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Rendimentos das famílias portuguesas crescem contra a tendência internacional. O que dizem os indicadores?
Contra a tendência geral da OCDE, as famílias portuguesas aumentaram o seu rendimento disponível no quarto trimestre de 2020, muito devido aos apoios do Estado que vão sendo levantados no estrangeiro. A tendência internacional é de crescimento do PIB e quebra nos rendimentos.
O rendimento das famílias cresceu 0,5% em Portugal ao longo do quarto trimestre de 2020, em clara contradição com o que se passa no resto da OCDE, onde os rendimentos das famílias caíram, em média, 1,4% face ao trimestre anterior. Por cá, em 2020 as famílias ganharam mais 0,1% no rendimento real.
Os dados são do relatório da OCDE sobre crescimento e bem-estar económico revelado esta quinta-feira que explica que "o declínio de 1,4% é o maior do rendimento familiar real per capita desde o primeiro trimestre de 2013 e reflete a redução do nível de pagamentos e transferências feitos pelos Governos às famílias em relação à pandemia de Covid-19, depois dos níveis de apoio sem precedentes durante os restantes meses de 2020".
No caso nacional, o indicador tem um histórico de altos e baixos face aos valores que apresentava no final do primeiro trimestre de 2007, que serve de valor de referência (100). De forma geral, as famílias foram perdendo rendimento disponível até meados de 2009, altura em que o indicador ultrapassou os 100, e assim se manteve até iniciar uma nova quebra de 2,4 pontos percentuais no início de 2011 (98,3). A descida generalizada manteve-se até ao final de 2013 (93,03), quando iniciou nova subida que se mantém até hoje.
Há outros países que divergem da tendência atual de quebra do rendimento das famílias na OCDE (para além de Portugal) como o Reino Unido e França que viram o mesmo variar positivamente na ordem dos 0,5% e 1,4%, respetivamente. Este comportamento é justificado pela OCDE como "o reflexo das variações trimestrais entre países no timing, duração e intensidade das políticas governamentais em relação à covid".
Já entre os países que viram as famílias perder rendimento face ao trimestre anterior, a queda foi mais abrupta entre os mais ricos da organização. Nos Estados Unidos, por exemplo, o rendimento real das famílias caiu 2,5% no mesmo período, apesar de um crescimento do PIB per capita na ordem da média da OCDE (0,9%). A média dos sete mais ricos foi uma quebra de 1,9%, superior à média geral, mas os países mais afetados foram mesmo o Chile (-8,8%), a Austrália (-3,6%) e a Dinamarca (-3,8%).
Analisando a evolução dos indicadores lado a lado, a OCDE alerta para o facto de "de forma semelhante ao conjunto de todos os países da OCDE, todas as sete principais economias registaram um crescimento mais forte do rendimento real das famílias do que do PIB real per capita ao longo dos últimos quatro trimestres".
Indicadores contam versões diferentes da mesma história
No mesmo dia em que foram anunciados os dados, o presidente do Concelho Europeu (CE), Charles Michel, disse numa entrevista a vários órgãos de comunicação europeus que, no que diz respeito às métricas macroeconómicas, "a bússola europeia não pode ser o PIB, tem de ser o bem-estar dos cidadãos" - uma ideia que procura valorizar a qualidade de vida da população em detrimento dos tradicionais indicadores estruturais que, muitas vezes, dissimulam divergências sociais.
Nesse sentido, Charles Michel salientou a "importância de encontrar um acordo sobre um número limitado de critérios que devemos considerar como os mais importantes": "O importante é todos termos a mesma interpretação, o mesmo nível de compreensão, e o mesmo enquadramento para o debate democrático. Se todos tivermos a mesma bússola e a mesma ambição, então podemos, ano após ano, fazer a avaliação do nosso progresso, se foi suficiente ou se temos de reforçar os nossos esforços", contou ao Público, que participou na entrevista.
Ainda assim, e apesar da importância de convergência nestes indicadores para facilitar um enquadramento e comparações internacionais, o presidente do CE rejeita, para já, a ideia da imposição de "critérios vinculativos", preferindo "mostrar respeito por todos os estados-membros".
"Penso que é melhor não começar com uma abordagem vinculativa, para que todos possam ter o tempo de que necessitam para progredir […].Mas como acontece em muitos assuntos, penso que, mas cedo ou mais tarde, serão dados passos no sentido de uma maior convergência. Por vezes, os Estados-membros precisam de tempo antes de serem capazes de pôr em prática", explicou.