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2009: O procedimento que ensombra o país há oito anos

A grande recessão internacional, o plano anti-crise de estímulos acordado a nível europeu, e a gestão orçamental em ano eleitora, levaram o défice de 2009 até aos 9% do PIB.

A grande recessão internacional, o plano anti-crise de estímulos acordado a nível europeu, e a gestão orçamental em ano eleitora, levaram o défice de 2009 até aos 9% do PIB.
Pedro Elias
30 de Maio de 2017 às 23:10
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Não foi uma experiência nova para Portugal, mas foi uma das mais longas e dolorosas. Em 2009 o país ficou sujeito pela terceira vez na história ao Procedimento dos Défices Excessivos (PDE), um sistema de vigilância apertada previsto nas regras europeias para os países que violam o limite de défice de 3% do PIB e de dívida de 60% do PIB.

Mal se sabia na altura que só oito anos depois sairia, após a Europa ter atravessado a maior crise internacional desde a década de 1930 que ameaçou de morte o euro, que forçou o país ao seu terceiro programa de ajustamento do FMI (desta vez com numa troika com BCE e Comissão Europeia) e deixou todo o Ocidente com cicatrizes económicas e sociais ainda visíveis.

O primeiro passo para a entrada de Portugal no PDE foi dado em Outubro de 2009 pela Comissão Europeia, face às perspectivas de violação do limite do défice e à derrapagem da dívida. "O excesso [de défice] planeado face ao valor de referência de 3% do PIB é excepcional. Em particular, resulta, entre outras coisas, de uma recessão económica severa (…)", lê--se no documento, onde se acrescenta que o défice deveria ficar acima de 3% do PIB também em 2010, mesmo com a reversão dos estímulos orçamentais que tinham sido implementados ao abrigo de um pacote europeu anti-crise acordado no final de 2008. No documento, Bruxelas também dá nota do aumento previsto da dívida de 63,5% do PIB em 2007 para 81,5% do PIB em 2010. O procedimento vinha a caminho.

Mas numa altura em que todos os países se debatiam com as ondas de choque da crise financeira, a avaliação apontava para a inevitabilidade da abertura do procedimento, sem dramatizações e contextualizando-o na grande recessão desse ano. Um sinal de alguma credibilidade ganha pelo primeiro governo de José Sócrates, que reduziu o défice público de 6,1% do PIB em 2005 para 2,8% do PIB em 2008 (valores entretanto revistos em alta devido a alterações metodológicas).

A maior recessão da história da UE

A degradação da situação orçamental nacional era pior do que se antecipava. Mas estava respaldada na crise internacional e nas orientações anti-crise europeias, em particular o Plano Europeu de Relançamento Económico.

Face à travagem brusca da economia internacional, a resposta europeia passou por, no final de 2008, coordenar um plano de estímulos, no qual cada capital faria as suas escolhas de despesa, nomeadamente investimentos, de forma a implementar um estímulo orçamental de 1,5% do PIB ao nível da União, ou seja 200 mil milhões de euros.

A intenção europeia era boa e a maior parte dos economistas concordava que fazia sentido face à travagem económica internacional e aos sinais de contracção da procura por parte do sector privado. Mas as insuficiências da arquitectura do euro, o cepticismo alemão quanto ao expansionismo orçamental nesta União Europeia e as fragilidades das economias da periferia deitaram por terra esta estratégia keynesiana.

Em Setembro de 2009, com a crise a revelar-se violenta e as contas públicas a reflectirem uma evolução mais negativa do que a antecipada, a Europa iniciou uma inflexão na sua estratégia anti-crise. Isso mesmo se pode observar, por exemplo, num texto publicado em Setembro de 2009 por Marco Buti, economista-chefe da Comissão que, ao mesmo tempo que elogiava a resposta rápida europeia à "maior recessão desde 1930, com uma projecção de contracção do PIB de 4%", defendia a preparação imediata de uma estratégia de saída. Após 2011 faria falta "uma consolidação orçamental significativa (...) para reverter o aumento insustentável da dívida". Mas tudo aconteceu antes. Em Junho de 2009, apenas seis meses após o lançamento do plano de estímulos, a Alemanha sinalizou o seu desconforto e destacou-se de todos os outros membros com a introdução na Constituição de uma polémica regra de limite ao aumento de dívida pública. E embora o défice alemão tenha subido a 4,2% do PIB em 2010, em 2011, no pico da crise, já estava em 1% do PIB, tendo o país registado excedentes em quatro dos cinco anos que se seguiram.

Portugal também inverteu a sua política, mas por necessidade e em reacção à degradação das condições orçamentais e às recomendações europeias. No mesmo relatório de avaliação orçamental que iniciou o PDE destacava-se que os estímulos em Portugal chegariam ao fim ainda nesse ano: o pacote de estímulo português (de 1,25% do PIB) foi descrito como "atempado e restrito" e com a "maior parte das medidas a serem temporárias e limitadas a 2009". Esse era um ponto positivo, numa economia que, de acordo com a informação disponível na altura, caminhava para um défice na casa dos 6% do PIB.

Poder-se-á dizer que na crise a Europa foi "keynesiana" por um ano, em 2009. A inversão da estratégia intensificou-se nos anos seguintes, com os resgates grego e irlandês em 2010, e o português em 2011, a servirem de justificação para a narrativa, hoje questionada pela maioria das análises, de que o problema europeu era, na essência, uma questão orçamental.
Nessa altura, as limitações do tipo de intervenção nos mercados operada pelo BCE para evitar ataques a dívidas públicas nacionais, e a natureza estrutural dos desequilíbrios macroeconómicos que geraram ‘stocks’ preocupantes de dívida externa no Sul da Zona Euro foram desvalorizados. Até pelo menos 2012, a resposta europeia acabou a ser quase exclusivamente marcada por forte contenção orçamental e monetária.


Portugal viola as regras

Mas se o problema europeu era muito mais que uma questão orçamental, não se pode negar que a evolução em Portugal inspirava cuidados, já em 2009, em parte pela forma descontrolada como evoluíram as contas públicas, e pela incapacidade ou recusa do governo em antecipar os efeitos da crise ao longo de um ano marcado por eleições legislativas.

No Orçamento do Estado para 2009, apresentado no final de 2008, a cerca de um ano das eleições, Teixeira dos Santos mostrava-se optimista: avançou com uma estimativa de crescimento económico de 0,6% para 2009 (Bruxelas previa 0,1%) e um défice de 2,2% do PIB (Comissão apontava para -2,8% do PIB), que incluiu o famoso aumento de 2,9% nos salários da função pública.

A recessão acabou por ser de 3% em Portugal (-4,4% na Zona Euro), e o défice orçamental foi sucessivamente revisto em alta: com a metodologia de então, os 2,2% do PIB do Orçamento passaram a 3,9% do PIB em Março, a 5,9% do PIB em Maio, e terminaram em mais de 9% do PIB conhecidos já em 2010, depois das eleições legislativas. Hoje, nas estatísticas europeias, com uma metodologia mais exigente, surgem registados défices de 9,8% do PIB em 2009 e 11,2% em 2010. A dívida pública escalou de 71,7% em 2008, para 96,2% no ano seguinte. A abertura do PDE tornou-se inevitável e a 30 de Novembro o Conselho da UE decretou que Portugal se encontrava em défice excessivo, que deveria corrigir até 2013.

Saída lenta do PDE

Desde a abertura do procedimento, passaram quase oito anos. Pelo meio Portugal foi resgatado em 2011 e sujeito a um programa de ajustamento da troika, a meta para redução do défice orçamental para valores inferiores aos 3% do PIB foi, em 2012, adiada de 2013 para 2014, depois para 2015, e finalmente para 2016. Foi esse objectivo que foi atingido no ano passado, não sem antes experimentar um verão quente em que a Europa ponderou multar o país por não ter feito um ajustamento orçamental estrutural significativo entre 2013 e 2015.

Portugal está a agora a um pequeno passo de fechar, finalmente, o Procedimento dos Défices Excessivos (PDE). Essa é pelo menos a recomendação da Comissão Europeia, apresentada em Maio, depois de os dois últimos governos terem reduzido o desequilíbrio orçamental dos 11,2% do PIB de 2010 para 2% no ano passado, e de se esperar que permaneça inferior a 3% do PIB nos dois próximos anos.

Se o Conselho da UE confirmar a decisão, como se espera, Portugal deixará o braço correctivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e passará ao seu braço preventivo. Nele, a supervisão e controlo europeu sobre as contas ficará mais aliviado, mas as metas a que o país fica sujeito não serão menos exigentes. Ao abrigo das regras de rigor orçamental que foram aprovadas em 2012, no calor da crise, o país terá agora que reduzir o saldo orçamental estrutural em 0,6% do PIB por ano até atingir um excedente estrutural de 0,25% do PIB – o que corresponde, nas contas mais recentes de Mário Centeno, a transformar o défice global de 2% do PIB de 2016, num excedente orçamental global de 1,3% do PIB.

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