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No campo da agricultura, PS, AD, CDU, Chega e IL parecem estar de acordo (em quase) tudo

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) juntou, esta quarta-feira, representantes de cinco partidos e/ou alianças candidatos às eleições de 10 de março, para ouvir "promessas concretas"no caso de virem a fazer parte do próximo Governo que alinharam em matérias como a necessidade de reestruturar a orgânica do Ministério da Agricultura, de criar uma rede nacional de água ou até de aliviar a carga fiscal.

No setor que inclui a agricultura o salário médio total bruto subiu 3% no segundo trimestre, em termos homólogos, o que implica uma quebra real de 1,2%.
Pedro Brutt Pacheco
07 de Fevereiro de 2024 às 19:39
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"Muito vai mudar na agricultura". Foi assim que o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Luís Mira, terminou o debate, que moderou, que juntou representantes da Aliança Democrática, CDU, Chega, Iniciativa Liberal, e PS, a avaliar pelos compromissos que deixaram ao longo de uma sessão, de hora e meia, que terá sido acompanhada por mais de 600 pessoas através da transmissão online em direto.

Tirando raras exceções e, em casos mais específicos, nuances, as posições alinharam-se, de um modo geral, em matérias como a necessidade de reestruturar a orgânica do Ministério da Agricultura, de alterar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) de atuar na gestão dos recursos hídricos e até de aliviar a carga fiscal. No entanto, o "bizarro" de concordarem, em determinados pontos, como foi, aliás, assinalado, não invalidou que as forças políticas que estiveram no poder nos últimos anos escapassem a "farpas" por prometerem que "agora é que vai ser".

O primeiro tema lançado a debate foi o "desmembramento do Ministério da Agricultura", com o esvaziamento de competências, como a transferência das florestas para a tutela do Ambiente e do Desenvolvimento Rural para a pasta da Coesão Territorial, com a CAP a perguntar aos candidatos se pretendem reverter esse cenário. João Frazão (pela CDU, membro da comissão política do comité central do PCP) foi o primeiro a responder e a garantir "o compromisso de honra" de defender um Ministério da Agricultura, das Florestas e do Desenvolvimento Rural, porque é "neste conjunto" que a agricultura "tem de ser vista", responsabilizando PS, PSD e CDS pelo "desmantelamento" de uma tutela que teve "quase a machadada final" com a muito contestada passagem das atribuições das Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)

Pedro do Carmo (candidato do Partido Socialista pelo círculo eleitoral de Beja) subscreveu a ideia de que "naturalmente" as florestas devem voltar a ficar sob a alçada do Ministério da Agricultura, mas argumentou que, considerando que deve ser encarado como "fator de coesão territorial", a integração das DRAP nas CCDR, "se bem trabalhada", "pode ser benéfica". Eduardo Oliveira e Sousa (cabeça de lista da Aliança Democrática pelo círculo eleitoral de Santarém), contestou. "As direções regionais são organismos de proximidade. É um absurdo levar por diante esta ação incompreensível", afirmou o ex-presidente da CAP (2017-2023) que, aliás, nessa qualidade, encabeçou uma série de manifestações no ano passado contra essa política.

Defendendo que "este ministério e este governo do PS vai ficar na história como o que se empenhou na desvalorização do setor agroflorestal e, por arrasto, também o setor agroalimentar", Eduardo Oliveira e Sousa foi peremptório ao afirmar que o Ministério da Agricultura "deve ser totalmente revisto e enquadrado numa nova arquitetura de governação". No caso das florestas, apontou que há "resultados à vista", fruto da opção tomada em 2019, que vão desde a "perda de valor" do setor até ao "agravar dos problemas de conservação e prevenção de incêndios", pelo que "há que recuperar as florestas".

João Cotrim Figueiredo (ex-presidente da Iniciativa Liberal e cabeça de lista às eleições europeias) subscreveu que "a gestão integrada tem de ser realidade" e que essas áreas "nunca deviam ter saído" de onde estavam, afirmando que "prova é que só pioraram". Pedro Frazão (cabeça de lista do Chega pelo círculo eleitoral de Santarém), por seu turno, fez, aliás, questão de deixar claro que a defesa do mundo rural figura como "a grande bandeira". "A nossa primeira medida é a reedificação do Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas e a restituição das direções regionais", afirmou. "Temos de analisar o que está a acontecer em Portugal e não enterrar a cabeca na areia, porque existe, de facto, uma crise no setor" que "se deve uma orfandade total do mundo rural que não é de agora".

Já sobre a necessidade de rever o PEPAC, considerando, na perspetiva da CAP, "não responde às necessidades da agricultura portuguesa", assim como de reforçar o orçamento, Pedro do Carmo (PS) afirmou "ser intenção" do PS fazê-lo. No entanto, ressalvou, a própria PAC precisa de mexidas, dada a "volatilidade" dos tempos que grassam, com duas guerras em curso - uma na Europa e outra às portas dela. "Temos de nos adaptar" e prova disso, argumentou, é que "a própria Comissão Europeia deu um passo atrás nos pesticidas".

E voltando a Portugal garantiu que "o PS quer começar novo ciclo na agricultura, vai ter em conta o que é necessário reforçar e ter voz mais ativa na Europa sobre a PAC para que seja "tratado de forma diferente o que é diferente", no sentido de ir ao encontro das especificidades do território nacional, também ele diverso.

Pedro Frazão (Chega) não deixou de reparar no "bizarro" de concordar até com o PS que "pelos vistos vai em contramão face ao que a ministra andou a fazer". "Comprometemo-nos a fazer as alterações necessárias", disse.

Eduardo Oliveira e Sousa, por seu turno, também defendeu que a reforma "é necessária e que, na medida do possível, se deve reforçar o primeiro pilar (dos pagamentos diretos, financiado a 100% pelas verbas comunitárias) "até numa perspetiva de salvaguarda das perturbações geopolíticas", como as duas guerras em curso (na Ucrânia e no Médio Oriente) que  "têm de motivar um repensar da PAC", impondo-se, ainda, a seu ver, também "uma nova arquitetura no segundo pilar", relativo ao desenvolvimento rural.

O candidato da AD apontou ainda que toda esta "indignação" que se vive nas ruas decorre de problemas que só podem ser ultrapassados com a participação dos agricultores, culpando o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP): "Aponto o dedo diretamente ao GPP, proque é sabido que minista não sabe da agricultura e da PAC, mas o GPP sabe.  Não consigo entender o que motivou tanto afastamento da realidade - o resultado está à vista".

Cotrim Figueiredo (IL) juntou-se ao coro. "É incrível como se consegue desenhar um PEPAC tão mal desenhado, perante tantos alertas" e que sejam "maus motivos", como protestos ou chegada de eleições, a abrir caminho a mudanças. Para o mesmo responsável, a reforma tem, aliás, de ser "mais profunda" do que aquilo que se está a discutir atualmente: "Há um problema sério no PEPAC que precisa de ser reformulado muito para além do que diz o PS, mesmo na própria lógica dos pilares", afirmou, reconhecendo ter "consciência" de que Bruxelas tem de se envolver, apontando que talvez possam contar com um eurodeputado.

"Parece que este debate está a correr bem", começou por atirar João Frazão (CDU). "Parece que os senhores não tiveram nada a ver com esta situação em que estamos", criticou, apontando que o PCP anda "há 40 anos a dizer que a raiz dos problemas está na PAC, que não é feita para as especificidades da agricultura nacional". "Vamos mudar o PEPAC? Vamos é mudar a PAC. Se fosse só o PEPAC não estávamos com esta raiva toda". Para João Frazão têm de ser assegurados pressupostos que passam pelo "pelo pagamento de preços justos à produção" pela "justiça na distribuição das ajudas" ou "pela regulação do mercado". Se garantidos, "os agricultores lançaram sempre as sementes à terra", frisou, defendendo ser preciso que se "apoie a pequena e média agricultura".

Do alívio da carga fiscal à gestão da água

Também relativamente à carga fiscal que pende sobre as empresas agrícolas - o terceiro grande tema - todos pareciam estar alinhados, embora haja nuances. Eduardo Oliveira e Sousa (AD) prometeu empenhar-se na redução dos impostos e taxas para o setor agrícola e florestal, mas também no agroalimentar, para travar discrepâncias como o facto de recair sobre o queijo 6% de IVA e 23% sobre o fiambre, mas também diferenças face a Espanha, onde, ao contrário de Portugal, o gasóleo agrícola pode ser usado pelas máquinas pesadas que operam nos campos.

Lembrando que baixar impostos traz sempre "gozo" para a IL, Cotrim Figureiredo manifestou-se a favor do corte de IVA para operações agrícolas que permitem, por exemplo prevenir incêndios, mas sobre se faz sentido que Portugal arrecade impostos com dinheiro financiado por Bruxelas, preferiu não se comprometer: "Tenho de pensar um pouco mais", respondeu, sobre uma eventual isenção fiscal das ajudas.

Pedro Frazão (Chega) também se mostrou de acordo com os representantes da AD e da IL, defendendo que "Portugal precisa de um choque fiscal, de uma diminuição brutal para empresas, famílias e agentes do setor agrícola". Já João Frazão (CDU) apontou que o problema está a ser visto do ângulo errado: "Precisamos de impostos para o Estado dar resposta às necessidades reais, na saúde, educação ou segurança. O que temos é uma distribuição injusta dos impostos, que carregam mais sobre quem trabalha".

"É necessário mexer na politica fiscal, aliviando quem trabalha e carregando sobre quem tem possibilidade de pagar mais. Não consideramos que os rendimentos devam ser excluídos da tributação", explicou, recordando que o PCP apresentou iniciativas para reduzir impostos da eletricidade e do gás, que acabaram chumbadas pelo PS. "Podemos dizer que os sucessivos governos tem sido sempre fortes com os fracos e muito fracos com os fortes".

Já Pedro do Carmo, do PS, em resposta às indiretas, afirmou que "quem governa resolve uns problemas e cria outros", advertindo que "é preciso ter também condições financeiras". E, embora manifestando-se a favor de "incentivos para esta atividade económica", em concreto, o setor florestal, que permitam "estabilidade" nos seus rendimentos, mas escusando-se a entrar num "leilão" de propostas.

No que toca à gestão dos recursos hídricos, lamentando que "este Governo não tenha aproveitado o Plano de Recuperação e Resiliência, o secretário-geral da CAP quis saber o que pensam os candidatos sobre três pontos: a criação de uma rede nacional da água - à semelhança da que existe para a eletricidade -, a questão "extremamente delicada" da nacionalização das águas particulares, considerando que correspondem a "60% das usadas na agricultura" e ainda sobre o papel do Ministério da Agricultura, "muito reduzido" atendendo a que o setor primário é responsável por 70% do consumo.

Cotrim Figueiredo, da IL, respondeu, por esta ordem, "Sim" à primeira ideia, "não" à nacionalização e "talvez". Embora concordando que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) tem sido "mais dificultadora", do que facilitadora, alertou que "quando se partilham tutelas as coisas nem sempre ficam mais simples".

Pedro Frazão, do Chega, também se manifestou "absolutamente contra" uma eventual nacionalização: "Qualquer dia estamos a nacionalizar o ar". Uma opinião partilhada por Pedro do Carmo, do PS, que também disse "não". João Frazão, da CDU, por seu turno, quis pôr os pontos nos is, sublinhando que "a água é um bem público", mas que "há água que é explorada por entidades privadas", enquanto Eduardo Oliveira e Sousa advertiu que "a questão é complexa" desde logo em termos do direito civil.

Quanto à partilha de tutela, Eduardo Oliveira e Sousa apontou que "neste momento a APA põe a mão em cima do Ministério da Agricultura", pelo que "há que ter capacidade de intervenção e de ação para que a agricultura seja elevada ao patamar que merece".

Sobre a criação de uma rede nacional da água, o representante do Chega recordou que o partido tem abordado o tema desde que chegou ao parlamento e que inclusive apresentou um projeto de lei, para "trazer a água de onde existe para onde faz mais falta", que passaria por transvases, implicando uma extensão de 300 quilómetros de canais e condutas que, à primeira vista pode parecer muito, mas que "se compararmos com o Alqueva não é assim tão megalómano". Uma iniciativa que, recordoum só foi acompanhada pela IL, tendo recebido os votos contra do PS, PSD e PCP.

Para João Frazão, do PCP, a "questão central" é apenas uma: "fazer o que há muito está consensualizado". "Estamos a falar de um conjunto de infraestruturas, como barragens, que estão a ser discutidas há décadas, que passaram por sucessivos governos, coligados ou não, e continuamos a ver navios", criticou, apontando que, além disso, "o que foi feito não o foi em função da necessidade de captação e armazenamento de água, mas antes em função de interesses de empresas energéticas". "Construam-me porra!", referiu, aludindo à pichagem que esteve, durante anos, no pontão do Alqueva.

"Estamos com um problema do arco da velha no Algarve, onde há uma barragem consensualizada há quantos anos? Por que não se faz? Vamos ouvir o candidato do PS a dizer que "agora é que é" - "é como a água, tem ciclos" - e vamos ouvir o da AD a dizer que agora é que é como se o PSD e o CDS não tivesse tido oportunidade lá atrás", atirou.

Pedro do Carmo (PS) reconheceu que "a escassez de recursos hídricos é um problema sério que temos de encarar" e defendeu ser "fundamental criar uma rede de pequenas barragens", chamando a atenção para a necessidade de se "fazer a destrinça sobre o regadio que queremos e o sequeiro que tem de ser apoiado". O sequeiro, cultura em terreno que não é regado ocupa pelo menos 80% da superfície agrícola útil de Portugal Continental, mas o regadio gera mais rendimento por hectare.

Já Eduardo Oliveira e Sousa, da AD, foi buscar um adágio popular: "O que tem de ser tem muita força. Chegamos a um ponto em que não há volta a dar. Temos de ter uma visão clara do que queremos para o nosso país, sejam transvases, sejam reforços de caudal ou desvios ocasionais, é o que for. Temos é de pôr mãos à obra".

O debate promovido pela CAP acontece, como assinalou a organização, num "momento crítico para o setor, marcado por uma forte onda de descontentamento generalizado e de protestos resultantes de anos de desgoverno e más políticas". A iniciativa não contou com representantes do Bloco de Esquerda nem do PAN. Ao Negócios, fonte oficial explicou que não convida partidos "assumidamente antiagricultura".
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