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Como um gigantesco esquema Ponzi destruiu a economia de um país

Duas décadas de política monetária irracional destruíram a economia do Zimbabwe e geraram uma inflação desenfreada, dizimando as poupanças da população por duas vezes.

Reuters
02 de Março de 2019 às 14:00
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A hiperinflação de 500 mil milhões por cento em 2008 eliminou totalmente o valor das poupanças e levou à abolição da moeda local e à adoção do dólar no ano seguinte. Em 2016, o governo do ex-presidente Robert Mugabe, sem dinheiro, lançou títulos, conhecidos como "notas de obrigação", que insistiu em negociar em paridade com o dólar. Em 2018, separou o dinheiro dos depósitos eletrónicos em bancos sem reservas para os garantir, fazendo a taxa do mercado paralelo afundar.

Na semana passada, o governo deitou a toalha o chão e permitiu que as notas de obrigação fossem negociadas num nível determinado pelo mercado, eliminando mais uma vez o valor das poupanças. A decisão foi tomada numa altura em que este país do sul de África enfrenta escassez de comida e combustível e é atingido por greves e protestos, e também após o fracasso dos esforços do presidente Emmerson Mnangagwa para atrair novos investimentos.

"Na origem disto está a crise cambial", disse Derek Matyszak, consultor no Zimbábue do Instituto de Estudos de Segurança da África do Sul. "Isto é análogo à criação de um gigantesco esquema Ponzi, que teve origem no governo de Mugabe. O que estamos a ver agora é o colapso desse esquema Ponzi".

A ficção do ’1 para 1’

A mais recente medida, embora elogiada pelo que resta do setor empresarial do país, não deverá resolver os problemas do Zimbabwe porque tudo o que faz é refletir as taxas de câmbio do mercado negro, segundo Steve H. Hanke, professor de Economia Aplicada da Universidade Johns Hopkins em Baltimore.

"O 1 para 1 é uma ficção", disse Hanke. ""Eles estão a dizer oficialmente que vamos tolerar o que tem vindo a acontecer de qualquer maneira. Estão a dizer oficialmente: ‘nós roubámos-vos’".

A taxa interbancária para a nova moeda é de cerca de 2,5 por dólar, segundo dados publicados no website do banco central. Esse número não tem qualquer significado porque as autoridades não estão a divulgar o volume de negociação, segundo o marketwatch.co.zw, um website de analistas financeiros, que estima que a taxa do mercado paralelo para as notas de obrigação é de 3,31 por dólar.

As origens da crise cambial do Zimbabwe remontam a um violento programa de reforma agrária iniciado por Mugabe em 2000, que afundou as receitas com exportações e devastou as finanças do governo.

Em resposta, o então presidente do banco central do Zimbabwe, Gideon Gono, conhecido como "banqueiro de Deus" devido aos seus laços com Mugabe, aumentou exponencialmente a impressão de dólares do Zimbabwe para pagar aos funcionários do governo, estimulando a inflação e retirando todo o valor à moeda.

Impressão de dinheiro

"Houve um esquema Ponzi no passado", afirmou Ashok Chakravarti, economista e professor da Universidade do Zimbabwe. "Especialmente na era de Gono, quando esse homem não fez mais nada que não continuar a imprimir dinheiro".  

O colapso da moeda conduziu à situação em que o Zimbabwe se encontra agora - de escassez crónica de dinheiro e inflação desenfreada.

No final de 2008, alguns zimbabuanos tinham voltado às trocas diretas, numa altura em que as transações ilícitas em moedas estrangeiras floresciam. Em fevereiro de 2009, a resposta do governo foi mudar para o uso de moedas estrangeiras, principalmente o dólar americano.

"A dolarização coloca uma restrição orçamental difícil no sistema", disse Hanke.

Refinanciar a dívida

A pressão sobre as finanças do governo levou a que a história se repetisse: a introdução de notas de obrigação e dinheiro eletrónico denominado localmente. Isso contribuiu para que o dinheiro em circulação aumentasse para mais de 10 mil milhões de dólares, segundo George Guvamatanga, secretário permanente do Ministério das Finanças. O valor era de 6,2 mil milhões em 2013, disse Tendai Biti, líder da oposição e antigo ministro das Finanças.

"Se se continuar a imprimir dinheiro, estará a destruir-se o que se está a criar", disse Guvamatanga. Ao abrigo de um programa de estabilização introduzido pelo ministro das Finanças, Mthuli Ncube, em outubro, o governo está agora a refinanciar a dívida interna e deixou de emitir títulos do Tesouro.

Isso ajudou a economia a "começar a andar sobre as duas pernas". "Há um esforço para seguir numa direção diferente. É um ajustamento inevitável", defende Chakravarti. "É totalmente lamentável que esta seja a segunda vez em 10 anos que as pessoas perdem o valor das suas poupanças. Em 2009, ficámos todos sem nada, incluindo eu".

Para alguns observadores, os desenvolvimentos mais recentes não são uma descoberta súbita da disciplina orçamental. É mais um reconhecimento de fracasso e as vítimas são as pessoas do Zimbabwe.

Para Biti, que diz que a nova moeda vai fracassar porque não é apoiada por reservas, ela mostra que o país completou o círculo.

"É um roubo porque as pessoas reorganizaram-se e reconstruiram as suas vidas a partir do zero com base no dólar dos EUA", disse.

Segundo Biti, a única esperança do país é juntar-se à Área Monetária Comum do sul de África, que é dominada pela África do Sul e o seu rand. Isso daria segurança às empresas e imporia disciplina orçamental ao governo, em oposição aos acordos atuais que são "insustentáveis". "É uma economia Ponzi", concluiu.

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