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Holanda: megacoligação a caminho para barrar o "Trump do Norte"
As primeiras eleições num país europeu depois do Brexit e Trump realizam-se nesta quarta-feira. O Partido da Liberdade, que quer tirar a Holanda da UE e fechar mesquitas, está bem lançado nas sondagens, mas não chegará ao poder. Preço? Coligação de quatro ou cinco partidos.
Se a democracia fosse medida pelo número de opções de voto, a Holanda seria hoje provavelmente a nação mais democrática do mundo. Um recorde de 81 movimentos candidatou-se às eleições legislativas, e um novo recorde de 28 partidos foi aceite pela comissão eleitoral e constará, assim, do boletim de voto que será submetido aos holandeses esta quarta-feira, 15 de Março. Há escolhas para todos os gostos, incluindo um partido cuja única promessa eleitoral é nada fazer. Paradoxalmente, um dos que prometem receber mais votos será barrado à porta do poder.
À frente nas sondagens, ou muito perto disso, o Partido da Liberdade (PVV) confunde-se com o seu líder populista. Aos 53 anos, Geert Wilders (na foto), um admirador de Donald Trump e de Marine Le Pen, usa o mesmo louro platinado no cabelo e discurso inflamado contra os imigrantes.
Dissidente do Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), no poder, Wilders promete encerrar mesquitas e proibir o Corão, que diz ser um livro ideológico (não religioso) comparável ao "Mein Kampf" de Adolf Hitler e banido do país. E promete, sobretudo, travar a imigração, em particular a magrebina. "É claro, nem todos são escumalha, mas há muita escumalha marroquina na Holanda que deixa as nossas ruas perigosas, sobretudo jovens. Isso tem que mudar".
Segundo algumas sondagens, o PVV poderá duplicar os 15 lugares que controla no actual parlamento, onde já é a terceira maior força, e até ficar à frente do VVD (centro-direita), do primeiro-ministro Mark Rutte, que tem hoje 41 assentos. Mesmo que vença, não será, porém, governo: todos os principais partidos declararam-se indisponíveis para coligações com o PVV. O "cordão sanitário" em torno de Wilders impedirá assim, à partida, uma guinada mais radical e populista na Holanda que será o primeiro país da UE a ir a votos depois do Brexit e da vitória de Trump. Seguem-se os pesos pesados: França, em Maio, e Alemanha, em Setembro.
Com 17 milhões de habitantes e um Parlamento de 150 deputados (bem menos do que os 230 em Portugal onde vivem 10 milhões), a Holanda sempre teve um sistema político fragmentado. Nos últimos 100 anos, todos os governos foram de coligação de dois ou três partidos. Mas no novo Parlamento poderá figurar um outro recorde: 14 partidos, em vez dos 12 actuais, o que, tendo em conta a promessa de que o PVV será ostracizado, deverá forçar a soluções de governo ainda mais alargadas e difíceis de montar, de quatro ou mesmo cinco partidos, de modo a que possam abarcar o mínimo de 76 deputados capazes de suportar uma maioria.
Num país abastado (estatisticamente os holandeses são duas vezes mais ricos do que os alemães), conhecido pela tolerância e abertura multicultural (cerca de 5% da população é muçulmana), que, após dois anos de recessão, deu a volta à crise, cresce mais de 2% e pôs o desemprego abaixo de 6%, a dificuldade em integrar comunidades estrangeiras tem sido "o" tema da campanha. Após ter evitado esse terreno, no final de Janeiro o primeiro-ministro e líder do VVD entrou nele com os dois pés.
Numa reinterpretação do lema "em Roma, sê romano", Rutte publicou uma carta aberta aos holandeses na qual diz compreender e partilhar o "crescente desconforto" perante o "desrespeito das regras no trânsito, o lixo atirado nas ruas, o assédio aos homossexuais e a mulheres de mini-saia", convidando a sair os que "recusam adaptar-se e cumprir os nossos hábitos, e rejeitam os nossos valores". "Os que não gostam de um país devem partir. É uma escolha que todos temos quando vivemos num sítio cujo estilo de vida nos desagrada tanto". Comportem-se normalmente ou vão embora". Desde então, as sondagens dão a dianteira ao VVD, ainda que muito ligeira.
(Correcção: holandeses são duas vezes mais ricos que os alemães, segundo levantamento do BCE