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Rússia quer reforçar cooperação militar em África

Acordo assinado com São Tomé pode vir a alterar a posição do país lusófono em relação à guerra na Ucrânia

reuters
19 de Maio de 2024 às 10:36
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A Rússia vai continuar a "explorar novos territórios" em África aos quais estender a sua cooperação militar, não obstante ter assinado acordos com 43 países do continente entre 2015 e novembro de 2023, afirmam contactados pela agência Lusa.

O acordo de cooperação militar assinado por São Tomé e Príncipe a 24 de abril e em vigor desde o passado dia 5 de maio acrescenta mais um país africano à já extensa lista das relações de segurança e defesa entre a Rússia e África, mas a presença russa no continente "não é substantiva em termos de investimento" e tem sido "largamente amplificada pela desinformação russa", afirmou a investigadora do Crisis Group International, Enrica Pico, em declarações à Lusa.

"A Rússia vai continuar a ter uma presença significativa e deverá querer explorar novos territórios ou novas áreas [em África],  além do Sahel, onde entrou na sequência de vários golpes de Estado", disse, por outro lado, Nicodemus Minde, investigador do Institute for Security Studies (ISS), em Pretória.

Segundo este analista, "Moscovo não está a olhar só para a África Ocidental, mas também para a África Oriental, nomeadamente para o Quénia, Tanzânia, Uganda, Sudão, e mais para o Sul, para Moçambique também, sendo que com o Zimbabué e com a África do Sul mantém estreitas relações históricas".

Também Enrica Pico considera que a Rússia continuará a alargar a sua presença no continente africano, mas mantê-la-á "ligeira". Moscovo "alargará o número de acordos com países com os quais pode manter essa presença e influência ligeiras, se isso não custar muito investimento", afirmou à Lusa.

De acordo com a investigadora, que fez parte do painel de peritos das Nações Unidas para a República Centro Africana, onde a Rússia se tem mantido presente através do grupo paramilitar Wagner Group, "esta estratégia está muito enraizada, e os russos vão aproveitar todas as oportunidades que puderem".

"E se a oportunidade vier das antigas colónias portuguesas ou de outros países que não estavam tão abertos a Moscovo até agora, eles não vão desaproveitá-la; vão manter os olhos abertos a qualquer tipo de oportunidade, como fizeram até agora", sublinhou.

De acordo com uma investigação publicada pelo "think tank" do Parlamento Europeu (PE) em fevereiro último, a invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022 e o subsequente confronto aberto com o Ocidente em "todas as arenas", "colocaram novamente em evidência o continente africano como uma área de rivalidade geopolítica", a que Moscovo - mas não só - dedicou particular atenção.

"O atual envolvimento da Rússia no continente procura quebrar o isolamento diplomático e económico imposto pelo Ocidente, reafirmar a sua própria relevância na cena internacional como uma líder do novo `mundo policêntrico` e fazer avançar as suas ambições geoestratégicas em matéria de exploração mineira, energia e presença militar em zonas fundamentais", escreveram os investigadores do gabinete de estudos do PE Anna Caprile e Eric Pichon.

Esta investigação destapou a existência de acordos militares assinados por Moscovo com 43 países africanos entre 2015 e novembro de 2023.

"Estes acordos traduzem vários níveis de envolvimento, desde acordos gerais e cerimoniais a uma cooperação mais específica e substancial em domínios como a formação de pessoal militar, fornecimento de armas, apoio à luta contra o terrorismo e acesso a portos e bases aéreas militares ou civis", escrevem os investigadores.

O acordo com São Tomé é semelhante, mas traz uma novidade substantiva ao prever a "cooperação" entre os dois países "no quadro de organizações e fóruns internacionais sobre questões fundamentais de segurança e estabilidade internacionais", segundo o texto do acordo, a que a Lusa teve acesso.

Como são Tomé votou por duas vezes na Assembleia Geral das Nações Unidas a condenação da invasão russa da Ucrânia, o que atrás ficou formalizado assume particular relevância numa eventual mudança da posição são-tomense em relação à guerra na Europa.

Para além de ter tentado estabelecer bases militares próprias em seis países (República Centro-Africana, Egito, Eritreia, Madagáscar, Moçambique e Sudão, de acordo com o estudo), "apenas o acordo com o Sudão parece continuar a ser ativamente prosseguido".

"Se for concluído, o acordo com o Sudão [de onde surgem indicações de que Moscovo está a apoiar ambos os lados da guerra iniciada em 15 de abril de 2023] permitirá à Rússia estabelecer um "ponto de abastecimento logístico" em Porto Sudão para navios militares, incluindo navios nucleares, e instalar até 300 soldados na base naval", sublinham Caprile e Pichon.

Através de acordos de cooperação militar e de acordos "ad hoc", a Rússia tornou-se um importante fornecedor de armas a África.

As importações da Rússia representaram 40% das importações africanas de sistemas de armas importantes no período entre 2018 e 2022, ultrapassando os fornecimentos dos Estados Unidos, da Europa e da China.

Aém do comércio de armas, o comércio da Rússia com África aumentou substancialmente desde 2005, embora seja ainda relativamente insignificante quando comparado com outros parceiros comerciais.

Em 2022, as importações de África provenientes da Rússia representavam menos de 2% do total das importações do continente, enquanto as importações provenientes da União Europeia e da China representavam 25% e 18% do mercado, respetivamente, segundo a investigação do gabinete do PE.

Já as exportações de África para a Rússia representam uma parte ainda mais pequena do mercado (menos de 1% em 2022, contra 33% para a UE e 12,18 % para a China). A quota dos Estados Unidos é de aproximadamente 5%, tanto nas exportações como nas importações.

Finalmente, a Rússia tem uma presença considerável no mercado mineiro e energético africano, sendo que "as concessões mineiras russas estão concentradas em países caracterizados por uma má governação, como a República Centro-Africana, a Guiné Conacri, Madagáscar, Moçambique e o Sudão, o que permite esbater a linha entre concessões oficiais e concessões não oficiais", segundo os investigadores.

O envolvimento russo em projetos de extração de petróleo e gás natural é mais diversificado em termos geográficos, mas, mais uma vez, Caprile e Pichon sublinham que "as empresas russas não são parceiros oficiais em nenhum dos grandes projetos africanos de petróleo e gás". Com efeito, a Rússia contribui com menos de 1% do investimento direto estrangeiro no setor no continente.

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