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Espanha condenada no TJUE por obrigar contribuintes a declarar bens no estrangeiro

Um acórdão hoje conhecido conclui que a Autoridade Tributária espanhola vai longe de mais nas exigências a quem tem bens no estrangeiro e nas coimas que aplica, impondo assim restrições desproporcionais à livre circulação de capitais e violando a lei europeia.

Madrid
27 de Janeiro de 2022 às 12:44
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A lei espanhola viola o direito europeu e mais concretamente o princípio da livre circulação de capitais ao exigir aos cidadãos residentes que declarem bens acima de 50.000 euros que detêm no estrangeiro, obrigando-os a pagar elevadas coimas pelo incumprimento de tal obrigação.  A conclusão é do Tribunal de Justiça da União Europeia, num acórdão conhecido esta quinta-feira e que vai obrigar Espanha a alterar a sua  legislação. 


A obrigação de apresentação desta declaração, conhecida como ‘modelo 720’ "e as sanções ligadas à inobservância ou ao respeito imperfeito ou tardio dessa obrigação, que não conhecem equivalente no respeitante aos bens ou direitos situados em Espanha, instituem uma diferença de tratamento entre os residentes espanhóis consoante a localização dos seus ativos", salienta o tribunal, numa nota enviada à imprensa.


Os juízes consideram que a obrigação imposta pela lei fiscal espanhola até pode justificar-se, na medida em que apesar de existirem mecanismos de troca de informações, o resultado é menos eficiente do que os meios que têm para conhecer os ativos situados no território espanhol detidos pelos residentes. Porém, o fisco vai demasiado longe nas exigências.


Desde logo, explica o tribunal, porque não se prevê qualquer possibilidade de os infratores beneficiarem da prescrição. Isso significa, na prática, que a administração fiscal espanhola pode, sem qualquer limite temporal, proceder à liquidação adicional do imposto que considere devido tendo em conta o valor dos bens localizados no estrangeiro e não declarados ou declarados de forma incompleta. Assim, "o dispositivo adotado pelo legislador espanhol, para além de incluir um efeito de imprescritibilidade, permite também à administração fiscal pôr em causa uma prescrição já adquirida pelo contribuinte, o que vai contra a exigência fundamental de segurança jurídica", lê-se na nota do TJUE.


Coimas desproporcionais e com caráter extremamente repressivo

Também as coimas previstas são consideradas desproporcionais e com um "caráter extremamente repressivo". Com efeito, a lei prevê a aplicação de uma coima de 150 % do montante do imposto em falta, sendo que o somatório desta coima com outras também aplicáveis e de montante fixo "pode acabar por levar, em muitos casos, o montante total das quantias devidas pelo contribuinte a mais de 100 % do valor dos seus bens ou dos seus direitos no estrangeiro". Ora, salientam os juízes, "isso constitui uma violação desproporcionada da livre circulação de capitais".


Também as coimas fixas são, aliás, consideradas ilegais, já que o respetivo montante "não tem comparação com as sanções previstas por infrações similares num contexto puramente nacional". Refira-se que as coimas aplicadas pelo Fisco espanhol nestes casos são de "5.000 euros por dado ou categoria de dados em falta, incompleto, inexato ou falso, com um mínimo de 10.000 euros, e de 100 euros por dado ou categoria de dados declarado extemporaneamente ou, não tendo sido declarado pela via desmaterializada quando exigida, com um mínimo de 1.500 euros".  


"Ao associar consequências tão graves ao desrespeito de uma obrigação declarativa, o legislador espanhol foi além do necessário para garantir a eficácia dos controlos fiscais e lutar contra a fraude e evasão fiscais", remata o tribunal.


Foi a Comissão Europeia que decidiu levar a modelo 720 espanhola aos tribunais luxemburgueses. O Executivo Comunitário argumentou que considerou então que tanto as sanções quanto a falta de aplicação das regras de prescrição "normais" restringem várias das liberdades protegidas nos tratados da União. "Ainda que em princípio estas medidas possam ser adequadas para atingir os objetivos perseguidos, que são a prevenção e o combate à elisão e fraude fiscais, são desproporcionadas", pode ler-se no processo instaurado no verão de 2019 perante os juízes comunitários.


O caso do taxista que ficou sem nada

A declaração de bens no exterior foi aprovada no seguimento da amnistia fiscal aprovada pelo governo do PP em 2012. Permitia-se que os infratores regularizassem quase gratuitamente o dinheiro não declarado que tinham no estrangeiro, mas a partir de 2013 teriam que confessar todos os bens que possuíam no exterior, caso contrário arriscariam coimas elevadas. 


Um caso que ficaria famoso, relatado pelo jornal El Pais, foi o de um motorista de táxi reformado que trabalhou na Suíça como emigrante e que tinha nesse país uma poupança de 340.255 euros, investidos em dois fundos de investimento no UBS. O fisco espanhol multou-o em 253.950,98 euros por apresentar a declaração de bens no estrangeiro fora do prazo e, além disso, reivindicou outros 169.300 euros por regularização do valor não declarado e mais 16.016 euros de juros de mora, num total de 439.267 euros por não ter comunicado que tinha 340.000 euros no exterior.

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