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Os desafios da primeira mulher à frente do Fisco

Lista VIP, e-fatura, gestão dos poderes internos, modernização, arrecadação de receita: não faltam desafios a Helena Borges, a primeira mulher a chegar à liderança de um dos maiores e mais poderosos organismos do Estado.

05 de Janeiro de 2016 às 16:21
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Pela primeira vez nos seus quase dois séculos de história, um dos maiores e mais poderosos organismos da Administração Pública será gerido por uma mulher. Trata-se de um lugar decisivo, numa casa essencial para as receitas públicas, onde se gere uma massa incalculável de informação sobre cidadãos e empresas, e onde um simples parecer pode valer milhões de euros.

Helena Borges foi o nome escolhido pelo Governo do PS para liderar a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pelos próximos cinco anos, sucedendo a António Brigas Afonso, triturado pela polémica lista VIP. Com uma carreira praticamente concentrada no Fisco, onde ingressou em 1982, a dirigente teve uma passagem de oito anos pelo ministério da Justiça, onde ingressou a convite da então ministra Celeste Cardona. É desses tempos que lhe atribuem a sua proximidade ao CDS/PP, o partido que a colocou em regime de substiuição quando, numa altura atribulada da vida interna da instituição, a cadeira ficou vazia.  

Aos 53 anos de idade, esta licenciada em gestão pelo ISEG, terá entre mãos uma máquina grande e pesada, muito pulverizada por todo o território e com enorme influência, e que, também por isso, é marcada por frequentes disputas internas de poder. 

 

Mais importante que muitos ministérios

A AT é o principal cofre do Estado. Cabe-lhe administrar e arrecadar todos os anos mais de 40 mil milhões de euros dos mais diversos impostos, o que corresponde a cerca de 60% da receita pública. Trata-se de uma característica que lhe confere, só por si, uma importância destacada entre os demais organismos públicos. E é esta função que faz com que se ouça dizer frequentemente que é mais importante do que muitos ministérios.

Num momento em que o País está pressionado a equilibrar as suas contas públicas em contexto de crescimento fraco, aumento de benefícios e atenuação de algumas taxas de tributação, é sobre si que impendem as responsabilidade de levar a receita fiscal a bom porto e ajudar a manter o défice abaixo dos 3% do PIB.

 

11 mil trabalhadores, grande dispersão

A AT tem igualmente uma expressão física bem acima da média da Administração Pública: a directora-geral herdará a gestão de cerca de 11 mil pessoas distribuídas por 21 distritos do continente e ilhas, uma estrutura orgânica que muitos consideram ser arcaica e desajustada da evolução tecnológica entretanto ocorrida, e que aspiram a continuar a ser tratados como um grupo de elite, com estatuto equiparável ao dos órgãos de soberania.

Gerir os equilíbrios internos é outro dos desafios que terá pela frente.

Bases de dados: o Fisco a vigiar todos 

 

Cresap deixou de divulgar "short-lists"
Helena Borges foi um dos três nomes propostos pela Cresap ao Governo, depois de ter feito as entrevistas. Contudo, contrariamente ao que acontecia até aqui, o organismo liderado por João Bilhim não divulga a lista dos três nomes por si seleccionados até que o candidato escolhido seja oficialmente nomeado. Esta nova política resulta de uma alteração ao Estatuto do Pessoal Dirigente operada em Setembro de 2015, e que João Bilhim resolveu aplicar retroactivamente, aos concursos que já tinham sido lançados ao abrigo ainda da legislação anterior. 
Helena Borges integrou agora a "short-list" depois de nos dois concursos anteriores não ter chegado lá e de, no primeiro, não ter sido considerada apta. O Negócios perguntou à Cresap  como se justifica uma mudança de posição do júri tão grande num espaço relativamente curto de tempo, mas não obteve resposta. .

Mas o seu poder efectivo está muito para lá da dimensão da máquina ou da necessidade de assegurar um eficiente financiamento das funções vitais do Estado. Ao longo dos últimos anos, o Fisco foi desmaterializando procedimentos e exigindo a comunicação de um número crescente de informações. 

A centralização de informação individualizada e o cruzamento de dados com outras entidades é de tal modo gigantesco que, hoje em dia, e numa questão de minutos, o retrato financeiro e patrimonial de qualquer cidadão fica acessível a quem gere a máquina fiscal.


Quanto ganha e quem lhe paga, qual o património imobiliário que tem, o que herdou, os depósitos bancários, os certificados de aforro e os dividendos e as mais-valias que recebeu, as participações sociais que detém, o carro que conduz… tudo faz parte de uma incalculável massa de informação que passou a ser gerida pela AT.

 

Foi esta circunstância que esteve na génese da polémica lista VIP, um projecto que existiu no Fisco que pretendia colocar alguns contribuintes notáveis a salvo da curiosidade indiscreta dos funcionários, e que ainda hoje não está sanado.

 

Helena Borges terá de gerir a incomodidade que as novas regras de controlo de acessos continuam a causar e, mais do que isso, decidir o que faz com as recomendações da Inspecção-Geral de Finanças, que considera que também devem ser instaurados processos disciplinares a António Brigas Afonso e José Maria Pires, antigos altos quadros que estiveram envolvidos no processo.

 

E-fatura: um pau de dois bicos

Outro bico-de-obra que tem pela frente a curto prazo é o e-fatura, o poderoso sistema que está em marcha e que obriga as empresas a comunicarem mensalmente ao Fisco todas as vendas que fizeram e que precisa de contínuos aperfeiçoamentos.

 

Se, do lado das empresas, o e-fatura é um importante aliado na detecção de erros e de fraudes fiscais, aumentando o potencial de receita, poderá também revelar-se uma dor de cabeça quando surgir a entrega do IRS deste ano.

 

Num país onde 35% da população não tem acesso à internet e com um mecanismo complexo ainda pouco oleado de preenchimento das declarações, a AT poderá ver-se nos próximos meses confrontada com uma chuva de críticas de quem não está familiarizado com as novidades, de quem não sabe lidar com o sistema, ou de quem para lá do prazo percebe que as suas deduções afinal não foram consideradas e pagou mais IRS.

 

Pareceres que valem milhões 
É também no Fisco que se movimentam muitos milhões de euros de forma invisível. A AT aplica as leis mas, dada a complexidade de que a vida financeira e tributária se reveste, é chamada a intervir amiúde através de interpretações técnicas, acabando ela própria por ser fazedora de normas.


Há muitos casos em que a interpretação da lei fiscal acaba por ser mais importante do que a lei fiscal propriamente dita, e é aqui que se pode jogar muito dinheiro. No Fisco, admite-se que a sua tradição administrativa é ser secreta, e que é na falta de transparência que radica "o poder indevido que alguns cargos ainda acumulam". Se quiser levar a transparência a sério, Helena Borges terá muito por onde desbastar caminho. 

Notícia onde se aproveita informação recolhida no âmbito do trabalho publicado pelo Negócios em Junho de 2014, intitulado "Fisco, a caixa-forte muda de vigia"

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