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Com orçamento à porta, Governo inclina plano de recuperação para a esquerda
O primeiro-ministro tem pedido um amplo consenso em torno do Plano de Recuperação e Resiliência. Contudo, numa altura em que se aproxima a apresentação do orçamento para 2021, que António Costa quer aprovar com os ex-parceiros da geringonça, o ministro do Planeamento vem dizer que o PRR "tem margem de manobra para encontrar consensos à esquerda".
Um dia depois de o Governo ter estado no Parlamento para discutir e tentar encontrar apoios para o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Nelson de Souza, ministro do Planeamento, deu uma entrevista em que inclina a preferência do Executivo por garantir consensos à esquerda.
"É natural que sendo esta proposta de um Governo do PS", o PRR seja "consonante com a matriz" dos socialistas, explicou no podcast do partido, Conversa com Palavra, acrescentando que o plano de relançamento dá continuidade a políticas já seguidas na anterior legislatura.
"[O PRR] tem margem de manobra para encontrar consensos à esquerda porque se trata de uma visão que lhe é mais próxima (…) assente na solidariedade para o desenvolvimento [e na] procura de soluções que também têm em conta as pessoas", disse o governante.
No debate parlamentar desta quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, ficou muito aquém do "consenso tão amplo quanto possível" pretendido para o plano de retoma.
Se a direita a criticou o excessivo peso do Estado no plano que assenta na Visão Estratégica proposta pelo consultor António Costa Silva e a insuficiência de medidas a pensar nas empresas, a esquerda lamentou a escassa preocupação demonstrada no PRR com as pessoas, em particular relativamente aos trabalhadores e aos seus rendimentos.
O Bloco de Esquerda e o PCP mostram-se focados em resolver as "urgências" que afligem o país e, para tal, consideram que o instrumento capaz de responder, no imediato, a essas insuficiências passa pelo Orçamento do Estado para 2021.
O primeiro-ministro já disse querer aprovar o orçamento do próximo ano com os antigos aliados da geringonça (incluindo o PAN) e dada a primazia que Bloco e PCP atribuem a esse documento parece observar-se uma inclinação do Governo para também privilegiar que os apoios partidários ao PRR venham da esquerda.
Nesta entrevista ao podcast do PS, Nelson de Souza deixou outro indicador disso mesmo ao assegurar total disponibilidade para incluir no plano de retoma uma das exigências que vem sendo feita por bloquistas e comunistas e que passa pela criação de uma rede pública de lares. "Estamos [disponíveis] até porque temos aqui [no PRR] prevista uma intervenção nos lares".
O responsável com a tutela da gestão dos fundos comunitários reiterou também as críticas já ontem feitas à "visão redutora" da direita, e em concreto do PSD, e ao respetivo "preconceito ideológico em relação ao Estado".
"Percebemos que a generalidade dos comentadores e economistas especializados, quer sejam de esquerda ou sejam de direita, começaram por clamar, pedir e solicitar a promoção do investimento público como a grande alavanca para sairmos da crise", disse defendendo que a "única solução" passa por "promover o investimento público" e reforçar o papel do Estado.
"O investimento público também tem uma aposta fundamental que é na produção de bens e serviços que visam facilitar a vida às empresas. Reduzir as chamadas externalidades negativas e criar custos de contexto mais favoráveis", continuou o governante dando como exemplos as políticas para o aumento da eficiência da justiça ou a melhoria das redes de creches.
Ainda assim, até para não alienar um eventual apoio do PSD, Nelson de Souza assegurou que no próximo quadro financeiro plurianual (QFP, 2021-27), o orçamento comunitário de longo prazo que o ministro pretende servir de "complemento" ao PRR, contará com 5 mil milhões de euros para o tecido empresarial.
Governo com disponibilidade para mudar esboço
Depois de ontem tanto Costa como Nelson de Souza terem lamentado a ausências de propostas dos partidos para o PRR, o ministro do Planeamento voltou agora a garantir que o Executivo mantém a porta aberta para receber tais contributos, contudo avisa que, tendo em conta os prazos definidos por Bruxelas, "temos muito pouco tempo para discutir o conteúdo do nosso programa".
Os Estados-membros têm até 15 de outubro para entregar à Comissão Europeia um primeiro esboço do PRR, um plano que não carece de aprovação pelo Parlamento.
O governante admite até incorporar no plano ideias que "possam substituir as nossas linhas", uma vez que "neste momento não temos definidos os projetos em concreto", porém qualquer alteração terá de encaixar nos "pilares do PRR que constam do esboço", avisou.
Esse esboço prevê três grandes pilares – Resiliência, Transição Climática e Transição Digital – e canalizar 7,2 mil milhões de euros para o primeiro pilar, 2,7 mil milhões para o segundo e 3 mil milhões para o terceiro.