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Só há quatro países a taxar as fortunas e Portugal não é um deles
É um paradoxo: a concentração da riqueza tem vindo a aumentar mas são cada vez menos os países com impostos sobre o património líquido global. Para a OCDE uma taxa sobre a riqueza é dispensável se, em alternativa, os países tiverem um imposto sucessório eficiente e taxas progressivas sobre o capital.
Com os níveis de concentração da riqueza a aumentar, a OCDE vem dizer que é preciso assegurar que o capital é efectivamente tributado. Como? De preferência através do imposto sucessório e de impostos progressivos sobre o capital. Não os havendo, então um imposto sobre todo o património líquido, que hoje em dia só existe em quatro países.
Em dois relatórios divulgados esta quinta-feira, 12 de Abril, o organismo sedeado em Paris mostra-se preocupado com o aumento das desigualdades na distribuição do rendimento e do património. Considerando que o sistema fiscal é um dos instrumentos mais eficazes para reduzir as desigualdades e promover um crescimento mais inclusivo, a OCDE explora possíveis caminhos para aumentar a justiça fiscal.
Um deles é o famoso mas pouco expressivo imposto global sobre a riqueza – uma taxa que incida sobre todo o património mobiliário e imobiliário, mas líquido dos empréstimos. Todos os países têm impostos sobre o imobiliário (o equivalente ao IMI ou AIMI) mas não há um equivalente para o património mobiliário (nomeadamente aplicações financeiras) que assumem mais expressão entre os mais ricos.
Este imposto já foi relativamente popular e na década de 1990, altura em que 12 países, todos eles europeus, o tinham. Só que, de então para cá foi sendo sucessivamente abandonado e hoje em dia só quatro o têm: a Suíça, onde ele mais rende (1% do PIB ou 3,7% da receita fiscal), a Noruega, Espanha e França.
O organismo nota o paradoxo que é os países estarem a bater em retirada precisamente quando a concentração de riqueza aumenta, e numa altura em que a tecnologia e as trocas de informações o vão tornando mais eficazes, mas também reconhece que este imposto não seria a sua primeira escolha para cumprir o desejável equilíbrio entre eficiência e equidade fiscal.
Imposto sucessório traz mais justiça
E é aí que entra a segunda hipótese. O ideal, diz a OCDE, será uma combinação entre impostos sobre sucessões e doações e impostos progressivos sobre o capital.
Hoje em dia, 26 em 35 países da OCDE têm imposto sucessório, mas, face às múltiplas excepções entretanto criadas, ele acaba por não ter expressão. Para o organismo, este imposto devia ser efectivo, até porque é menos distorcivo do que um imposto sobre a riqueza líquida: uma herança traduz-se numa vantagem não merecida, ao passo que um imposto sobre a riqueza tributa tanto as vantagens não merecidas como as que resultaram do esforço individual, podendo conduzir a situações de dupla tributação.
Ao nível dos impostos sobre os ganhos de capital, a ideia é garantir que eles são justos. E, como os mais ricos tendem a ter mais rendimentos financeiros, é sugerido que a tributação é progressiva: seja zero nos rendimentos mais baixos e vá subindo à medida que o rendimento sobe.
Se estas recomendações fossem levadas à letra, em Portugal isto implicaria transformações nas nossas regras. Portugal não tem um imposto global sobre o património nem tributa a grande maioria das heranças. Também não tem impostos progressivos sobre os rendimentos de capital.
Principais conclusões dos estudos da OCDE
A OCDE publicou esta quinta-feira dois estudos que se cruzam: um sobre a evolução da tributação da riqueza, outro sobre a taxação das poupanças das famílias. Ambos concluem que é preciso que os governos desenhem melhor os seus sistemas fiscais para reduzirem as crescentes desigualdades de rendimento e património. Deixamos-lhe os principais tópicos que resultam dos estudos.
1 - Riqueza sobe, taxação desce
Nos últimos anos, houve um agravamento da desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza. Contudo, o número de países que lançam impostos sobre o património global líquido ou sobre a riqueza líquida (património mobiliário e imobiliário deduzido dos encargos financeiros) tem vindo a reduzir-se, à semelhança da receita fiscal obtida por esta via. Em 1990 havia 12 países da OCDE com estes impostos, maioritariamente europeus, mas a lista hoje em dia reduz-se a 4: Suíça (onde é mais rentável: 1% do PIB), Espanha (onde representa 0,2% do PIB), França (0,2% do PIB) e Noruega (0,4% do PIB). Os que ficaram pelo caminho foram a Áustria (em 1994), Dinamarca (1997), Alemanha (1997), Holanda (2001), Finlândia, Islândia e Luxemburgo (2006) e a Suécia (2007).
Outra forma de tributação que reduz as desigualdades é o imposto sucessório, que a OCDE defende por criar menos distorções. 26 dos 35 países analisados pela OCDE têm este imposto sobre as doações e heranças, mas as múltiplas excepções previstas acabam por torná-lo pouco eficaz. Ao todo, a receita destes impostos caiu de 1,1% da receita fiscal global na década de 1960 para os 0,4% hoje em dia. É o caso de Portugal, onde a receita por esta via não tem expressão (ver gráfico).
3 - Património é mais desigual que o rendimento
A riqueza (património global acumulado em termos líquidos) é mais desigualmente distribuída do que o rendimento porque há muitas famílias que, ganhando algum dinheiro, não chegam a poupar para constituir património. De acordo com uma análise da OCDE a 18 países, os 40% mais "pobres" apenas têm 3% de toda a riqueza das famílias embora concentrem 20% do rendimento gerado. Do lado oposto, os 10% mais ricos concentram 50% da riqueza (e o 1% dos mais ricos concentram 20% da riqueza).
4 - Ricos apostam mais no património financeiro
A OCDE remete para um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para situar que entre 70% a 90% do património detido pelas famílias é património não financeiro (sobretudo por causa das casas de família). Contudo, a distribuição varia consoante o nível de rendimento. Entre os 20% da população com mais riqueza líquida (entre 18 países analisados), o património imobiliário também é o activo dominante (por causa de terceiras, quartas e quintas casas de família) mas o património financeiro já assume bem mais expressão: cerca de 33% do património global. É por isso que o estudo da OCDE considera que uma tributação mais eficaz do capital (seja através de impostos progressivos ou, em segunda linha, um imposto sobre a riqueza global) contribuiriam para a redução das desigualdades.
5 - Depósitos são o principal activo financeiro
Embora a situação varie muito entre países e entre classes, o activo activo financeiro mais comum são os depósitos bancários. Sendo certo que, quanto mais ricas são as famílias, menor é o peso que os depósitos bancários assumem no cabaz. Para se ter uma ideia, enquanto eles representam 52,4% do património no decil mais baixo das famílias, no mais alto apenas pesam 42,4%, em média. Títulos financeiros como acções e obrigações apenas pesam em média 1,9% no património não financeiro total, e estão concentradas no topo da escala de distribuição de riqueza: no último decil as acções representam 7,4% e as obrigações 5,3% do total do património líquido global.
6 - Mais rico = menos poupança para a reforma
O nível de património também influencia a proporção de poupança para a reforma das famílias. Em média, as poupanças aplicadas em produtos para a aposentação representam 22,8% do património financeiro das famílias, em média. Só que esta percentagem é apenas de 16,9% entre os 10% que concentram maior património liquido (contra 31,8% no primeiro decil). Ou seja, quanto maior a concentração de riqueza, menor o peso que os produtos para a reforma têm no património financeiro global.
7 - Rendimento e património de braço dado
Existe uma correlação entre rendimento e património: aqueles que têm maior rendimento têm maior probabilidade de ser ricos e vice-versa. É uma conclusão que corrobora aquilo que é o senso comum, já que, quanto mais dinheiro se ganha, maior a possibilidade de constituir poupança e acumular riqueza. Só que, segundo o estudo da OCDE, esta correlação não se verifica sempre com a mesma intensidade: é mais forte nos extremos e mais fraca nos decis intermédios.
8 - Capitais e heranças podem ser melhor taxados
A OCDE considera que é preciso usar mais eficazmente os impostos para diminuir a concentração de riqueza, mas não necessariamente através de um imposto sobre a riqueza líquida. Se os países tiverem um sistema de tributação dos capitais bem desenhado e tributação sobre as heranças, os argumentos para, em cima disso, avançar com um imposto sobre a riqueza líquida são fracos. Uma proposta é que os impostos sobre os rendimentos de capitais (juros, dividendos, mais-valias) é que eles sejam progressivos - subam à medida que o rendimento sobe. Ao nível dos impostos sucessórios, que sejam efectivos, já que são centrais para reduzir as disparidades na concentração da riqueza e menos distorcivos que uma taxa sobre o património liquido global. Se não houver um sistema eficiente de tributação de heranças e capitais, então, há argumentos do ponto de vista da eficiência e equidade para se avançar para um imposto sobre a riqueza liquida.