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Reações à morte de Eduardo dos Santos: de pai querido a ditador
Na hora de lembrar Eduardo dos Santos, as reações portuguesas, até as institucionais, tocaram extremos. Cavaco Silva fala de um “artífice decisivo na construção da paz” de Angola, e João Soares num "chefe da nomenclatura cleptocrática".
De Portugal, da comunidade internacional e, claro, de Angola, chegam palavras de pesar e homenagens a José Eduardo dos Santos, o ex-presidente que morreu esta sexta-feira, depois de duas semanas em coma, internado numa clínica em Barcelona.
A mais pessoal é da filha Tchizé dos Santos, que escreveu nas redes sociais que "os pais nunca morrem" e "vivem para sempre" nos filhos, minutos após o anúncio da morte de Eduardo dos Santos.
Em Angola foi decretado luto nacional de cinco dias, e o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) partido do antigo Presidente, manifestou "consternação" pela sua morte e anunciou que suspendeu toda a sua atividade política até ao fim do luto nacional. Também a UNITA, o principal partido da oposição, cancelou o comício que tinha previsto para sábado em Luanda, exprimindo sentimentos de pesar aos familiares e amigos do ex-presidente.
Reparos à conduta de Eduardo dos Santos chegaram do antigo primeiro-ministro de Angola Marcolino Moco, que apesar de considerar que o antigo Presidente foi "um grande estadista", que conseguiu manter a integridade territorial do país, no tempo da Guerra Fria, "falhou redondamente" na construção da democracia. "E falhou redondamente, porque continuamos sob a sua égide, e agora também sob a égide de João Loureço [atual Presidente da República], a ter um Estado que é de exclusão", reforçou.
De "notável figura nacional" a "chefe da nomenclatura cleptocrática"
De Portugal não se fizeram tardar reações de elevadas figuras do Estado, tanto atuais como do passado. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou condolências a João Lourenço, e descreveu Eduardo dos Santos como um "protagonista decisivo nas relações entre os Estados e os Povos Angolano e Português".
O presidente da Assembleia, Augusto Santos Silva, realçou o "contributo determinante" do ex-chefe de Estado para a construção da paz no país, e enviou sentidas condolências ao povo angolano e à Assembleia Nacional deste país.
Já Cavaco Silva apelidou o antigo Presidente de Angola de "notável figura nacional" e "artífice decisivo na construção da paz e da reconciliação nacional da nação angolana", com quem mantinha "uma duradoura relação de confiança, que permitiu ultrapassar as dificuldades que marcavam as relações" entre os dois países na década de 1980.
Também o ex-primeiro-ministro Durão Barroso lembrou "com saudade" o antigo Presidente angolano, destacando "o patriota" e "o estadista" que ficará na História do seu país e de África.
Mas nem todos foram tão elogiosos. O socialista e ex-ministro da Cultura João Soares lamentou a morte de José Eduardo dos Santos, mas ressalvou que foi "o chefe da nomenclatura cleptocrática" durante muitos anos. "Teve os melhores cuidados médicos, sobretudo fora de Angola, porque infelizmente a Angola que ele e o João Lourenço deixam, eles são inseparáveis apesar do drama ‘shakespeariano’ entre eles, é uma Angola onde ninguém pode ter um tratamento médico decente, nem sequer a nomenclatura cleptocrática que governa Angola há 48 anos", disse à agência.
Das bancadas partidárias, as reações divergiram. O PSD optou por destacar o papel de Eduardo dos Santos "na consolidação da independência" e "construção dos alicerces da paz e da unidade nacional" de Angola, bem como o PS, que considerou ter sido um "agente decisivo" na construção da paz em Angola.
O PCP transmitiu "sentidas condolências" ao MPLA e à população angolana, considerando que o antigo Presidente conduziu o país "à vitória sobre o domínio colonial português".
Já o Chega ressalvou que "não podemos esquecer o ditador, o homem que apesar das promessas de democratização, verdadeiramente nunca o conseguiu concretizar". Na mesma linha, o Bloco de Esquerda afirmou que José Eduardo dos Santos liderou Angola "em função dos seus interesses" e "contra o povo", num "regime autocrático e cleptocrático", defendendo que a sua morte não pode "limpar uma história" manchada pela "triste realidade".
CPLP, Guiné-Bissau e Cabo Verde de luto
A morte de José Eduardo dos Santos também gerou reações do mundo lusófono, com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) a registar "com pesar" a morte do ex-presidente angolano, que diz ser uma "grande perda para Angola e, também, para o mundo da Língua Portuguesa".
O "Presidente fundador CPLP, José Eduardo dos Santos foi sempre militante e defensor incansável da projeção da Língua Portuguesa e da consolidação da nossa Comunidade", pode ler-se numa nota do secretário executivo da organização, Zacarias da Costa.
Em Cabo Verde, o Presidente José Maria Neves afirmou que o seu país "perdeu um grande amigo" e que o arquipélago está "de luto". "Cabo Verde perde um grande amigo e um líder africano que sempre contribuiu para o crescimento económico e espiritual destas ilhas, de modo que também estaremos de luto pela morte do Presidente José Eduardo dos Santos", afirmou.
E também na Guiné-Bissau, o Presidente Umaro Sissoco Embaló lembrou José Eduardo dos Santos como um "líder ímpar", que lutou pela causa de África.
"Era um líder ímpar. O Presidente José Eduardo dos Santos era um grande panafricanista. Um homem que lutou e se dedicou pela causa de África, não só pela causa angolana. Nós temos de render homenagem a esse digno filho de África", afirmou. O Presidente guineense, que falava no aeroporto Osvaldo Vieira, em Bissau, após ter regressado ao país de Dacar, onde participou na cimeira entre o Banco Mundial e África, disse ainda que "não é só a Guiné-Bissau, é toda a África que está de luto". "Perdemos um grande filho de África. A Guiné-Bissau, como é óbvio, tem de render homenagem a esse grande homem", salientou.