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Das quintas-feiras "cordatas" entre Cavaco e Sócrates às histórias de deslealdade
A última quinta-feira decorreu num tom cordato e agradável, mas das 188 reuniões semanais e cinco anos de coabitação entre José Sócrates e Cavaco Silva ficam também acusações de mentiras e falsidades, histórias de deslealdade, desconfianças e fingimentos.
Ao longo de quase 600 páginas, no livro "Quintas-feiras e outros dias", que foi hoje apresentado em Lisboa, o antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva relata os primeiros anos na Presidência da República, revelando no núcleo central da obra a coabitação entre 2006 e 2011 com o então primeiro-ministro socialista José Sócrates.
Uma coabitação que teve, para Cavaco Silva, um "princípio básico", a discrição, porque só assim o diálogo podia ter alguma influência efectiva nas decisões do Governo.
"Se este [o Presidente da República], ávido de ser notícia, estimula ou permite fugas de informação sobre o que diz ao primeiro-ministro ou se envereda por uma prática de críticas públicas a medidas do Governo, corre o risco de ser utilizado como arma de arremesso na luta entre partidos" e tende "a ser ignorado pelo executivo, acabando por não ajudar o país", escreve Cavaco Silva.
Para Cavaco, "a influência de um Presidente sobre os rumos da governação será tanto maior quanto mais ele consiga manter a diferença fundamental entre a esfera pública e a esfera privada".
"A discrição e a reserva nas relações entre o Presidente da República e o Governo foram uma marca distintiva dos meus mandatos, para grande irritação de alguns jornalistas. Também para desespero de alguns dos meus assessores, nunca atribuí qualquer importância ao protagonismo mediático, desde logo porque estava convencido da sua relação inversa com a influência efectiva do Presidente no processo político de decisão", refere, notando que todos os primeiros-ministros com quem trabalhou "sempre respeitaram o dever de reserva" relativamente conteúdo das conversas.
Um Presidente que sempre recusou "precipitar-se em declarações públicas intempestivas perante questões colocadas pela comunicação social e alimentar tensões", e sempre resistiu "à tentação de obter grandes títulos" dando conta das minhas divergências em relação a diplomas do Governo, vinca também Cavaco, recordando que o chefe de Estado "não é legislador, nem tão pouco colegislador".
Sobre os encontros com José Sócrates, Cavaco Silva recorda um primeiro almoço "simpático", a 02 de Fevereiro de 2006, no forte de São Julião da Barra, que antecedeu a primeira reunião formal a 16 de Março, a 'primeira' "quinta-feira".
Mas, depois das primeiras promessas de "cooperação leal e frutuosa", o antigo Presidente começou a aperceber-se da enorme resistência ao diálogo e entendimento e com a oposição do então primeiro-ministro.
Surgem também as primeiras divergências, com Cavaco Silva a opor-se "à teimosia" de Sócrates com a aposta em obras públicas e a desconfiar do seu "entusiasmo" com os negócios com a Venezuela, país liderado por "uma personalidade que não era de fiar".
Em 2008, quando a economia portuguesa estava "seriamente a ser afectada pela crise financeira internacional", Sócrates, revela Cavaco, insistia na construção de escolas ou auto-estradas e "muitas vezes se mostrou irredutível face aos avisos sobre os erros de política económica".
Sobre o caso das "escutas a Belém", o antigo Presidente reitera a tese que que se tratou de uma "intriga política insidiosa, criada e alimentada por sectores do PS com a participação activa de alguns órgãos de comunicação" para o envolverem na campanha das legislativas de 2009.
Depois das eleições, vieram os anos de Governo minoritário, ao qual Cavaco "não augurava grande futuro".
"Nessa altura, eu já contava com várias experiências de como era parco a cumprir o que dizia e sabia que o fingimento era uma das suas características", refere o ex-chefe de Estado, com críticas à "tendência arrogante e agressiva face à oposição" de Sócrates, que sempre demonstrou "grande dificuldade em se adaptar à perda da maioria absoluta".
Perante um país à beira de uma situação insustentável, relata, o Governo continuava "numa situação de fuga para a frente", com ameaças de demissão na altura dos "dias loucos" do Orçamento do Estado para 2011 e "mentiras" do primeiro-ministro.
Foram também os tempos da "total e inadmissível falta de lealdade institucional" para com o Presidente, a quem não foi apresentado o chamado PEC IV.
"Fora a ausência desse diálogo, patente na falta de informação sobre o PEC IV, que acabara de ditar o destino do Governo minoritário do PS", refere Cavaco, que elogia a atitude "patriótica e corajosa" do então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que venceu a "obstinação" do primeiro-ministro na altura em que Portugal foi obrigado a pedir o resgate.
De qualquer forma, na última quinta-feira, o tom foi "cordato e agradável" e Cavaco desejou a Sócrates "as maiores felicidades para a sua nova vida".