Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Pelo menos 90 eurodeputados desafiam consenso do Parlamento Europeu sobre trabalho nas plataformas digitais

Não é certo que o texto que foi aprovado na comissão do emprego siga para negociações com o Conselho e a Comissão Europeia. Mais de um décimo dos deputados, incluindo do PPE, exigiu que o texto seja votado em plenário, o que está a tornar mais claras divisões na direita e a gerar nervosismo à esquerda.

Listas transnacionais podem ter “efeitos negativos” para a representatividade de Portugal na UE, diz Governo.
Gonzalo Fuentes/Reuters
  • ...

Quando em dezembro a Comissão do Emprego do Parlamento Europeu (PE) fechou finalmente a sua posição sobre a diretiva do trabalho nas plataformas digitais – que no final do processo todos os países da União Europeia (UE) terão de transpor para a legislação nacional – houve um suspiro de alívio por parte de quem apoia a proposta dos eurodeputados. A expectativa era a de que o texto seguisse de imediato para negociações com a Comissão Europeia e com o Conselho Europeu tal como foi aprovado em comissão.

Contudo, na sequência do desafio lançado pela deputada Sara Skyttedal (PPE), da Suécia – país que agora assumiu a presidência rotativa do Conselho - já pelo menos 90 deputados apoiaram a votação do texto em plenário, de acordo com as informações recolhidas pelo Negócios. O Parlamento Europeu confirmou esta quarta-feira que o número necessário de deputados foi atingido, sem revelar quantos.

Para o texto ir a plenário do PE, seriam necessários pouco mais do que 70 votos (um décimo do total). Até ontem ao final da tarde havia já 90 assinaturas, a maioria das quais de deputados do PPE - Partido Popular Europeu (38), mas também do RE - Renovar a Europa (28), do ECR - Conservadores e Reformistas Europeus (14), da ID - Identidade e Democracia (2), além de deputados não inscritos.

Para que o texto seja reaberto é necessário que esta quinta-feira mais de metade dos eurodeputados votem nesse sentido, apoiando a iniciativa da parlamentar sueca.

Em discussão está, como em Portugal, a forma de regular o trabalho nas 516 plataformas digitais que existem na União Europeia (dados de março de 2001), o que é indissociável do próprio modelo de negócio das plataformas digitais: basta pensar na relação entre custo e preço. A dimensão do negócio passou de 3,6 mil milhões de euros em 2016 para 14 mil milhões de euros em 2020, de acordo com as estimativas citadas nos documentos oficiais do Parlamento. Desde então, a pandemia penalizou o transporte de passageiros (-35%), mas potenciou os serviços de entrega de comida (+125%).

As plataformas digitais como a Uber, a Bolt ou a Glovo têm alegado que os estafetas e motoristas são verdadeiros trabalhadores independentes. Os legisladores um pouco por toda a Europa têm considerado que muitos são afinal "falsos recibos verdes": o que está em causa é definir o processo através do qual são reconhecidos como dependentes, não só pelo reconhecimento dos direitos laborais, mas por uma questão de financiamento e sustentabilidade da segurança social.

O que prevê a proposta do Parlamento Europeu?

A proposta do Parlamento Europeu aprovada em dezembro na Comissão do Emprego define as alterações que os deputados entenderam que são necessárias à proposta de diretiva que a Comissão Europeia apresentou há um ano. Depois, como referido, ainda haverá negociações com a Comissão e com o Conselho antes de a diretiva ser transportada para as legislações nacionais – falta saber é se o texto é ou não alterado pelos eurodeputados antes destas negociações, o que será decidido esta quinta-feira.

Ao contrário da proposta de diretiva da Comissão Europeia, que estabelecia que a presunção de contrato com as plataformas se faz se cumpridos dois de cinco critérios (que incluem limites à retribuição ou a supervisão por meios eletrónicos, entre outros), a proposta acertada no Parlamento Europeu prevê que a presunção se faz, à partida, mas invertendo depois o ónus da prova: são as plataformas que têm uma série de critérios para mostrar que em causa estão trabalhadores independentes, porque trabalham para outras empresas do mesmo setor (o que acontece frequentemente) ou porque não são controlados pela plataforma digital.

"Se não [se] fizer nada, o trabalhador é empregado. Mas a plataforma digital pode provar que a pessoa é realmente um trabalhador independente, com critérios [próprios]", resumiu ao Negócios a relatora sombra Leila Chaibï, do grupo parlamentar A Esquerda.

A forma de contestar o "controlo" laboral – e assim afastar a vinculação do trabalhador – segue uma série de outros critérios, embora de forma um pouco vaga, já que o texto da comissão do emprego do Parlamento Europeu apenas diz que estes "devem ser tidos em conta", sem explicar até que ponto ou em que número.

Direita dividida. Esquerda apreensiva

Os eurodeputados com quem o Negócios falou nos últimos dias não acreditam que na sessão plenária de quinta-feira, onde a questão vai ser decidida, a maioria dos deputados apoie a reabertura do texto, o que poderia fragilizar a posição do Parlamento Europeu. Se tal acontecesse, o texto seria sujeito a qualquer alteração votada na próxima sessão plenária, em fevereiro.

"A expectativa que temos é que não haja confirmação do plenário desta intenção destes assinantes", dizia esta quarta-feira João Albuquerque, eurodeputado do PS. Em comissão houve pouco mais de uma dezena de votos contra e na maioria dos casos o plenário apoia os textos da comissão, alega. "Mesmo no PPE, onde está a proponente [do voto em plenário], não estão todos a favor desta iniciativa", disse.

Leila Chabï (The Left) acredita que a situação política favorece um voto maioritário a favor do mandato. "Com a história do Qatargate, do lóbi da Uber", que volta a ser discutido esta quarta-feira, "talvez a maioria dos eurodeputados queira respeitar o que foi votado na comissão".

"A Uber – que foi a que ganhou maior destaque – foi desmascarada pelas práticas agressivas de lóbi que tinha. A narrativa que está a ser criada está muito próxima da das plataformas: informações falsas quanto à reclassificação de trabalhadores, dizendo que a proposta do Parlamento obriga a uma reclassificação automática dos trabalhadores", quando não é assim, sustenta, e esta depende da iniciativa o trabalhador, diz ainda o eurodeputado do PS.

Numa entrevista ao jornal sueco Dagens, a eurodeputada do PPE Sara Skyttedal, que promoveu a votação, diz que é muito importante que o plenário tenha uma palavra a dizer sobre o texto da comissão, que considera "radical". Com esta redação, diz, "até os trabalhadores realmente independentes são presumidamente dependentes, e essa presunção é impossível de afastar num grande número de casos".

Os deputados dizem que o texto em causa não admite especificamente a vinculação aos intermediários, a grande polémica da legislação em Portugal.

* Em Estrasburgo, a convite do Parlamento Europeu 

Ver comentários
Saber mais Diretiva sobre plataformas digitais Parlamento Europeu Comissão Europeia Conselho Europeu lei laboral estafetas
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio