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"Com regras diferentes em cada município será uma Babilónia"
O presidente da Associação Portuguesa dos Peritos Avaliadores de Engenharia (APAE) está preocupado com a perda de regulação que antecipa com a passagem da competência das avaliações fiscais dos prédios para as câmaras municipais.
A transferência para as câmaras põe em risco a uniformidade de procedimentos nas avaliações?
Hoje em dia há uma definição de critérios que define uma uniformidade de trabalho. E esta só existe com um sistema minimamente centralizado, com uma boa cadeia de comando e uma definição a nível nacional e que toda a gente segue. O facto de haver um sistema a nível nacional, completamente desmaterializado, veio trazer para os peritos a confiança no trabalho. Sentem que há regulação. Com uma transferência para as autarquias isso fica em risco.
Porquê?
Porque afasta imediatamente uma tutela. As administrações locais são poder eleito e há uma autonomia que é respeitável e que é legítima. Mas agora a direcção de serviços de avaliações coordena a nível central. Daí emanam regras, faz-se o controle, há formação contínua. O sistema está muito bem montado. Com a passagem para as câmaras isso deixa de fazer sentido. Como é que a AT vai dar formação a uma entidade estranha que não lhe tem obediência? E como é que funciona a entrada das câmaras neste circuito atendendo a que em princípio – se não teria custos elevadíssimos – a AT vai continuar com este sistema [informático]?
Acredita que nas câmaras está garantida a isenção?
Em 2009 a AT teve de proceder à substituição de peritos porque o Código do IMI diz que não pode ser perito um individuo que tenha algum tipo de interesse na avaliação. E com base nisso entendeu-se que os funcionários das câmaras tinham incompatibilidade de funções em estarem a trabalhar como peritos locais no serviço de Finanças da câmara. E tiveram de ser mudados. É evidente que se pode alterar a Lei. Mas se lá foi posto é porque tem alguma lógica do ponto de vista ético.
As câmaras estão preparadas para recrutar peritos e dar formação?
Na AT há grandes exigências, não entra qualquer um e sendo um procedimento nacional, as regras são mais fechadas do que se for um procedimento local. Agora os peritos são seleccionados em função dos parâmetros, desde logo porque as pessoas não se conhecem.
Se passar a haver regras diferentes em cada município…
Imagine a babilónia que será.
As regras de avaliação, essas terão de ser as mesmas, não é?
É impossível. Em termos procedimentais, vai haver aqui areias na engrenagem, seguramente. Podem ser as regras do código da contribuição predial [que vigorava antes do IMI], em que as avaliações eram feitas por comissões, a nível local. Mas isso era voltar uns anos atrás. Passou-se para o CIMI e criaram-se regras a nível nacional porque as regras não eram transparentes. Por outro lado, não faz sentido passar as competências para as câmaras e depois continuar um corpo [de peritos] sem massa crítica. Para estabelecer regras é preciso haver conhecimento. E aqui este corpo funciona.
Hoje em dia qual é o percurso de um pedido de avaliação de um imóvel?
Todo o processo está desmaterializado. Quando alguém pede uma avaliação apresenta um Modelo 1 pela internet. Passa para a área do chefe de Finanças que, em função do volume de trabalho que tem, transfere para o perito pelo próprio sistema. Simultaneamente vai um pedido para a câmara municipal carregar todos os elementos e as que têm mais dimensão também desmaterializaram tudo. O Perito recorre aos elementos que tem no sistema, se for caso disso faz a vistoria, carrega a avaliação que passa imediatamente para a área do chefe de finanças, este verifica se está correcto, se não estiver devolve ao perito. No entanto, faz isso na perspectiva de chamar a atenção, porque o perito é independente e isso está muito claro no sistema. E se o perito entender que não, mantém a sua posição.
Podem manter a mesma independência nas câmaras.
Sim, podem, mas só o facto de as decisões serem tomadas a nível local… dez a decidirem já tomam decisões diferentes. Aqui a decisão é praticamente única [a nível do país]. Por exemplo, se há dúvidas sobre como se avaliam as torres eólicas, ou relativamente a uma interpretação legislativa. Se for na câmara, o perito está sozinho, vai ter que tomar uma decisão provavelmente errada. Aqui há uma massa de pessoas a trabalhar sobre o assunto e a decisão tem muito mais garantias de ser a correcta. E depois é transmitida a todos os serviços e todos os peritos têm de actuar em conformidade. Esta actuação em rede enriquece o sistema. São mais de 800 pessoas a contribuir para um sistema que vai desaparecer se tivermos cada pessoa a trabalhar ao nível local.
Actualmente há alguma intervenção das câmaras no zonamento?
Há. Este sistema está assente em dois pilares, o zonamento e a avaliação propriamente dita. O zonamento consiste na definição de zonas homogéneas de valor de mercado e é revisto de três em três anos. É desenhado numa plataforma em ambiente sistema de informação geográfica, que permite a identificação clara dos prédios. Não é fácil fazer isto ao nível das câmaras. Uma câmara com quatro ou cinco mil habitantes não tem condições.
E qual é o papel das câmaras?
O perito local tem a ajuda de um interlocutor das câmaras municipais, que vai intervindo, recolhendo elementos e dando contributos. Depois há um perito regional que faz a uniformização de fronteiras que depois se multiplica até à escala nacional. Os coeficientes de localização têm de ser justificados com amostras reais de prédios. Se a CANAPU [Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos, que supervisiona o processo] lá quiser ir ver se aquilo é real pode ir. a CNAPU faz depois uma avaliação prévia, o trabalho volta à AT, que o remete às câmaras para se pronunciarem. Estas concordam ou propõem alterações que são depois avaliadas pela CNAPU que, em última análise, é soberana. Não há pressões politicas, mas há muitas posições divergentes. E há muitos zonamentos municipais que são aprovados contra a vontade das câmaras.
Como é que esta CANPU funcionará se a capacidade de decisão passar para as câmaras?
Acha que as câmaras vão aceitar alguma coisa? Claro que não vão. E depois, as câmaras trabalham ao seu ritmo. A CNAPU iria ter um papel secundário.
E à partida terão se ser as câmaras a decidir as reclamações dos VPT que sejam fixados, não é?
As câmaras vão ter que ter uma estrutura para nomear os peritos, para lhe dar formação, fiscalizar. E têm de ter um corpo jurídico para as reclamações. Não acredito que as câmaras estejam interessadas e muito menos as de menor dimensão. Se quiserem fazer tudo como deve de ser, este imposto vais ser neutro, dados os custos, que são muitos. Numa câmara como Lisboa poderia valer a pena, noutras mais pequenas, não. Isto vai claramente no sentido da desregulação. Os peritos sentem-se confortáveis porque tem um suporte técnico, jurídico e informático que lhes dá segurança. Sem isso ficam entregues a si próprios. Perdem o acervo de informação de todos os outros peritos e isso é um regredir uns bons anos. e isso tudo é prejudicial para os peritos, por isso é que eles estão nervosos.