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Investigações a políticos “são sempre de interesse público”

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem considerado que informações sobre actos praticados por titulares de cargos públicos no exercício das suas funções, são sempre de interesse público. Proibi-las é violar a liberdade de expressão.

Cátia Barbosa/Negócios
07 de Novembro de 2015 às 10:00
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Todas as informações sobre a conduta de titulares ou ex-titulares de cargos públicos, "que tenham a ver com o exercício das suas funções, a utilização de fundos públicos, ou patologias do poder político, entre outras, são de relevante interesse público". Tem sido esse o entendimento do Tribunal Europeu dos direitos do Homem (TEDH), do Supremo Tribunal norte-americano e, em termos gerais, dos autores que vêm estudando a liberdade de expressão.

A explicação é de Jónatas Machado, professor de direito em Coimbra, constitucionalista e um dos maiores especialistas do país em questões de liberdade de expressão. Um tema que saltou para discussão pública com a recente providência cautelar que veio proibir os jornais e televisão do grupo Cofina (ao qual pertence o Negócios) de publicar notícias com informação constante dos autos do processo Operação Marquês, em que é arguido o ex-primeiro-ministro, José Sócrates.

Existe a maior suspeição constitucional relativamente
a providências cautelares
contra órgãos
de comunicação social .
Jónatas Machado
Professor e especialista
em Liberdade de expressão

"O TEDH tem dito repetidamente que os jornalistas, actuando de acordo com a deontologia, têm um direito e um dever excepcional, uma missão constitucional de informação sobre estas condutas", concretiza Jónatas Machado, salientando que "existe a maior suspeição constitucional relativamente a providências cautelares contra órgãos de comunicação social que estejam no exercício da sua função informativa e envolvendo figuras públicas".

A providência cautelar foi apresentada pela defesa de José Sócrates com o fundamento de que notícias que vinham a ser publicadas violavam o segredo de justiça e colocavam em causa o direito ao bom nome e à honra, o direito à imagem e o direito à reserva da intimidade privada do ex-governante. A juíza do processo decidiu dar-lhe razão. Considerou, não só que as notícias publicadas não tinham interesse público relevante como, sobretudo, violavam o segredo de justiça.

Acontece que José Sócrates é um ex-primeiro-ministro e está a ser investigado por actos cometidos no exercício do cargo.

Um governante "abre-se ao escrutínio público"

Não querendo comentar o processo, Francisco Teixeira da Mota, advogado, especialista em Direito da Comunicação, lembra todas as vezes em que Portugal já foi condenado no TEDH por violação do direito à liberdade de expressão. O pensamento do tribunal é o de que um governante "abre-se ao escrutínio público das suas palavras e actos pelos jornalistas e pelo público em geral, pelo que deve apresentar um maior grau de tolerância à crítica", cita Teixeira da Mota, no seu livro "A Liberdade de Expressão em Tribunal".

Mesmo no caso em que os processos estão em segredo de justiça? Mesmo nesses, confirma Teixeira da Mota e, naturalmente, "ponderando o jornalista se deve ou não publicar". De resto, aqui, "se há violação do segredo de justiça, devia ter sido, desde logo, o Ministério Público a actuar, na esfera penal", defende Nuno Garoupa, especialista e investigador na área do direito e agora na liderança da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Para Nuno Garoupa não devia haver, de todo, segredo de Justiça e enquanto "esse problema a montante não for resolvido", vai haver sempre situações destas, sustenta, lembrando o caso dos Estados Unidos em que pura e simplesmente a figura não existe. "Deve prevalecer sempre o direito à liberdade de informar e esta decisão do tribunal é um precedente perigoso e inaceitável", remata.

Notícias tinham interesse público?
Mas havia interesse público na divulgação dos factos noticiados, designadamente pelo Correio da Manhã e pela revista Sábado, por exemplo, de uma conversa telefónica com António Guterres? Essas conversas "podem ter interesse público na medida em que forem indício de uma certa conduta, dos circuitos de amigos que se formam nos partidos, as cumplicidades, a forma como toma decisões quem está no poder", explica Jónatas Machado. 

E quanto a noticiar pormenores sobre conversas pessoais com familiares? Quando se entra no campo da intimidade, as questões têm de ser de ser vistas caso a caso e "o jornalista tem de procurar a conexão com a faceta de figura pública". Mas lembra o exemplo das "festas Bunga-Bunga, de Berlusconi, em que participavam outras figuras públicas e claro que havia interesse público". Em suma, "mesmo certas informações íntimas podem, afinal, assumir interesse público".
Tribunal: O que impôs a providência cautelar?
Os advogados de José Sócrates alegaram que estava a ser posto em causa o seu bom nome e violado o segredo de Justiça. A juíza valorizou, sobretudo, este último aspecto.

Prevalece o segredo de justiça

O tribunal entendeu que, não obstante o conflito com a liberdade de expressão, havia violação do segredo de justiça e que este devia prevalecer, bem como a presunção de inocência do arguido e os direitos de personalidade. Cederia aqui o direito a informar que, considerou a magistrada, tem como limites aqueles direitos constitucionais.

Não havia interesse público nas notícias

A decisão judicial conclui que não havia, nas notícias publicadas sobre Sócrates e a Operação Marquês, um interesse publico subjacente. E refere-se como exemplo a informações obtidas através de escutas telefónicas, algumas até da vida privada de pessoas que não foram constituídas arguidas.

Todos os meios da Cofina abrangidos

A decisão proíbe todos os meios da Cofina, jornais, revistas televisão, em papel vídeo ou online, de publicarem quaisquer elementos de prova constantes do inquérito da Operação Marquês enquanto este estiver em segredo de justiça. E as notícias já publicadas no online devem ser tiradas, bem como retirados de circulação os jornais e revistas. Os jornalistas do correio da Manhã que são assistentes no processo ficaram também proibidos de facultar o acesso aos autos a outros, em especial jornalistas da Cofina.

Multas graves para o incumprimento
O tribunal fixou uma sanção pecuniária compulsória para garantir que as ordens eram cumpridas. As multas, entre os 500 e os dois mil euros, consoante se trate de jornalistas ou do próprio grupo Cofina, serão aplicadas por cada infracção praticada.

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