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Uma história sobre cavalos, melões e um papagaio morto

Nesta época do ano, lembramo-nos que é melhor dar do que receber. E, como revelam arquivos divulgados pelo governo britânico, tal é ainda mais verdadeiro se o presente for um cavalo turcomano.

Bloomberg
01 de Janeiro de 2019 às 15:00
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Em 1993, Saparmurat Niyazov, o presidente do Turcomenistão, país que acabava de se tornar independente da União Soviética, fez uma visita ao primeiro-ministro britânico, John Major.

 

Como agradecimento ao anfitrião, Niyazov presenteou Major com uma foto emoldurada de um cavalo. Explicou que aquele não era um cavalo qualquer. Chamava-se Maksat, um garanhão de raça pura Akhal-Teke, e que a partir daquele momento pertencia ao Reino Unido.

Mas havia um pequeno detalhe. Maksat estava no Turcomenistão, e esperava-se que o Reino Unido organizasse a viagem para levá-lo para seu novo lar. A viagem foi alvo de um despacho do Ministério dos Negócios Estrangeiros publicado recentemente nos Arquivos Nacionais em Londres.

 

"Os cavalos turcomenos" -- eram dois, porque a França também tinha recebido um -- "chegaram a Moscovo", escreveu Laura Brady, diplomata da embaixada britânica.

 

A viagem até lá, de comboio, tinha sido agitada. Bandidos armados tentaram roubar os animais quando viajavam pelo Cazaquistão, mas os cavalos recusaram-se a sair do vagão. No entanto, naquele momento, os animais estavam à mercê de algo muito mais perigoso: a burocracia pós-soviética.

 

Papagaio morto

Brady e sua contraparte francesa marcaram uma reunião com funcionários da alfândega para as 13:00. Quando chegaram, foram avisados de que todos estavam a almoçar e que, por isso, teriam que voltar às 15:00. Os diplomatas explicaram à rececionista que estavam preocupados com os cavalos, pois há quatro dias e meio que estavam em pé num vagão.

 

"Isso provocou em resposta a triste história do papagaio do embaixador finlandês, o único ser vivo que se lembrava de ter caído nas mãos do Décimo Segundo Posto de Alfândega Diplomático", relatou Brady. A rececionista, "quase a chorar ao pensar no papagaio", levou os dois a um armazém, onde encontraram o pessoal da alfândega a jogar póquer.

 

Tendo cumprido as formalidades, os adidos britânico e francês dirigiram-se para o outro lado de Moscovo, para o escritório de contabilidade da companhia ferroviária. Chegaram às 16:45 e apresentaram os documentos, mas foram informados de que a equipa já tinha parado de trabalhar e que o expediente acabava às 17:00. Ao ouvir a história dos cavalos, a funcionária cedeu. Mas não por muito tempo. Olhando os documentos, disse aos diplomatas que os turcomanos não tinham pago o total das taxas de transporte ferroviário e que as embaixadas deveriam pagar a diferença à companhia ferroviária russa.

 

Os sagazes adidos sugeriram que, como os turcomanos tinham fornecido um vagão de comboio para os cavalos e não o queriam de volta, ele poderia ser usado para pagar a dívida. Os funcionários da companhia concordaram. "Mas já tinha passado das cinco. Teríamos de voltar no dia seguinte."

 

Na manhã seguinte, os dois diplomatas apresentaram-se mais uma vez e os funcionários dos caminhos-de-ferro explicaram que a papelada estava desactualizada. Os cavalos tinham que ser reexaminados pela veterinária da empresa. Depois de uma hora, a veterinária, sem sair do lugar, apresentou um certificado dizendo que tinha inspecionado os animais e que eles estavam em boas condições.

 

Melões amarelos

 

Às 10:00, os diplomatas finalmente viram os cavalos. Mas a batalha não tinha acabado. Do vagão saíram três cavalariços, que viajaram com os cavalos, e que levavam 200 melões amarelos grandes. Explicaram que tinham trazido a mercadoria para vender em Moscovo, para conseguir dinheiro para comprar os bilhetes de volta.

 

Depois de carregar os animais -- e os melões -- num reboque para cavalos, os diplomatas acharam que já estavam na reta final. Mas não estavam. Para sair da estação de comboios precisavam de mais um papel. E para obter esse papel precisavam que um adesivo fosse colado no vagão que os cavalos viajaram certificando que agora estava vazio. Eram 11:40 e os funcionários estavam a preparar-se para a pausa do almoço, que começava às 12:00.

 

Conseguiram convencer uma funcionária a ir até o vagão, mas ela recusou-se a colar o adesivo, protestando que o vagão estava cheio de estrume de cavalo. "Nós teríamos que limpá-lo e não poderíamos atirar o estrume para as lixeiras da estação. Nessa altura, o adido francês já estava a ficar histérico."

 

Brady também estava a ficar desesperada. "Pensei em colocar o estrume no porta-malas do meu carro e levar para adubar as rosas da residência", disse ela. Felizmente, um maquinista que passava por lá foi subornado, com vários melões "particularmente grandes", para empurrar o vagão pelos trilhos, e depois limpou o estrume que caiu na linha.

 

Depois de enviar a carga em segurança, Brady concluiu o seu memorando com uma nota de otimismo. "Fiz alguns contactos úteis nos últimos dias, pelo que da próxima vez que quisermos importar um cavalo da Rússia, vai ser muito mais fácil."

Texto original: A Tale of a Turkmen Stallion, Large Melons and a Dead Parrot

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