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O perigo de estar morto de sono

Os americanos associam o sono à preguiça, mas especialistas em sono dizem que pessoas saudáveis não conseguem dormir demais. Algumas podem desejar mais comida do que o necessário, mas apenas quem tem problemas físicos ou mentais deseja dormir mais do que precisa. E nós, humanos, precisamos muito.

Mariline Alves
25 de Dezembro de 2018 às 15:00
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Algumas pessoas gostam de dizer que dormem quando morrerem, mas estudos após estudos mostram que dormir muito pouco deixa-nos meio mortos mesmo acordados - com menor capacidade de aprender, realizar, lembrar, reagir rapidamente ou tomar boas decisões.

 

É assim que estamos a ensinar os jovens a viver. Um dos hábitos americanos mais contraproducentes é obrigar adolescentes a acordar ao nascer do Sol para ir à escola. Arrancá-los da cama com o som do despertador pode ajudar a ensiná-los a lidar com a privação e o sacrifício, mas desta forma eles não aprenderão tanto de Matemática, Ciência, Literatura ou História.

 

Horácio de la Iglesia, neurobiólogo da Universidade de Washington, diz que os adolescentes desenvolvem um ritmo circadiano diferente de crianças ou adultos. Os adolescentes precisam realmente de cerca de nove horas de sono, embora poucos tenham essa possibilidade. E quando passam pela puberdade, os seus corpos querem ficar acordados até a meia-noite e levantar-se depois das oito. Segundo la Iglesia, a sensação de um adolescente que se levanta às 6h30 é a mesma de um adulto típico ao acordar às 4h30.

 

Mas é assim nos EUA, onde as pessoas têm uma desconfiança profunda em relação ao conforto pessoal. Permitir que os adolescentes tenham o tempo de sono que desejam? Qual será o impacto disso na sua produtividade? De la Iglesia e os seus colegas tiveram a possibilidade de descobrir a resposta, há alguns anos, quando as escolas do distrito de Seattle passaram o início das aulas das 7h50 para as 8h45, um horário muito mais civilizado.

 

Para monitorizar um grupo de estudantes de duas escolas antes e depois da mudança, os investigadores colocaram sensores de movimentos nos pulsos dos participantes do estudo, método considerado mais preciso para a medição do sono do que o auto-relato. Existe uma suposição, diz o responsável, "de que os adolescentes são preguiçosos e que, portanto, se os deixamos dormir, eles vão para a cama mais tarde". Mas não foi isso que o estudo apontou.

 

Os estudantes cujas aulas começavam mais tarde foram para a cama aproximadamente no horário do costume, adormeceram mais ou menos no mesmo horário e dormiram em média mais 35 minutos por noite. As notas melhoraram em ambas as escolas, e na mais carente das duas os alunos mostraram uma tendência maior a chegar a horas às aulas. De la Iglesia diz que isto pode ter relação com a probabilidade maior de os pais destes alunos trabalharem desde cedo e, portanto, transferirem para os filhos a responsabilidade de chegar pontualmente à escola. Os resultados foram publicados na revista Science Advances.

 

Uma pista para a atitude contraproducente dos americanos em relação ao sono surge numa entrevista recente à Boston Magazine com o biólogo do sono Charles Czeisler, da Faculdade de Medicina de Harvard e do Brigham and Women’s Hospital. Czeisler diz que os militares costumavam privar os soldados do sono, acreditando que assim os "treinariam" para lidar com a privação do sono em combate - assim como os exercícios treinam o indivíduo para lidar com o esforço físico. Mas isso não faz sentido. Czeisler comparou a prática a deixar as pessoas com muita fome para prepará-las para uma situação em que não tenham a quantidade apropriada de alimento.

 

Quanto às escolas, Czeisler salienta numa entrevista que, até 1910, as aulas nas escolas americanas começavam às 9h e que especialistas em educação defendiam que os EUA deviam evitar o erro dos alemães e dos britânicos, que iniciavam as aulas às 7h ou às 7h30. Mas estes horários escolares chegaram posteriormente aos EUA. O sono insuficiente, na opinião de Czeisler, impede os alunos de aproveitar as suas capacidades máximas.

 

Imagine o frenesi que provocaria a invenção de uma droga capaz de melhorar tanto o desempenho quanto o sono adequado. Mas essa droga não é necessária; essa vantagem pode ser conseguida gratuitamente e sem receita médica.

 

Ensinar as pessoas sobre o sono adequado seria uma das formas mais económicas de melhorar a saúde pública, segundo de la Iglesia. Infelizmente, muitas pessoas não reconhecem que o seu desempenho está degradado. A má auto-avaliação é outro efeito colateral da perda do sono, acrescentou: "As pessoas acham que está tudo bem."

 

Esta coluna não reflecte necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.

 

(Texto original: Americans Are Dangerously Starved for Sleep: Faye Flam)

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