Notícia
Ordem dos Médicos acusa Infarmed de recusar tratamentos contra o cancro
Porque não há “risco imediato”, mas apenas “risco de vida”, está a ser negado medicamentos que travam o avanço da doença a centenas de doentes com cancros de mama, pulmão, próstata ou melanoma, denuncia o Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos.
O Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos denuncia que centenas de doentes com cancros da mama, pulmão, próstata ou melanoma não estão a ser tratados com medicamentos capazes de evitar o aparecimento de metástases e aumentar a probabilidade de sobrevivência, revela o Expresso na sua edição deste sábado, 7 de setembro.
Porque não há "risco imediato de vida", mas apenas "risco de vida", defende o Serviço Nacional de Saúde (SNS) para recusar o acesso a esses medicamentos, autorizando apenas o tratamento quando já existem metásteses, precisamente o que os médicos querem evitar, relata o semanário.
Numa carta enviada à Ordem dos Médicos, o Colégio de Oncologia denuncia que as avaliações proferidas pelo Infarmed "têm negado, no contexto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o acesso a medicação com efeito comprovado na diminuição de recidiva ou no aumento da probabilidade de sobrevivência."
Os médicos denunciam que a autoridade do medicamento "tem argumentado que a diminuição de risco de recidiva metastática não prefigura a situação prevista para uma autorização excecional, nomeadamente que deve obedecer ao critério de ‘risco imediato de vida ou complicação grave’",
Acontece que os oncologistas consideram que este diagnóstico sobre a perigosidade das neoplasias está errado, considerando que "a recidiva metastática de qualquer doença oncológica é uma complicação grave que origina um risco de morte."
Em causa estão menos de cinco fármacos que, segundo o semanário, custam ao SNS entre dois mil a cinco mil euros por mês por doente e têm indicação para seis meses a um ano, e que já foram aprovados "em dezenas de países", como a Áustria, Alemanha, Grécia, Israel, Luxemburgo, Suécia e Reino Unido.
Os doentes que podem pagar os elevados custos recorrem ao privado, onde o tratamento é disponibilizado. Oncologistas vão registar o bloqueio terapêutico nos processos clínicos, por considerarem que o Infarmed os força a uma má prática médica.
Infarmed diz que autorização de medicamentos para cancro é feita com base em avaliação médica
A Autoridade do Medicamento assegura que a avaliação das autorizações especiais para uso de fármacos para o cancro tem em conta critérios que são apenas técnicos e clínicos, com base na análise de peritos médicos.
Confrontado com as acusações do Colégio de Oncologia da Ordem dos Médicos, o presidente do Infarmed indicou que são casos de medicamentos que ainda estão em avaliação e sobre os quais os médicos podem pedir acesso através de uma autorização de utilização excecional, sendo que estas autorizações são decididas com base no parecer de peritos médicos, muitos deles oncologistas de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo dos Institutos de Oncologia, afirmou Rui Ivo, em declarações à agência Lusa.
Estas autorizações de utilização excecional servem para que os médicos possam pedir acesso a um fármaco enquanto este ainda está a ser submetido a avaliação fármaco-económica para poder ser comparticipado e cedido pelo SNS.
Segundo Rui Ivo, a avaliação das autorizações de utilização excecional é feita por peritos médicos, com base em critérios técnicos e clínicos, estando de parte as questões de financiamento.
O presidente do Infarmed considera ainda que Portugal é um exemplo de "acesso aos melhores tratamentos disponíveis", nomeadamente na área oncológica.
Em termos de aprovação de novos fármacos para o cancro, entre 2016 e 2018 foram aprovadas 40 novas substâncias e só este ano já foram aprovadas novas 15, segundo os dados oficiais da Autoridade do Medicamento.
Também Nuno Miranda, médico oncologista e perito da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde, realça que na avaliação das autorizações de utilização excecional de um medicamento não é tido em conta o preço do medicamento (questão que fica para a avaliação da análise fármaco-económica que decide se será cedido no SNS a todos os que necessitem).
No caso que é denunciado pelo Colégio de Oncologia no jornal Expresso, Nuno Miranda salienta que é uma terapêutica adjuvante, para doentes com cancro que já foram submetidos a cirurgia ou tratamento.
"O benefício eventual é marginal (...). Não faz uma diferença dramática sobre a vida dos doentes", indicou o médico oncologista à agência Lusa.
Nuno Miranda recorda que a figura da autorização de uso excecional serve para dar acesso a medicamentos que ainda estão a ser submetidos a uma avaliação e nos casos de risco de vida iminente ou quando há risco real de progressão da doença.
"No caso da terapêutica adjuvante, não fazendo uma diferença dramática sobre a vida dos nossos doentes, o que faz sentido é esperar pela avaliação fármaco-económica para ver se faz sentido mudar de medicamento. É necessário avaliar a eficácia, a toxicidade e o preço", comentou.
O oncologista sublinha ainda que estes doentes já estão em tratamento, foram submetidos a cirurgia, "o tratamento mais importante que deviam fazer", sendo a terapêutica adjuvante uma eventual alternativa à medicação que estava já determinada e prevista.
O Infarmed salienta ainda que no caso dos medicamentos em contexto de autorização excecional há "um nível de incerteza considerável, por não serem conhecidos os resultados comparativos de segurança e eficácia relativamente aos restantes tratamentos que integram a prática clínica nacional".
Números oficias do Infarmed, no caso dos medicamentos oncológicos, mostram que este ano já foram feitos mais de 1.100 pedidos de autorização de utilização excecional, 859 dos quais foram aprovados.
Os valores de pedidos de autorização excecional têm crescido ao longo dos anos, com cada vez mais novos fármacos a entrar no mercado. Em comparação com 2015, este ano o número de pedidos já triplicou.