Notícia
2008: Lehman Brothers, o maior estouro da História
Depois de vários sustos, coube ao gigante Lehman protagonizar a maior falência de todos os tempos. Ofensiva da regulação financeira acabou por ser diluída ao longo do tempo.
A frase diz quase tudo: "Se você tem pulsação, nós damos-lhe crédito". A afirmação é de um funcionário da Countrywide Financial e explica as origens da crise do 'subprime'. Milhões de créditos para comprar casa dados a pessoas sem capacidade para a pagar, com mau historial de crédito, sem rendimentos suficientes.
Se este início era mau, pior ficou quando Wall Street se interessou a sério por estes créditos, e os começou a comprar e a revender, em grandes lotes de créditos garantidos pelas habitações ou misturados com outros produtos, sobre os quais ninguém fazia perguntas. Se a ideia desta prática era reduzir o risco, o efeito foi o contrário, contaminando carteiras em todo o mundo com activos de má qualidade e avaliados como se tivessem valor e pouco risco.
O grande símbolo do estouro foi, necessariamente, o Lehman Brothers. A sua falência, em Setembro de 2008, foi a maior da história, levando ao charco uma empresa com activos acima dos 600 mil milhões de dólares.
O Lehman foi o banco de investimento que mais apostou nesse segmento, mas à medida que estes negócios cresciam o mesmo não acontecia com a sua base de capital, manifestamente insuficiente para a dimensão que a instituição, fundada em 1850, ia ganhando.
Com o rebentar da enorme bolha do imobiliário - que antes do Lehman fez várias vítimas, entre elas o Bear Stearns , que deixou de viver autonomamente - a queda foi inevitável, até porque os esforços de última hora das autoridades para arranjar um investidor acabaram por não funcionar.
"A falência da Lehman foi o culminar de um conjunto de circunstâncias que se acumularam ao longo de vários anos e cujas consequências eram visíveis desde a primeira metade de 2017 (apesar de, em Outubro desse ano muitos considerarem que o pior já tinha passado…)", diz ao Negócios Carlos Tavares, ex-presidente da CMVM.
A destruição de capital foi brutal, sobretudo nos EUA mas não só. A liquidez secou dos mercados, desconfiados de qualquer contraparte privada, por mais segura que parecesse. Os efeitos da crise financeira foram-se espalhando, evoluindo para uma crise económica cujos ecos se fazem ouvir até hoje.
Lições aprendidas?
A reacção ao choque foi imediata no tom mas difusa no tempo. Perante as lições desses fatídicos anos de 2007 e 2008, estabeleceu-se um consenso de que era preciso rever a regulação e limitar a existência de instituições "too big to fail", aquelas que pela sua dimensão e carácter sistémico provocariam um gigantesco efeito-dominó em caso de dificuldades.
Como lembra Carlos Tavares, "ao longo de 2009 e 2010 foram frequentes as declarações dos mais altos responsáveis de que os bancos deveriam ser mais pequenos e mais simples; que era necessário desalavancar as economias; que os mercados organizados deviam ser mais transparentes e ser o lugar privilegiado para as transacções de produtos financeiros; que o governo das instituições financeiras deveria ser profundamente melhorado; enfim, que os produtos financeiros deveriam ser mais simples e compreensíveis". No entanto, acrescenta, "quase dez anos volvidos, a simples observação do que se passou nos mercados não deixa de levantar sérias dúvidas de que aqueles objectivos tenham sido conseguidos".
Com a eleição de Donald Trump para a presidência - e apesar dos ataques verbais deste a Wall Street, durante a campanha eleitoral - há um movimento de retrocesso das limitações aos grandes bancos, de investimento ou outros.
Mas, mesmo antes disso, a indignação do final da década anterior deu lugar a alguma tibieza nas decisões. E basta ver a dimensão actual dos grandes bancos americanos para se perceber que essa parte não foi resolvida.
"Apesar das reformas regulatórias decididas, a verdade é que muitas delas ficaram aquém dos objectivos iniciais e muitas também nem sequer entraram ainda em vigor. Por exemplo, a Directiva de Mercados e Instrumentos Financeiros, peça chave da regulação dos mercados, apenas verá a sua revisão entrar em vigor em 2018, ou seja dez anos depois do episódio Lehman, e diversas soluções nela adoptadas acabaram por ser francamente atenuadas face à determinação inicial ", analisa Carlos Tavares, que dá mais exemplos. Entre eles está "a significativa divergência entre os rácios de capital regulatórios e efectivos dos bancos".
Posto isto, fica a questão: estaremos preparados para um novo grande choque, ou continuamos a ignorar os riscos enquanto a festa estiver boa?
Se este início era mau, pior ficou quando Wall Street se interessou a sério por estes créditos, e os começou a comprar e a revender, em grandes lotes de créditos garantidos pelas habitações ou misturados com outros produtos, sobre os quais ninguém fazia perguntas. Se a ideia desta prática era reduzir o risco, o efeito foi o contrário, contaminando carteiras em todo o mundo com activos de má qualidade e avaliados como se tivessem valor e pouco risco.
O Lehman foi o banco de investimento que mais apostou nesse segmento, mas à medida que estes negócios cresciam o mesmo não acontecia com a sua base de capital, manifestamente insuficiente para a dimensão que a instituição, fundada em 1850, ia ganhando.
Com o rebentar da enorme bolha do imobiliário - que antes do Lehman fez várias vítimas, entre elas o Bear Stearns , que deixou de viver autonomamente - a queda foi inevitável, até porque os esforços de última hora das autoridades para arranjar um investidor acabaram por não funcionar.
"A falência da Lehman foi o culminar de um conjunto de circunstâncias que se acumularam ao longo de vários anos e cujas consequências eram visíveis desde a primeira metade de 2017 (apesar de, em Outubro desse ano muitos considerarem que o pior já tinha passado…)", diz ao Negócios Carlos Tavares, ex-presidente da CMVM.
A destruição de capital foi brutal, sobretudo nos EUA mas não só. A liquidez secou dos mercados, desconfiados de qualquer contraparte privada, por mais segura que parecesse. Os efeitos da crise financeira foram-se espalhando, evoluindo para uma crise económica cujos ecos se fazem ouvir até hoje.
Lições aprendidas?
A reacção ao choque foi imediata no tom mas difusa no tempo. Perante as lições desses fatídicos anos de 2007 e 2008, estabeleceu-se um consenso de que era preciso rever a regulação e limitar a existência de instituições "too big to fail", aquelas que pela sua dimensão e carácter sistémico provocariam um gigantesco efeito-dominó em caso de dificuldades.
Como lembra Carlos Tavares, "ao longo de 2009 e 2010 foram frequentes as declarações dos mais altos responsáveis de que os bancos deveriam ser mais pequenos e mais simples; que era necessário desalavancar as economias; que os mercados organizados deviam ser mais transparentes e ser o lugar privilegiado para as transacções de produtos financeiros; que o governo das instituições financeiras deveria ser profundamente melhorado; enfim, que os produtos financeiros deveriam ser mais simples e compreensíveis". No entanto, acrescenta, "quase dez anos volvidos, a simples observação do que se passou nos mercados não deixa de levantar sérias dúvidas de que aqueles objectivos tenham sido conseguidos".
Com a eleição de Donald Trump para a presidência - e apesar dos ataques verbais deste a Wall Street, durante a campanha eleitoral - há um movimento de retrocesso das limitações aos grandes bancos, de investimento ou outros.
Mas, mesmo antes disso, a indignação do final da década anterior deu lugar a alguma tibieza nas decisões. E basta ver a dimensão actual dos grandes bancos americanos para se perceber que essa parte não foi resolvida.
"Apesar das reformas regulatórias decididas, a verdade é que muitas delas ficaram aquém dos objectivos iniciais e muitas também nem sequer entraram ainda em vigor. Por exemplo, a Directiva de Mercados e Instrumentos Financeiros, peça chave da regulação dos mercados, apenas verá a sua revisão entrar em vigor em 2018, ou seja dez anos depois do episódio Lehman, e diversas soluções nela adoptadas acabaram por ser francamente atenuadas face à determinação inicial ", analisa Carlos Tavares, que dá mais exemplos. Entre eles está "a significativa divergência entre os rácios de capital regulatórios e efectivos dos bancos".
Posto isto, fica a questão: estaremos preparados para um novo grande choque, ou continuamos a ignorar os riscos enquanto a festa estiver boa?