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Como se tornou num gigante a empresa que pode derrubar Temer

Quando os magnatas da carne Joesley e Wesley Batista se sentaram com procuradores brasileiros, no mês passado, e contaram tudo o que sabiam sobre o metastático esquema de corrupção no Brasil. E também apresentaram ao mundo um segredo sujo de família.

Reuters
03 de Junho de 2017 às 12:00
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A ascensão meteórica da JBS, a potência mundial do sector frigorífico que parecia ter saído do nada há década, não teria sido possível sem pagamentos de subornos a um importante ministro, centenas de milhões de dólares em luvas e uma série de acordos favoráveis com o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES)."Não saía de jeito nenhum", afirmou Joesley Batista aos procuradores, segundo os vídeos do seu depoimento, quando questionado como seriam as transacções do grupo com o BNDES sem a acção do ex-ministro Guido Mantega.

 

Desde que um ex-executivo do sector do petróleo se tornou delator, dando início à Operação Lava Jato, há três anos, os brasileiros não tinham assistido a um depoimento tão explosivo que ameaçasse causar tantos danos à economia do país e às suas instituições políticas. A fraude que os irmãos descreveram em pelo menos sete horas de depoimento é tão grave que lançou o Brasil novamente no caos político menos de um ano após a destituição da última presidente.

 

Além de entregarem documentos que implicariam mais de 1.800 políticos no esquema, os irmãos também forneceram aos procuradores uma gravação de áudio em que o presidente Michel Temer parece endossar o pagamento de suborno de Joesley Batista ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

 

Concorrência injusta?

Os Batista, liderados por Joesley, de 45 anos, e Wesley, ficaram sob os holofotes internacionais ao gastar mais de 20 mil milhões de dólares em aquisições ao longo de uma década, transformando o frigorífico da família na maior produtora de carne do mundo. O facto de os irmãos agora estarem prestes a deixar o escândalo da Lava Jato para trás sem enfrentar nenhuma acusação criminal atesta uma habilidade quase sobrenatural para as negociações.

 

Quando os irmãos Batista abordaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no mês passado, a oferecerem todas as provas que tinham recolhido em troca de imunidade, ele não teve alternativa a não ser dar-lhes o que queriam, afirmou o procurador num artigo.

 

As revelações levantam dúvidas sobre a concorrência desleal no exterior depois de a empresa ter "engolido" mais de 40 rivais em quatro continentes entre 2007 e 2017. Segundo Joesley Batista, o BNDES teve um papel crucial na expansão da JBS nos EUA. O banco injectou 5,6 mil milhões de reais (1,5 mil milhões de euros ao câmbio actual) em capital para a aquisição da Swift & Co. em 2007, para as unidades de produção de carne bovina da Smithfield Foods em 2008 e para a produtora de frango Pilgrim’s Pride em 2009.

 

Reunião com Mantega

 

No seu depoimento, Joesley Batista contou novamente como o esquema de uma década começou com uma fatídica reunião de 2005 com Guido Mantega, que foi presidente do BNDES de 2004 a 2006, antes de assumir o Ministério da Fazenda, de 2006 a 2014. A JBS era então apenas um frigorífico familiar, mas tinha planos muito ambiciosos. Enquanto outros executivos do BNDES presentes na reunião realizada na sede do banco, no Rio de Janeiro, pareciam cépticos, Mantega deu "um sinal muito positivo", disse Batista.

 

O advogado de Mantega não respondeu aos pedidos de comentários enviados por e-mail e telefone. A assessoria de imprensa do BNDES não respondeu às perguntas enviadas. Uma porta-voz da JBS não respondeu a um pedido de comentário.

 

Com o aval de Mantega, afirma Batista, a JBS começou a procurar oportunidades no exterior. A empresa encontrou uma oportunidade rapidamente, e em Setembro de 2005 apresentou uma oferta de 200 milhões de dólares para a compra da Swift Armour na Argentina. O BNDES concordou emprestar 80 milhões de dólares à companhia e os irmãos Batista terão pago 4% do valor, ou 3,2 milhões de dólares, em subornos a um conhecido de Mantega, disse Batista. Batista lembra que, mesmo com o suborno, o empréstimo foi muito caro em relação às condições de mercado, mas acabou por permitir à JBS fechar o negócio. "Era o que tinha", disse aos procuradores.

 

Recursos para campanhas

 

Os irmãos continuaram a pagar luvas ao conhecido de Mantega até 2009, quando terão começado a negociar directamente com o então ministro da Fazenda, segundo Batista. Joesley diz que, no total, os Batista pagaram 220 milhões de dólares em subornos, sendo que a maior parte do dinheiro foi desviada para campanhas políticas. A JBS e outras companhias que estão sob o guarda-chuva da holding familiar J&F Investimentos foram as maiores doadoras de campanha das eleições de 2014, na qual a presidente Dilma Rousseff conquistou o seu segundo mandato, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

 

Apesar do tratamento favorável, a JBS viu-se atolada em dívidas. Mais uma vez o BNDES veio resgatar a empresa. Em 2009, o banco adquiriu 3,4 mil milhões de reais em obrigações da JBS que poderiam ser convertidas em acções da JBS USA, a unidade americana que a empresa controladora planeava separar através de uma oferta pública inicial. Como a JBS não conseguiu executar a venda de acções, o BNDES converteu a dívida em acções da companhia brasileira, mas comprou os papéis com um ágio que gerou 267 milhões de reais em prejuízos para o banco, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). O banco também libertou a JBS da multa de 345 milhões de reais que a empresa tinha de pagar pelo contrato.

 

Reprovação

 

Para muitos observadores de longa data do Brasil, as acusações são chocantes, mas não totalmente surpreendentes. "Em financiamentos públicos, o ideal é contemplar empresas que tenham um bom projecto capaz de gerar desenvolvimento, tecnologia e empregos no país e não consigam captar recursos no sector privado. No caso da JBS, as duas coisas não aconteceram", disse Sérgio Lazzarini, professor da Faculdade de Administração do Insper em São Paulo e co-autor do livro "Reinventando o Capitalismo de Estado", sobre a relação entre o governo e as corporações no Brasil.

 

Numa carta aberta, na semana passada, Joesley Batista disse que errou ao participar do esquema e pediu desculpas. "Ainda que nós possamos ter explicações para o que fizemos, não temos justificativas", afirmou. Batista disse que o "sistema" do Brasil muitas vezes cria barreiras para as empresas que querem realizar transacções e que por causa disso optou-se por pagar subornos. "Noutros países fora do Brasil, fomos capazes de expandir os nossos negócios sem transgredir valores éticos".

 

Bill Bullard, CEO da R-Calf, uma associação da indústria da pecuária de Billings, Montana, EUA, que há tempos critica as grandes empresas frigoríficas, também se lembra da sua reprovação quando a JBS entrou no mercado. "A JBS não só conseguiu realizar aquisições com empréstimos garantidos por subornos, mas também foi capaz de entrar no mercado bovino dos EUA e superar as ofertas de potenciais investidores americanos por esses activos", disse. "Usando meios ilícitos, a JBS foi capaz de conquistar o controlo de uma grande fatia da indústria pecuária dos EUA."

 

Além de relatar o pagamento de luvas em troca de recursos do BNDES, Wesley Batista também admitiu o pagamento de subornos em troca de isenções fiscais e disse que iria fornecer provas sobre supostas irregularidades que envolvem órgãos reguladores de segurança alimentar do país. Em Março, a JBS foi envolvida numa outra investigação quando uma das suas fábricas, juntamente com outros 20 frigoríficos, foi acusada de subornar fiscais agro-pecuários para que aprovassem a venda de carne estragada.

Multa recorde de 2,82 mil milhões de euros

A J&F Investimentos, holding que detém a empresa de carnes JBS (maior grupo privado brasileiro), chegou a acordo com o Ministério Público brasileiro para fechar as investigações em torno do processo de corrupção.

 

A multa foi fixada em 10,3 mil milhões de reais (2,8 mil milhões de euros) e representa a maior de sempre. Ainda assim, a empresa, controlada pelos irmãos Batista, beneficiou de uma redução do valor devido à sua colaboração com as autoridades, apresentando provas contra outras figuras, nomeadamente Michel Temer. Inicialmente, o Ministério Público pedia uma multa de 11,2 mil milhões de reais.

 

O processo contra a empresa surge depois de ter sido admitido o pagamento de 600 milhões de reais em subornos a cerca de 1.900 políticos nos últimos anos.

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