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Os irmãos bilionários e o guru indiano. Como uma família perdeu quase 2 mil milhões

Dhillon, guru de uma comunidade espiritual é uma figura-chave de um dos colapsos mais drásticos nos anais dos negócios indianos: o desmoronamento do império de finanças e de cuidados de saúde dos irmãos Malvinder e Shivinder Singh. Conheça toda a história deste colapso.

25 de Agosto de 2018 às 21:00
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Nas margens do rio Beás, no norte da Índia, existe uma comunidade espiritual em expansão que está algures entre um ashram tradicional e um condomínio fechado da Flórida. O lugar tem um grande salão de reuniões com torres em espiral e cúpulas de pérola, mas também tem casas comuns e um supermercado ao estilo norte-americano. É este o lar de 8.000 devotos do Mestre: Gurinder Singh Dhillon.

 

O seu grupo, o Radha Soami Satsang Beas, afirma ter mais de 4 milhões de seguidores em todo o mundo. Muitos descrevem-no como Deus em forma humana. Mas, no mundo secular do dinheiro, Dhillon, 64 anos, é uma figura-chave de um dos colapsos mais drásticos nos anais dos negócios indianos: o desmoronamento do império de finanças e de cuidados de saúde dos irmãos Malvinder e Shivinder Singh.

 

Ao longo dos anos, a principal holding dos irmãos emprestou cerca de 25 mil milhões de rúpias indianas (360 milhões de dólares) à família Dhillon e para os negócios imobiliários controlados pelo guru, segundo documentos e pessoas a par do assunto. Alguns desses desembolsos foram financiados com dinheiro emprestado pelas empresas dos Singh que estão cotadas em bolsa e, quando combinados com outros investimentos mal-sucedidos dos Singh, empurraram o império para uma espiral de endividamento, de acordo com uma análise da Bloomberg News a documentos públicos e entrevistas com 10 pessoas a par das finanças de ambas as partes.

 

Uma vista aérea sobre o Radha Soami Satsang Beas, publicada no álbum fotográfico 'O equilíbrio do amor'
Uma vista aérea sobre o Radha Soami Satsang Beas, publicada no álbum fotográfico "O equilíbrio do amor" Radha Soami Satsang Beas

A queda

 

Herdeiros de um antigo império de negócios que já valeu muitos milhares de milhões, os irmãos assistiram nos últimos seis meses a uma grande queda das suas fortunas. As suas participações accionistas foram confiscadas pelos credores. Estão sob uma investigação criminal por parte das autoridades financeiras devido a um buraco financeiro de 23 mil milhões de rúpias (329 milhões de dólares) que foi detectado nas suas empresas cotadas. Ambos devem 500 milhões de dólares relacionados com acusações de fraude ligadas à venda da farmacêutica Ranbaxy Laboratories em 2008. E também perderam a mansão da família. Ambos negam qualquer irregularidade.

 

Dhillon é primo da mãe dos Singh e tornou-se pai adoptivo de Malvinder e Shivinder Singh após a morte dos pais no fim da década de 1990. Desde então, as finanças do líder espiritual e dos irmãos misturam-se e o dinheiro fluiu dos Singh para a família Dhillon através de empréstimos de empresas-fantasma e de uma série de instrumentos financeiros misteriosos, de acordo com documentos e pessoas a par do assunto, que pediram para não serem identificadas porque as investigações ainda estão em curso. Dhillon não foi acusado de nenhum delito.

  

Espera-se que todos os membros da comunidade espiritual, incluindo o guru, se suportem a si próprios financeiramente, e os representantes da seita afirmaram que as transacções comerciais do mestre são questões pessoais separadas do seu papel no grupo espiritual.

 

A queda dos Irmãos Singhs surge numa altura em que o primeiro-ministro Narendra Modi pugna pelo aumento de transparência e pela atracção de mais investimento estrangeiro para a economia com mais rápido crescimento em termos mundiais. Mas a história dos irmãos é uma narrativa cautelar para quem quer que seja com negócios na Índia, o que abre a porta a estruturas corporativas opacas comuns nas dinastias familiares que dominam o comércio na Índia.

 

"Esta opacidade contribui para o risco", disse Arun Kumar, um economista no Instituto de Ciências Sociais sediado em Nova Deli. "Homens de negócios legítimos poderão não querer vir para a Índia."

Os Irmãos Singhs são conhecidos pela expansão das suas empresas cotadas – o operador hospitalar Fortis Healthcare Ltd. e a firma financeira Religare Enterprises Ltd. – a uma velocidade alucinante depois de terem recolhido 2 mil milhões de dólares com a venda da Ranbaxy. Menos conhecida é a dívida massiva que assumiram para o conseguir, tudo ao mesmo tempo em que financiavam um portefólio imobiliário em grande parte detido pela família do seu guru espiritual.

 

Malvinder, 45, e Shivinder, 43, não foram acusados de qualquer crime. Os irmãos reconhecem ter laços financeiros com Dhillon e em comentários escritos disseram que estão em diálogo com a família Dhillon e as suas empresas para solucionar a questão do dinheiro que lhes devem.

 

‘Por amor’

 

Mas os irmãos também disseram que seria "falso" sugerir que o guru foi uma causa dos problemas financeiros do grupo. "Malvinder e Shivinder são inequívocos sobre isso: o Sr. Dhillon é o seu Mestre espiritual", escreveram os irmãos. "Ele sempre agiu só por amor e no seu coração sempre teve as melhores intenções" em relação aos irmãos.

 

Os irmãos são menos generosos com outro seguidor do grupo espiritual, Sunil Godhwani, que, segundo eles, foi nomeado para dirigir a empresa financeira Religare Enterprises por recomendação de Dhillon. Alegam que Godhwani também dirigia a RHC Holding e que muitas vezes tomou decisões sem os informar. Os irmãos dizem que Godhwani foi o arquitecto das estruturas financeiras, incluindo os empréstimos à família e às empresas de Dhillon, que causaram os seus problemas financeiros.

 

Dhillon também recusou ser entrevistado. Um comunicado de J.C. Sethi, secretário da Radha Soami Satsang Beas, refere que o guru desempenhou um papel na ajuda aos Singhs para reclamar o controlo do negócio do seu pai após a sua morte, e a guia-los posteriormente. Mas desde 2011, o mau estado de saúde, incluindo um cancro, levou o guru a recuar para se ficar nos seus deveres espirituais, alega o comunicado. "O Mestre pode dar conselhos, mas não pode decidir por ninguém", reforçou.

 

Representantes do grupo espiritual disseram que o Mestre não desempenha nenhum papel na administração ou nas finanças da comunidade.

 

No início deste ano a Bloomberg noticiou que os Singhs tiraram 5 mil milhões de rupias (71,5 milhões de dólares) do Fortis sem o consentimento da administração da empresa e um investidor de Nova Iorque avançou com uma acção legal onde acusa os irmãos de desviarem 18 mil milhões de rupias (257 milhões de dólares) da Religare.


 

Os Singh alegam que não cometeram nenhuma ilegalidade. Salientam que era Godhwani que estava à frente da Religare e da RHC no período em questão. Quanto ao movimento de fundos do Fortis eram operações normais na altura e só mais tarde se tornaram transacções com partes relacionadas.

 

Os reguladores indianos e a bolsa do país lançaram investigações a alegadas irregularidades financeiras em ambas as cotadas, embora ainda não tenham publicado qualquer conclusão. 

 

 

A comunidade espiritual tem vários hostels
A comunidade espiritual tem vários hostels Radha Soami Satsang Beas

A ascensão dos Singh como homens de negócios teve início em 2008, quando venderam a Ranbaxy, então a maior farmacêutica indiana, à japonesa Daiichi Sankyo. A operação decorreu na altura em que o regulador norte-americano FDA começou a levantar questões sobre as práticas da firma indiana no fabrico de medicamentos e a qualidade dos mesmos.

 

Os irmãos utilizaram o encaixe com a venda no Fortis e na Religare, sendo que cada uma das empresas chegou a ter uma capitalização bolsista de mil milhões de dólares. Assumiram o lugar do pai na alta sociedade indiana, ao lado de outras famílias históricas de empresários do país, patrocinando artistas e integrando clubes exclusivos.

 

Em 2013 a Ranbaxy declarou-se culpada das acusações criminais de que era alvo nos Estados Unidos, enfrentando multas no valor de 500 milhões de dólares. Num tribunal arbitral de Singapura, os novos donos japoneses da Ranbaxy acusaram os Singh de esconderem que já estavam a ser investigados pelos reguladores quando o processo de venda estava a decorrer. Os irmãos negaram tal procedimento.

 

Por essa altura, o guru Dhillon assumia um papel fulcral nas finanças dos Singh. Assumiu o papel de pai depois do verdadeiro ter falecido em 1999, escreveram os irmãos. Os membros da seita assumiram posições chave no império dos Sight: um tornou-se presidente do Conselho de Administração da Ranbaxy, ajudando Malvinder a chegar ao topo. Godhwani passou a liderar a Religare.

 

Em 2015, o irmão mais novo, Shivinder, fez uma pausa no mundo dos negócios para trabalhar a tempo inteiro no grupo espiritual. Cerca de 500 mil fiéis desta seita já foram ao ashram para ouvir os ensinamentos de Dhillon e os seus conselhos sobre meditação, vegetarianismo e valores morais.

 

Antes de ascender a líder espiritual deste grupo, Dhillon foi empresário em Espanha. "Penso que ele em primeiro lugar ele é um homem de negócios. E só depois um guru espiritual", afirmou o norte-americano Brian Hines, que integrou a unidade desta seita nos EUA durante 35 anos e agora tem um blogue para a criticar.

 

Em 2010 surgiu uma nova oportunidade de negócio. As cidades indianas viveram um boom do sector imobiliário que tornou agricultores em milionários. E os recursos dos Singh foram utilizados pela família de Dhillon para construir um império imobiliário.

 

No espaço de dois anos, duas empresas ligadas a Dhillon receberam 20 mil milhões de rupias em empréstimos com taxas de juro zero, que foram concedidos por companhias de Singh.

 

Estes empréstimos revelaram-se dispendiosos para os Singh, surgindo no topo de uma lista de aplicações que entraram em incumprimento. A partir de 2011, a holding dos Singh afundou-se com pelo menos 12 mil milhões de rupias de perdas na Religare Capital Markets.

 

Os empréstimos concedidos com juros zero, em conjunto com outros investimentos, avolumaram a dívida para um pico de 1,6 mil milhões de dólares, tornando incomportável o serviço da dívida. Com as coisas a deteriorarem-se, os fundos das duas empresas cotadas começaram a ser canalizados para tapar os buracos que surgiam noutras companhias dos Singh que enfrentavam problemas de liquidez.

 

Depois veio o estouro final. Em 2016, o tribunal arbitral de Singapura decidiu a favor da firma japonesa Daiichi Sankyo, obrigando os Singh a pagar 500 milhões de dólares à firma que comprou a Ranbaxy. Os Singh recorreram da decisão, mas os bancos que lidam com os Singh mostraram-se muito mais relutantes em continuar a financiar as suas empresas, apesar destes terem apresentado a casa da família e as acções das suas empresas como colateral.

 

 

Em 2016, os Singh não conseguiram reembolsar um empréstimo de 5 mil milhões de rupias. Quando o banco central da Índia descobriu que 18 mil milhões de rupias tinham saído da Religare para subsidiárias da holding dos Singh, exigiu a restituição do dinheiro, o que ainda não aconteceu.

 

Por fim, os bancos começaram a reclamar os activos que serviam de garantia aos empréstimos em incumprimento, o que incluía acções no Fortis e na Religare. Os irmãos tiveram que vender a mansão onde cresceram. Os accionistas minoritários ficaram com a Religare. Decorreu uma disputa pelo controlo do Fortis e em Julho uma empresa da Malásia comprou o operador hospitalar. As empresas de Dhillon no sector imobiliário foram à falência.     

 

Malvinder Mohan Singh (esquerda) e o seu irmão Shivinder Mohan Singh na sua residência em 2003.
Malvinder Mohan Singh (esquerda) e o seu irmão Shivinder Mohan Singh na sua residência em 2003. The India Today Group/Getty Images

 

Entre empréstimos pessoais e estruturas empresariais complicadas, é difícil dizer exactamente quanto Dhillon ainda deve aos seus sobrinhos e que activos estes ainda controlam.

 

Para complicar as coisas, os laços antigos de clã e religião são difíceis de abalar na índia. Quanto questionado sobre o que os irmãos Singh iriam fazer com o seu mestre, uma pessoa que conhece a família respondeu com uma só palavra: "nada".

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