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As afirmações de Paulo Portas na entrevista à SIC são verdadeiras ou falsas?
Paulo Portas foi entrevistado esta terça-feira no jornal da noite da SIC. Ao longo da entrevista, o vice-primeiro-ministro foi questionado sobre as suas relações com Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque e sobre o episódio mais marcante desta legislatura, quando apresentou a demissão "irrevogável". Também os possíveis cenários pós-eleitorais foram abordados na entrevista. O Negócios centra a atenção em temas para os quais existem dados objectivos que permitem validar as declarações de Paulo Portas.
Execução do Plano de Desenvolvimento Rural (ProDer 2007-2014) a 100%
"Tenho muito orgulho no trabalho que fizemos na agricultura. Tem o ProDer executado a 100%, não é muito habitual este nível de eficácia. Começou contra os agricultores e sem eles, e acabou sem um único cêntimo devolvido a Bruxelas, com tudo entregue antes do tempo terminar, e passamos a ter pagamentos a tempo e horas, que é essencial para os agricultores poderem planear a sua vida".
O ProDer, Programa de Desenvolvimento Rural do anterior quadro comunitário de apoio (2007-2014), "atingiu os 100% de taxa de execução" no passado dia 8 de Junho, conforme anunciou a Secretaria de Estado da Agricultura um dia depois. Uma vez que foi executado a 100%, não teve "devolução de verbas à Comissão Europeia", situação que só ocorre quando, findo o período de vigência do quadro, adicionado de um ano de transição – o Estado-membro não consegue esgotar o financiamento de Bruxelas nas várias valências em que o programa foi aprovado.
O ProDer arrancou durante o primeiro Governo de José Sócrates, pela tutela de Jaime Silva. Embora o período fosse 2007-2014, o programa que visa apoiar o investimento no sector da agricultura acabou por arrancar, na prática, na segunda metade de 2008. Na altura, a tutela sofreu críticas do sector por lentidão na recepção, aprovação de candidaturas, inspecção e pagamento das verbas, situação também influenciada pela reforma (e redução) que o Ministério da Agricultura sofreu então e pela decisão de Jaime Silva de cortar com a parceria do Estado com as confederações de agricultores no apoio às candidaturas às verbas de Bruxelas.
O programa retomou algum ritmo de com o segundo ministro da Agricultura de José Sócrates, António Serrano, a partir de 2010, que retomou o diálogo com as com as confederações. Acabou por acelerar com o actual Executivo - que readaptou algumas medidas (como a da floresta) para não serem perdidas verbas -, até a chamada "fase de transição" para o novo quadro (PDR 2014-2020). O mês de Junho de 2015 foi assim o último em que se executou dinheiro "velho" do ProDer e "novo" do PDR - "foram veiculados cerca de 44 milhões de euros no mês de Junho no âmbito de projectos de investimento do PDR 2020". "Contamos já com uma taxa de execução de 5%", anunciou a 13 de Julho o secretário de Estado Diogo Albuquerque.
Os cortes nas pensões já existiam antes deste governo
"A CES já cá estava antes do Governo estar, fechou com este Governo como teria de fechar"
De facto, a CES foi criada ainda por José Sócrates, para pensões da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social que ultrapassassem os 5.000 euros. Porém, o actual Governo alargou substancialmente o seu âmbito de incidência, não só a rendimentos superiores a 1.500 euros, primeiro, e superiores a 1.000 euros brutos, depois. Além disso, passou a incidir também sobre pensões de fonte privada e de produtos complementares.
Em 2015, o Governo tentou ir mais longe e tornar a CES permanente, embora lhe tenha mudado o nome para "contribuição de sustentabilidade" e tenha tirado as pensões privadas da equação. A medida só não avançou porque o Tribunal Constitucional a chumbou, tal como ela estava enquadrada.
O Governo resolveu não insistir nos cortes permanentes mas reciclou-a para rendimentos mais altos. Assim, este ano, pagam CES as pensões que ultrapassem os 4.611,42 euros. Os cortes reduzir-se-ão em 50% no próximo ano, e só desparecerão em 2017.
Ou seja, se é certo que a CES já cá estava antes do Governo chegar, também é certo que ela se prolongará para lá desta legislatura e deste Governo.
Evolução positiva da receita fiscal deverá permitir recuperação significativa da sobretaxa
"Como a evolução da receita tem sido moderadamente positiva, é expectável que as pessoas venham a recuperar uma parcela significativa da sobretaxa"
A receita fiscal tem crescido este ano, como refere Paulo Portas. Até Maio, regista uma variação homóloga de 3,8% em comparação com o mesmo período de 2014. Mas o que interessa na avaliação de uma possível devolução da sobretaxa é o comportamento do IRS e do IVA. E aí as notícias até são melhores, com uma melhoria de 4,7% nos primeiros cinco meses do ano.
O critério de devolução da sobretaxa passa pela receita desses dois impostos ficar acima do valor inscrito no Orçamento do Estado, que estimava um avanço de 3,5%. Ou seja, 27.658,8 milhões de euros. Parece, portanto, haver margem para devolver parte da sobretaxa aos contribuintes. Se é uma parte significativa ou não, depende do que se entende por significativo.
O Diário Económico noticiou no final de Junho que o Governo estava a preparar a devolução de 40% sobretaxa de IRS, contando que a receita fiscal mantém o actual ritmo de evolução, ultrapassando em 300 milhões de euros o objectivo orçamentado. No entanto, há uma semana o mesmo jornal noticiou também que existe o risco de as receitas de IVA estarem empoladas, devido à suspensão dos reembolsos desse imposto a empresas e empresários. O bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (OTOC) avisava que a devolução da sobretaxa poderia estar em causa devido ao "manifesto empolamento das receitas de IVA", não havendo, assim, "segurança para afirmar que haverá reembolso da sobretaxa". Olhando para os dados de execução orçamental, os reembolsos de IVA estão de facto 191 milhões de euros abaixo do valor registado no ano passado.
A confirmar-se o empolamento artificial das receitas do IVA, a parte da sobretaxa devolvida poderá não ser assim tão significativa.
As contribuições para a ADSE não estão a ser desviadas, são dos funcionários públicos.
"O dinheiro das contribuições da ADSE é dos trabalhadores que contribuem. Não há um cêntimo desviado da ADSE".
A frase de Paulo Portas pode estar literalmente correcta, apesar de não ser essa a questão identificada quer pelo Tribunal de Contas quer por Cavaco Silva. O que tem sido tornado público é que o aumento dos descontos para a ADSE excedeu o valor necessário para garantir a sua auto-sustentabilidade, dando origem a excedentes que estão a contribuir para diminuir o défice orçamental das administrações públicas.
Os descontos para a ADSE aumentaram progressivamente de 1,5% em Julho de 2013 para 3,5% em Maio de 2014. A última subida foi vista como excessiva, desde logo pelo Presidente da República, que vetou um primeiro diploma sobre o assunto. Em Março de 2014, Cavaco Silva explicou que "o valor de 3,5% proporcionará uma receita que excede significativamente a despesa prevista no Orçamento da ADSE". "Sendo indiscutível que as contribuições para a ADSE, ADM e SAD visam financiar os encargos com esses sistemas de saúde, não parece adequado que o aumento das mesmas vise sobretudo consolidar as contas públicas", acrescentou o comunicado de Belém.
Apesar deste primeiro veto, o Governo insistiu no diploma. Na especialidade, foi então acrescentada uma norma que prevê que a receita proveniente dos descontos seja "consignada ao pagamento dos benefícios concedidos pela ADSE aos seus beneficiários nos domínios da promoção da saúde, prevenção da doença, tratamento e reabilitação."
Nesse sentido, Paulo Portas pode argumentar que o dinheiro das contribuições é dos trabalhadores. Os sindicatos não diriam o mesmo: consideram que a garantia prevista na lei não é suficiente e reclamam uma participação activa dos funcionários públicos na gestão da ADSE, o que neste momento não acontece.
Na semana passada, o Tribunal de Contas revelou que o excedente gerado na ADSE – que foi de 138,9 milhões em 2014, e que deverá ser de 89,4 milhões para 2015 - está a servir para aumentar "artificialmente" a receita pública.
"Estes excedentes estão a ser utilizados em proveito do Estado, como forma de resolver problemas de equilíbrio do orçamental através do aumento artificial da receita pública". Como a ADSE não tem possibilidade de gerir os excedentes nem usá-los livremente, o Estado acaba por ter uma vantagem, "a uma taxa de 0%, isto é, sem qualquer remuneração".
O facto de o Estado obter uma vantagem orçamental não significa que esteja a desviar o dinheiro – trata-se de uma questão contabilística. O que o TC recomenda é que o Estado deixe de interferir na gestão da ADSE, uma vez que ela passou a ser exclusivamente financiada pelos beneficiários, e que passem a ser estes a fazê-lo.
O desemprego tem vindo a descer
"Há um lado nesta matéria que é puramente estatístico e depois há um lado que é a verdadeira pergunta: qual é a tendência do desemprego em Portugal? A única coisa que é relevante é que o desemprego chegou a estar nos 17,5% e está neste momento na casa dos 13%. […] "A tendência é positiva ou negativa? A tendência é mais positiva do que negativa."
A mensagem central do vice-primeiro-ministro é que o mais importante é a tendência que se observa no mercado de trabalho. Ao contrário de Pedro Passos Coelho, Paulo Portas preferiu falar de uma tendência geral e não de números concretos que o primeiro-ministro utilizou na sua entrevista e que foram questionados pelo Negócios e, mais tarde, pelo Expresso e contrariados por toda a oposição.
O desemprego parece estar, de facto, a seguir uma tendência de desagravamento. Desde que foi atingido o máximo de 17,5% no primeiro trimestre de 2013, o desemprego tem descido em quase todos os trimestres. E até o está a fazer a um ritmo relativamente rápido. No primeiro trimestre de 2015, a taxa de desemprego estava nos 13,7%. Muito abaixo do pico referido anteriormente, embora ainda superior ao valor observado antes do actual Governo tomar posse. A contrariar um pouco esta tendência está o facto de nos últimos dois trimestres a taxa de desemprego ter aumentado, passando de 13,1% para 13,5% e, depois, para 13,7%.
Caso analisemos os dados mensais do INE – um método menos aconselhável, devido à volatilidade dos valores - a tendência é semelhante. Ou seja, assiste-se a um desagravamento geral do desemprego, mas também com uma subida no final da série.