumentos que integram o nível de Common Equity Tier 1 (como as acções) não pode ter nenhuma limitação estatutária.
O Banco de Portugal quer assegurar-se de que todos os bancos têm os estatutos adequados a essa discricionariedade, mas, ainda sem garantia do supervisor de que está nessa situação, o BCP decidiu precaver-se a propor que se altere o artigo 54.º dos seus estatutos:
"A assembleia-geral delibera livremente por maioria simples em matéria de distribuição dos lucros do exercício, sem sujeição a qualquer distribuição obrigatória, tendo presente a política de dividendos que em cada momento estiver em vigor, a qual não afecta a plena liberdade de decisão da assembleia-geral".
Esta é a frase proposta. A novidade é a inscrição de palavras após a última vírgula.
Ponto 2) É o ponto que propõe a decisão de redução de capital social (sem alteração do número de acções e e sem modificação da situação líquida). O que o banco propõe é que 876 milhões de euros de redução do capital social, de forma a que a situação líquida fique a exceder o novo capital social em 20%. Este é o princípio exigido para poder haver distribuição de dividendos. A decisão, se positiva, ficará "sujeita à condição suspensiva" da luz verde do Banco Central Europeu (BCE).