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PS vincula estafetas às plataformas digitais a não ser que o tribunal escolha o intermediário

A nova proposta do PS estabelece que a presunção de contrato que pode transformar um estafeta a recibos verdes num trabalhador com contrato sem termo é feita com a plataforma digital. Mas permite que esta alegue que o empregador é o intermediário, caso em que caberá ao tribunal decidir quem é, afinal, o patrão.

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A quarta versão da proposta do PS/Governo sobre a regulação do trabalho nas plataformas digitais, apresentada esta quinta-feira no Parlamento, prevê agora que a presunção de contrato de trabalho se faça à partida com a plataforma digital (caso da Uber ou da Bolt), mas não prescinde da possibilidade de vinculação alternativa com a pequena ou média empresa intermediária: se as plataformas o defenderem, caberá ao tribunal decidir quem é a entidade empregadora.

O que se tem discutido um pouco por toda a Europa são as circunstâncias em que os estafetas (ou eventualmente motoristas), que geralmente trabalham a recibos verdes, podem ver reconhecido em tribunal um contrato de trabalho dependente. A proposta de diretiva europeia quer que estes contratos sejam assumidos pelas multinacionais, mas em Portugal o processo que já vai na fase de especialidade tem sido criticado por se admitir, em alternativa, a vinculação com os intermediários.

A nova proposta do PS, apresentada esta quinta-feira e consultada pelo Negócios, procura dar resposta às críticas, ao explicar que se presume a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital (e já não com o intermediário) se verifiquem alguns ("pelo menos dois") dos seis indícios, incluindo a fixação de retribuição, a supervisão da atividade por meios eletrónicos ou gestão algorítmica; ou o exercício de poderes laborais como a desativação da conta (os indícios estão detalhados no final deste texto).

Contudo, apesar de apontar agora, em primeiro lugar, para a vinculação com a plataforma digital, a proposta que concretiza os ajustamentos solicitados pelo primeiro-ministro na terça-feira não prescinde da possibilidade de vinculação com as pequenas e médias empresas intermediárias, embora estabeleça de forma mais articulada em que situações é que isso acontece.

A alternativa que pode gerar discussão

Tal como já se previa, esta presunção da existência de contrato pode ser afastada "nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata". 

Há no entanto um novo ponto que diz que a "plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores".

Neste caso, "ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário a que se refere o número anterior, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção de existência de contrato, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora".

A possibilidade de vinculação do estafeta ao intermediário não estava prevista na versão inicial de outubro, mas foi introduzida pelo Governo na proposta de lei que submeteu em junho. Desde então, os termos em que o contrato pode ser estabelecido com uma ou com outra entidade empregadora têm vindo a ser alterados.

O PS mantém a proposta que prevê que a plataforma digital é solidariamente responsável pelos créditos (como salários) não pagos pelo intermediário, e pelas contribuições sociais ou coimas dos últimos três anos. Também mantém a norma que prevê que cabe ao tribunal decidir que normas do Código são compatíveis com as especificidades desta atividade, o que levou os especialistas a pedir a criação de um regime próprio que ajude a esclarecer as dúvidas.


Esta quarta-feira o PS tinha pedido um "consenso alargado" em torno da nova proposta, não sendo ainda claro que o novo texto convença algum dos restantes partidos. Nos últimos dias, o PSD e o PCP têm deixado claro que se opõem, por diferentes motivos, à regulamentação desta matéria na lei do trabalho. O BE tem pedido que o Governo deixe cair o intermediário, o que também obrigaria a uma revisão da lei do transporte de passageiros (TVDE), não prevista nesta proposta.

Os indícios que o tribunal vai avaliarnova proposta do PS mantém os indícios que já constavam das anteriores, e que são necessários porque em causa estão situações de falso trabalho independente com características diferentes das tradicionais (não havendo horário ou um local de trabalho fixo, por exemplo). Explica que se presume a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem "algumas" (o que é entendido por "pelo menos duas") das seguintes características:

a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;

 

b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;

 

c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;

 

d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;

 

e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;

 

f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por estes explorados através de contrato de locação. 

O que é uma plataforma digital?

Se a proposta do PS for aprovada sem alterações, o Código do Trabalho passa explicar que se entende por plataforma digital "a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da internet 
ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente desse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios".
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