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Centeno não quer um BCE "falcão" nem "guerreiro"
Mário Centeno defendeu, em entrevista ao El País, que o BCE deve comparar o presente com o passado não cedendo por isso a leituras "mais simples" que prevêem a subida antecipada das taxas de juro.
O governador do Banco de Portugal (BdP) e membro do conselho do Banco Central Europeu (BCE), Mário Centeno, defendeu, em entrevista ao diário espanhol El País, que a instituição financeira liderada por Christine Lagarde deve olhar para 2008 e 2011, e ao perceber as diferenças, face ao cenário atual, "manter uma atitude que não seja guerreira nem falcão em relação às necessidades da economia europeia".
"2020 foi a primeira vez que as políticas monetárias e orçamentais na Europa agiram de forma coordenada. E como a crise não era estrutural, também não havia dúvidas sobre os riscos morais, que existem sempre na Europa, que alguns se comportam bem e outros não tão bem. Felizmente, conseguimos unir-nos, ao contrário de 2008 e 2011", começou por explicar Mário Centeno.
Para o governador, esta "transição" face aos anos anteriores demonstra "uma atmosfera distinta nas discussões no Banco Central Europeu sobre o reconhecimento da Europa no seu conjunto".
Quanto ao aumento antecipado das taxas de juro – um fenómeno que, ao que tudo indica, só acontecerá em 2023 no bloco europeu e já este ano nos EUA - Mário Centeno sublinha ainda que o BCE não se deve levar pelo que chama de "leituras mais simples" e que deve "limitar as suas ações".
O antigo ministro das Finanças de António Costa recordou que "definimos uma meta de inflação de 2%, que permite que seja ultrapassada desde que esteja nos 2% no horizonte de dois anos. É a situação atual".
Do ponto de vista da política monetária, o economista sentiu, no entanto, a necessidade de esclarecer que "isto não quer dizer que não queiramos uma normalização da política monetária. Apenas queremos garantir que foram criadas as condições para que os programas de compra de ativos possam ser reduzidos e para que, numa fase posterior, possa haver aumentos das taxas de juro".
"As taxas próximas de zero não são confortáveis nem para a política monetária nem para o funcionamento da economia, desde que garantamos a estabilidade financeira", rematou Mário Centeno".
As declarações do governador português surgem dias depois de o vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Luis de Guindos ter admitido que devido à continuidade inesperada da crise de abastecimento e à subida dos custos energéticos, "[afinal] a inflação na zona euro não é tão transitória, como estimavam as previsões há uns meses".
Apesar de tudo, o economista espanhol salientou que as previsões sobre a inflação na zona euro neste ano e em 2023 e 2024 ainda se mantém "em cima da mesa".
Em novembro, a inflação anual na zona euro atingiu 4,9%, a taxa mais elevada desde o início da série, em 1997, de acordo com os dados do Eurostat. O BCE prevê que os preços aumentem em média 3,2% este ano, e 1,8% em 2023 e 2024.
"Sistema financeiro português é mais robusto"
Já quando confrontado com o que o diário espanhol classifica como " reestruturação drástica do sistema financeiro português" e se este processo foi uma forma de perda da soberania financeira de Portugal, Centeno frisou que, no momento, "a taxa de empréstimos não perfoming (NPL) está próxima dos 4%. Isto significa que o sistema é mais robusto, mas é um processo que temos de tratar".
O governador deixou claro que "ainda pode haver alguma consolidação do sistema bancário português. É evidente que, num sistema financeiro altamente integrado, com uma única supervisão do BCE, temos de estar atentos ao financiamento da nossa economia e, se houver uma perda de soberania, é outra dimensão do múltiplo deste equilíbrio", acrescentou Mário Centeno.
O governador aproveitou ainda o momento para dar como exemplo a recuperação da Caixa Geral de Depósitos, recordando que "a presença de um grande e bem capitalizado banco público [Caixa Geral de Depósitos] é uma âncora que não existia no passado".