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Só há quatro países a taxar as fortunas e Portugal não é um deles

É um paradoxo: a concentração da riqueza tem vindo a aumentar mas são cada vez menos os países com impostos sobre o património líquido global. Para a OCDE uma taxa sobre a riqueza é dispensável se, em alternativa, os países tiverem um imposto sucessório eficiente e taxas progressivas sobre o capital.

Miguel Baltazar/Negócios
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Com os níveis de concentração da riqueza a aumentar, a OCDE vem dizer que é preciso assegurar que o capital é efectivamente tributado. Como? De preferência através do imposto sucessório e de impostos progressivos sobre o capital. Não os havendo, então um imposto sobre todo o património líquido, que hoje em dia só existe em quatro países.

Em dois relatórios divulgados esta quinta-feira, 12 de Abril, o organismo sedeado em Paris mostra-se preocupado com o aumento das desigualdades na distribuição do rendimento e do património. Considerando que o sistema fiscal é um dos instrumentos mais eficazes para reduzir as desigualdades e promover um crescimento mais inclusivo, a OCDE explora possíveis caminhos para aumentar a justiça fiscal.

Um deles é o famoso mas pouco expressivo imposto global sobre a riqueza – uma taxa que incida sobre todo o património mobiliário e imobiliário, mas líquido dos empréstimos. Todos os países têm impostos sobre o imobiliário (o equivalente ao IMI ou AIMI) mas não há um equivalente para o património mobiliário (nomeadamente aplicações financeiras) que assumem mais expressão entre os mais ricos.

Existem poucos argumentos para defender um imposto sobre o património global líquido (riqueza) em duplicação com impostos sobre o capital e impostos sucessórios bem desenhados. Mas há argumentos para defender uma taxa sobre a riqueza global enquanto substituto imperfeito destes outros impostos. OCDE


Este imposto já foi relativamente popular e na década de 1990, altura em que 12 países, todos eles europeus, o tinham. Só que, de então para cá foi sendo sucessivamente abandonado e hoje em dia só quatro o têm: a Suíça, onde ele mais rende (1% do PIB ou 3,7% da receita fiscal), a Noruega, Espanha e França.

O organismo nota o paradoxo que é os países estarem a bater em retirada precisamente quando a concentração de riqueza aumenta, e numa altura em que a tecnologia e as trocas de informações o vão tornando mais eficazes, mas também reconhece que este imposto não seria a sua primeira escolha para cumprir o desejável equilíbrio entre eficiência e equidade fiscal.

Imposto sucessório traz mais justiça
E é aí que entra a segunda hipótese. O ideal, diz a OCDE, será uma combinação entre impostos sobre sucessões e doações e impostos progressivos sobre o capital.

Hoje em dia, 26 em 35 países da OCDE têm imposto sucessório, mas, face às múltiplas excepções entretanto criadas, ele acaba por não ter expressão. Para o organismo, este imposto devia ser efectivo, até porque é menos distorcivo do que um imposto sobre a riqueza líquida: uma herança traduz-se numa vantagem não merecida, ao passo que um imposto sobre a riqueza tributa tanto as vantagens não merecidas como as que resultaram do esforço individual, podendo conduzir a situações de dupla tributação.

Ao nível dos impostos sobre os ganhos de capital, a ideia é garantir que eles são justos. E, como os mais ricos tendem a ter mais rendimentos financeiros, é sugerido que a tributação é progressiva: seja zero nos rendimentos mais baixos e vá subindo à medida que o rendimento sobe.

Na declaração institucional que acompanha a divulgação dos dois estudos, Pascal Saint-Amans, director responsável pela área fiscal da OCDE, sublinha que as propostas vertidas nos dois estudos não representam necessariamente um aumento da carga fiscal, mas antes um rearranjo na sua distribuição.

Se estas recomendações fossem levadas à letra, em Portugal isto implicaria transformações nas nossas regras. Portugal não tem um imposto global sobre o património nem tributa a grande maioria das heranças. Também não tem impostos progressivos sobre os rendimentos de capital.



Tributação do património global

Principais conclusões dos estudos da OCDE

A OCDE publicou esta quinta-feira dois estudos que se cruzam: um sobre a evolução da tributação da riqueza, outro sobre a taxação das poupanças das famílias. Ambos concluem que é preciso que os governos desenhem melhor os seus sistemas fiscais para reduzirem as crescentes desigualdades de rendimento e património. Deixamos-lhe os principais tópicos que resultam dos estudos. 

1 - Riqueza sobe, taxação desce
Nos últimos anos, houve um agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza. Contudo, o número de países que lançam impostos sobre o património global líquido ou sobre a riqueza líquida (património mobiliário e imobiliário deduzido dos encargos financeiros) tem vindo a reduzir-se, à semelhança da receita fiscal obtida por esta via. Em 1990 havia 12 países da OCDE com estes impostos, maioritariamente europeus, mas a lista hoje em dia reduz-se a 4: Suíça (onde é mais rentável: 1% do PIB), Espanha (onde representa 0,2% do PIB), França (0,2% do PIB) e Noruega (0,4% do PIB). Os que ficaram pelo caminho foram a Áustria (em 1994), Dinamarca (1997), Alemanha (1997), Holanda (2001), Finlândia, Islândia e Luxemburgo (2006) e a Suécia (2007).

2 - Imposto sucessório com muitas excepções
Outra forma de tributação que reduz as desigualdades é o imposto sucessório, que a OCDE defende por criar menos distorções. 26 dos 35 países analisados pela OCDE têm este imposto sobre as doações e heranças, mas as múltiplas excepções previstas acabam por  torná-lo pouco eficaz. Ao todo, a receita destes impostos caiu de 1,1% da receita fiscal global na década de 1960 para os 0,4% hoje em dia. É o caso de Portugal, onde a receita por esta via não tem expressão (ver gráfico).

3 - Património é mais desigual que o rendimento
A riqueza (património global acumulado em termos líquidos) é mais desigualmente distribuída do que o rendimento porque há muitas famílias que, ganhando algum dinheiro, não chegam a poupar para constituir património. De acordo com uma análise da OCDE a 18 países, os 40% mais "pobres" apenas têm  3% de toda a riqueza das famílias embora concentrem 20% do rendimento gerado. Do lado oposto, os 10% mais ricos concentram 50% da riqueza (e o 1% dos mais ricos concentram 20% da riqueza).

4 - Ricos apostam mais no património financeiro
A OCDE remete para um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para situar que entre 70% a 90% do património detido pelas famílias é património não financeiro (sobretudo por causa das casas de família). Contudo, a distribuição varia consoante o nível de rendimento. Entre os 20% da população com mais riqueza líquida (entre 18 países analisados), o património imobiliário também é o activo dominante (por causa de terceiras, quartas e quintas casas de família) mas o património financeiro já assume bem mais expressão: cerca de 33% do património global. É por isso que o estudo da OCDE considera que uma tributação mais eficaz do capital (seja através de impostos progressivos ou, em segunda linha, um imposto sobre a riqueza global) contribuiriam para a redução das desigualdades.

5 - Depósitos são o principal activo financeiro
Embora a situação varie muito entre países e entre classes, o activo activo financeiro mais comum são os depósitos bancários. Sendo certo que, quanto mais ricas são as famílias, menor é o peso que os depósitos bancários assumem no cabaz. Para se ter uma ideia, enquanto eles representam 52,4% do património no decil mais baixo das famílias, no mais alto apenas pesam 42,4%, em média. Títulos financeiros como acções e obrigações apenas pesam em média 1,9% no património não financeiro total, e estão concentradas no topo da escala de distribuição de riqueza: no último decil as acções representam 7,4% e as obrigações 5,3% do total do património líquido global.

6 - Mais rico = menos poupança para a reforma
O nível de património também influencia a proporção de poupança para a reforma das famílias. Em média, as poupanças aplicadas em produtos para a aposentação representam 22,8% do património financeiro das famílias, em média. Só que esta percentagem é apenas de 16,9% entre os 10% que concentram maior património liquido (contra 31,8% no primeiro decil). Ou seja, quanto maior a concentração de riqueza, menor o peso que os produtos para a reforma têm no património financeiro global.

7 - Rendimento e património de braço dado
Existe uma correlação entre rendimento e património: aqueles que têm maior rendimento têm maior probabilidade de ser ricos e vice-versa. É uma conclusão que corrobora aquilo que é o senso comum, já que, quanto mais dinheiro se ganha, maior a possibilidade de constituir poupança e acumular riqueza. Só que, segundo o estudo da OCDE, esta correlação não se verifica sempre com a mesma intensidade: é mais forte nos extremos e mais fraca nos decis intermédios.

8 - Capitais e heranças podem ser melhor taxados
A OCDE considera que é preciso usar mais eficazmente os impostos para diminuir a concentração de riqueza, mas não necessariamente através de um imposto sobre a riqueza líquida. Se os países tiverem um sistema de tributação dos capitais bem desenhado e tributação sobre as heranças, os argumentos para, em cima disso, avançar com um imposto sobre a riqueza líquida são fracos. Uma proposta é que os impostos sobre os rendimentos de capitais (juros, dividendos, mais-valias) é que eles sejam progressivos - subam à medida que o rendimento sobe. Ao nível dos impostos sucessórios, que sejam efectivos, já que são centrais para reduzir as disparidades na concentração da riqueza e menos distorcivos que uma taxa sobre o património liquido global. Se não houver um sistema eficiente de tributação de heranças e capitais, então, há argumentos do ponto de vista da eficiência e equidade para se avançar para um imposto sobre a riqueza liquida.

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