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Marques Mendes: relatório sobre sustentabilidade da dívida "é imprudente"
"Tanto barulho para nada. Entradas de leão e saídas de sendeiro". Foi assim que Luís Marques Mendes se referiu, na sua análise semanal na SIC, ao relatório sobre a sustentabilidade da dívida, apresentado na sexta-feira pelo PS e Bloco de Esquerda.
O comentador da SIC, Marques Mendes, disse esta noite que "no conteúdo, o estudo apresentado pelo PS e pelo BE é um recuo inesperado". "Um recuo em toda a linha por parte do BE e de várias figuras do PS que assinaram o Manifesto de 2014, em prol da reestruturação da dívida", sublinhou.
Na opinião de Marques Mendes, esse recuo observa-se sobretudo em quatro aspectos: "o estudo não toca na dívida dos privados e do FMI (logo, só se aplica a 30% da dívida pública total); abandonou a ideia de perdão de parte da dívida; desiste da ideia de qualquer iniciativa unilateral para renegociar a dívida (ou seja, só quando a Europa tomar a iniciativa); e o que propõe de mais concreto é igual ao que fez o Governo de Passos Coelho (renegociar prazos e juros dos empréstimos e pagar mais cedo ao FMI – foi o que fez PPC)".
Ou seja, "tanto barulho para nada. Entradas de leão e saídas de sendeiro", criticou o conselheiro de Estado no seu espaço habitual de opinião na SIC.
Nas notas facultadas ao Negócios que suportam esta intervenção, o militante do PSD frisou também que, "quanto à oportunidade, este estudo é imprudente".
No seu entender, "é imprudente porque gera um ruído que em nada tranquiliza mercados, investidores e agências de rating; é imprudente porque não é tema que se deva tratar na praça pública – estas matérias tratam-se em privado, não em público –; e é imprudente quanto à recomendação para o IGCP trocar dívida de médio e longo prazo por dívida a curto prazo. Tão imprudente que o Governo até já recusou a sugestão".
Recorde-se que o grupo de trabalho sobre a sustentabilidade das dívidas pública e externa criado pelo PS e Bloco de Esquerda propõe que o Governo defenda, numa estratégia de médio prazo, um programa de reestruturação das dívidas públicas excessivas europeias que, no caso português, assentaria em três dimensões.
Essas três dimensões são as seguintes: uma extensão da maturidade média dos 51,6 mil milhões de euros de dívida à União Europeia e da Zona Euro, dos actuais 15 anos para 60 anos; a redução da taxa de juro média cobrada dos actuais 2,4% para 1%; e a manutenção indefinida no balanço do Banco de Portugal dos 28 mil milhões de euros de dívida pública que o banco central terá acumulado no final deste ano no âmbito do programa de compra de activos do BCE (PSPP). A estas medidas acrescentariam outras quatro de poupança em juros que dependem apenas do Governo.
No entanto, o fundo de resgate da Zona Euro - Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) – entende que não pode baixar mais a taxa de juro que cobra a Portugal, e que actualmente está 1,88%. Para o fazer teria de impor custos aos outros Estados-membros da Zona Euro, o que redundaria numa transferência orçamental, que não é possível na união monetária e no enquadramento legal do FEEF. Este é o primeiro revés para os dois partidos.
Marques Mendes sublinhou também esta noite, ainda a propósito deste relatório, que "voltam os ataques ao Banco de Portugal, agora com o pretexto de querer baixar as suas provisões". "Mas aqui é ‘gato escondido com rabo de fora’", atirou.
"Primeiro, o que se pretende é ir buscar dinheiro ao Banco de Portugal para reduzir o défice. Segundo, diz-se que as provisões feitas pelo BdP são mais altas que noutros países. É natural. Para compensar o rácio de capitais próprios face ao balanço do Banco, que é claramente inferior à média do Eurosistema. Terceiro: o Presidente da República já matou esta ideia ao dizer que o Governo não a pensa aplicar. Como quem diz: não contem comigo para aprovar novas leis nesta matéria".
Por último, o membro do Conselho de Estado fez também uma leitura política deste relatório, tendo concluído que "não vai mudar nada de concreto até que a Europa decida agir. Foi muito ruído para coisa nenhuma".
"Em teoria passa a haver um consenso alargado, como diz o Presidente da República, em matéria de dívida. Com este recuo do BE, já só o PCP tem uma opinião radicalmente diferente", sublinhou o comentador político.
Quanto ao BE, Marques Mendes considera que "é igual ao Syriza. Muito activo na oposição. Muito subserviente quando chega ao poder. Muda logo de agulha. Como dizia Cavaco Silva, a realidade acaba sempre por impor-se à ideologia".
Recorde-se que Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, disse em entrevista ao Expresso que as propostas do relatório sobre a sustentabilidade da dívida, apresentado pelo PS e BE não chegam. Isto porque se basearam meramente num "mínimo denominador comum" entre perspectivas muito divergentes. No entender do líder parlamentar bloquista, as conclusões do relatório sobre a sustentabilidade da dívida e as medidas que apresenta "ficam aquém do que o BE tem apresentado noutras ocasiões".
Por seu lado, a coordenadora do Bloco do Esquerda, Catarina Martins, salientou ontem que este relatório, apesar de não ser o proposto pelos bloquistas, apresenta soluções que permitem libertar recursos para o Orçamento do Estado de 2018.