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Fernando Negrão: "As elites viviam todas acima das suas possibilidades"
O BES é o espelho de um País que viveu de dívida e acima das possibilidades, particularmente entre as elites que cavaram desigualdades que estão entre as mais elevadas da União Europeia. Numa entrevista ao Diário Económico, o presidente da comissão de inquérito à gestão do BES e do GES diz que será importante ouvir novamente Carlos Costa e Ricardo Salgado.
O presidente da comissão de inquérito considera que o BES é o espelho de um País que viveu de dívida e acima das possibilidades, particularmente entre as elites, diz numa entrevista ao Diário Económico, na qual considera que as responsabilidades pessoais são relevantes apenas quando a análise entra no campo da minúcia. Fernando Negrão revela que Carlos Costa ainda tem de explicar porque deixou Ricardo Salgado no BES tanto tempo, e que o ex-banqueiro continua a ligar para saber quando pode voltar ao palco parlamentar.
"Direi que o BES não é mais que a demonstração da situação que o país viveu até 2011, altura em que se percebeu e se pediu ajuda externa para ter dinheiro para pagar os compromissos internos. Nessa medida o BES é a face visível da situação do país. O seu funcionamento assentava igualmente na dívida", afirmou na entrevista ao Diário Económico publicada esta segunda-feira, dia 9 de Março.
Quando questionado sobre se essa não é uma visão benevolente sobre o papel da administração do BES, recusa essa leitura: "Não é a visão benevolente, é a visão sistémica", riposta, considerando que apenas "se quisermos entrar na minúcia da questão" é que concluiremos que "obviamente que há responsabilidades dos órgãos estatutários do banco e das personalidades que ocupavam os lugares".
Para Fernando Negrão, "a queda do BES marca uma época no nosso país e isso é muito importante", uma época de um país endividado "que vivia acima das suas possibilidades" alimentando desigualdades sociais que favoreciam as elites: "Não é por acaso que temos desigualdades sociais em Portugal. O fosso entre ricos e pobres é muito superior em Portugal do que na maioria dos países da União Europeia, porque as elites viviam todas acima das suas possibilidades".
Num balanço à primeira volta de audições da comissão de inquérito, o seu presidente lamenta as mentiras e as dificuldades em obter informação, e tem o cuidado de não antecipar conclusões que terão de ficar guardadas para o relatório final da Comissão. Diz ainda que do Parlamento para o Ministério Público não seguiu ainda qualquer documento: "Na parte final remeteremos para o Ministério Público todo o relatório e toda a documentação que o Ministério Público entender se importante", afirma, já depois de lamentar as "pequenas, médias ou
grandes mentiras" dos que foram chamados à Comissão, e a dificuldade na obtenção de informação e documentos de consultores, CMVM e Banco de Portugal.
Zeinal Bava, ex-CEO da PT, a empresa que investiu e deverá perder quase mil milhões de euros no BES, é identificado como um dos que faltou à verdade de forma mais evidente. "Avalio negativamente" a sua prestação na comissão de inquérito, responde, justificando: "Nem sequer consigo perceber, do ponto de vista pessoal, porquê aquele tipo de atitude, aquele demostrar de ignorância de quem sabemos não ignorar. Aquele demonstrar de quem não conhece, aquilo que sabemos que ele conhece bem".
Carlos Costa tem explicações a dar, Salgado quer voltar ao palco
Na antecipação da segunda volta de audições, Fernando Negrão diz que Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal tem explicar porque deixou Ricardo Salgado e a sua equipa tanto tempo à frente do banco depois de ter identificado problemas e ter procurado isolar o BES do resto do grupo no final de 2013 (uma estratégia conhecida por "ring-fencing"). Revela ainda que Ricardo Salgado continua a ligar para saber quando pode voltar à Comissão.
"Agora precisamos de ouvir outra vez o governador do Banco de Portugal para nos explicar, por exemplo, porque é que manteve as mesmas pessoas que estavam antes e depois do ‘ringfencing’", antecipa Fernando Negrão que mais à frente revela os contactos que mantém com o ex-CEo do BES: "Ainda hoje Ricardo Salgado liga-me, de vez em quando, perguntando-me por exemplo quando será ouvido de novo. Manifestando a sua vontade de voltar à comissão, insistindo quando é que isso acontecerá".
Para Negrão "a comissão, para algumas destas personalidades, serve de ensaio à estratégia judicial que usarão nos tribunais. Estamos a falar de pessoas já com idades avançadas que já não retomarão a vida profissional. E neste momento a sua única preocupação são os processos judiciais", afirmou sem concretizar se é o caso de Ricardo Salgado, que deverá ser chamado segunda vez ao Parlamento, pelo menos para dar informação que possa ser importante para questionar o governador do banco central.