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Plataformas digitais: deputados aprovam presunção de contratos de trabalho e incluem TVDE

O PS e, em parte, o BE, aprovaram na especialidade novas regras que podem levar os tribunais a exigir contratos de trabalho às plataformas digitais. A possibilidade de contrato com as empresas intermediárias desta relação laboral mantém-se, mas em segundo plano. Em caso de dúvida, é o tribunal que decide quem é o patrão.

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Depois de muita discussão, os deputados aprovaram na especialidade as regras que podem levar os tribunais a reconhecer que os estafetas ou motoristas das plataformas digitais (como a Uber, a Bolt ou a Glovo) têm na verdade um contrato de trabalho dependente.

As propostas sobre o tema mais complexo das alterações ao Código do Trabalho foram aprovadas esta noite com os votos favoráveis do PS e, em parte, do BE, num texto que inclui novos contributos dos dois partidos e que deixa claro que o novo regime se aplica aos TVDE.

A proposta que o PS apresentou esta quinta-feira – que é a quarta versão de socialistas ou Governo em pouco mais de um ano – prevê que a presunção de laboralidade seja concretizada, à partida, com a plataforma digital (e já não com o operador intermédio) se forem verificados pelo menos dois dos seis indícios que mostrem que estas pessoas, a recibos verdes, trabalham afinal de forma dependente.

Contudo, como explicámos esta tarde, os socialistas não deixam cair totalmente a possibilidade de o contrato se fazer, em alternativa, com as pequenas e médias empresas intermediárias que operam nestes setores, o que é desde o início encarado como uma forma de proteger as multinacionais dessa responsabilidade.

No entanto, esta possibilidade é agora deixada para segundo plano, num artigo que prevê que a plataforma digital possa contestar essa presunção de contrato não apenas nos termos gerais, mas também invocando que "a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores".

Se isso acontecer, cabe "ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora".

De acordo com o deputado do PS Francisco César, "o objetivo foi alterar substancialmente a nossa proposta. Sempre que se presuma a existência de um contrato de trabalho, essa responsabilidade aplica-se à plataforma digital".

"A plataforma digital tem três hipóteses: a primeira é assumir essa responsabilidade, a segunda passa por invocar que esta atividade não deve ser qualificada [dessa forma] e a terceira é que a presunção se aplique a um intermediário desta mesma plataforma. Mas esta decisão não é sua, ela terá de ser comprovada e decidida pelo tribunal", disse, durante a discussão que precedeu as votações indiciárias em grupo de trabalho.

Nesta nova proposta, "o intermediário é colocado em segundo plano e não ao mesmo nível", comentou esta quinta-feira ao Negócios a professora de Direito de Trabalho Teresa Coelho Moreira. "Também é muito positiva a parte final em que diz que é o tribunal que é competente para decidir quem é a entidade empregadora", acrescentou a ex-coordenadora do Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, que serviu de base a estas alterações.

A especialista, que criticou anteriores versões por incluírem os intermediários, considera que a proposta inicial do Governo, apresentada há um ano, antes das eleições, era mais adequada (por não admitir em caso algum vinculação aos intermediários), mas conclui que a nova proposta do PS foi "melhorada".

Também porque, tal como previsto desde outubro, ainda que haja contrato com o intermediário, as plataformas ficam responsáveis pelo pagamento de créditos laborais e descontos para a Segurança Social que o intermediário não assegure.


TVDE expressamente incluídos. Direitos mais claros

O PS viabilizou uma proposta do BE para deixar claro que a nova presunção de laboralidade se aplica ao transporte de passageiros (TVDE) ao estabelecer que a proposta se aplica às plataformas digitais, designadamente as "que são reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica".

O PS sempre disse que queria incluir os TVDE mas, para os juristas ouvidos pelo Negócios ao longo deste processo, a proposta original não era clara, até porque há uma legislação específica, de 2018, para os TVDE que exige que o intermediário exista neste setor e que ainda não consagra as novas regras.

Os termos da proposta do Bloco de Esquerda só remetem diretamente para uma parte da proposta, a que prevê a presunção de contrato com a plataforma, e não para todo o artigo, que também admite o intermediário.

Os socialistas, que têm maioria, aceitaram ainda uma alteração à norma genérica que dizia que cabia ao juiz decidir que normas do Código do Trabalho se aplicam ou não a esta atividade específica. A proposta do BE que foi aprovada consagra expressamente os direitos, nomeadamente relativos a "acidentes de trabalho, cessação de contrato, proibição de despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, e limites ao período de trabalho e igualdade e não discriminação".

O Bloco de Esquerda votou favoravelmente as normas que estabelecem a vinculação com a plataforma e votou contra as que contemplam o intermediário. Já o PS chumbou outras propostas do BE para obrigar, por exemplo, as plataformas a informar a inspeção do trabalho sobre os contratos que celebraram.

Inspeção do Trabalho tem um ano para fiscalizar o setor Foi ainda aprovada por unanimidade uma proposta do Bloco de Esquerda que prevê que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) desenvolva "uma campanha específica de fiscalização" do setor das plataformas digitais  no primeiro ano após a entrada em vigor desta lei, a chamada "agenda do trabalho digno", que o Governo conta que esteja em vigor até fevereiro. A entrada em vigor estava prevista para janeiro mas no final da reunião os deputados, sobretudo da oposição, explicaram que consideram impossível aprovar o longo diploma ainda este mês.

As inspeções podem ser relevantes porque a ACT tem o poder de desencadear uma ação especial de reconhecimento dos contratos de trabalho, em que de certa forma as autoridades se antecipam à iniciativa do trabalhador.



PCP e PSD contra novas regras

O PSD, que sempre esteve contra o novo artigo, e que viu a sua proposta de eliminação chumbada pelo PS e pelo BE, considera que o novo regime sobre plataformas pode levar outras empresas a prescindir, no futuro, das regras exigidas pela subcontratação. No fundo "usar o escape de intermediário para fugir às regras que hoje existem sobre subcontratação", insistiu o deputado Nuno Carvalho. É um artigo "ligeiro e que prejudica os trabalhadores", acusou.

Alfredo Maia, do PCP, considera que as regras que hoje existem na lei laboral - eventualmente aperfeiçoadas - são suficientes e criticou o facto de o PS não ter prescindido totalmente dos intermediários. "Em que é que ficamos? O PS retira ou mantém esta figura [do intermediário]?" questionou.

Iniciativa Liberal tentou novo adiamento

A votação na especialidade do artigo mais polémico das alterações ao Código do Trabalho (o já famoso artigo 12ºA) ainda esteve em risco de ser adiada pela quarta vez.

O deputado Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, esteve na sala onde decorria o grupo de trabalho sobre as alterações ao Código do Trabalho, pediu o adiamento potestativo da votação do artigo sobre a regulação do trabalho das plataformas digitais e explicou que tinha de sair.

Depois de alguma discussão sobre o regulamento da comissão, os deputados concluiram que a mesma matéria não pode ser adiada mais do que três vezes sem consenso e chumbaram o requerimento da Iniciativa Liberal (IL).

Notícia em atualização




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