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Terrorismo e mentira que mudaram a face política de Espanha

Tragicamente habituada a conviver com o terrorismo há mais de três décadas, Espanha foi uma das nações em que o impacto dos ataques de 11 de Setembro, e os eventos mundiais que se sucederam, mais se fizeram sentir.

10 de Setembro de 2006 às 22:11
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Tragicamente habituada a conviver com o terrorismo há mais de três décadas, Espanha foi uma das nações em que o impacto dos ataques de 11 de Setembro, e os eventos mundiais que se sucederam, mais se fizeram sentir.

Menos de três anos depois dos ataques aos Estados Unidos, motivada pela participação espanhola na invasão do Iraque, uma célula da Al-Qaida em Espanha levou a cabo, em Madrid, um dos atentados mais mortíferos da história europeia e o mais violento da história espanhola.

Explosões sucessivas em comboios de hora de ponta, num acto terrorista que, associado às mentiras do então governo do Partido Popular - que as imputou, mesmo com provas em contrário, à organização ETA - acabaram por mudar a face política de Espanha.

Os repetidos esforços do governo em apontar o dedo à ETA, como principal suspeita de responsabilidade pelos atentados, acabaram por ser penalizados pela sociedade espanhola, primeiro com manifestações nas ruas e depois nas urnas.

Dias depois os socialistas liderados por José Luis Rodríguez Zapatero venciam, contra todas as expectativas iniciais, o sufrágio nacional, com promessas de reformas e que, na política externa, seriam iniciadas com a retirada das tropas espanholas no Iraque.

Uma alteração que ainda hoje suscita polémica, entrando regularmente na agenda política, como ocorreu esta semana durante o debate parlamentar sobre o envio de tropas espanholas para a missão da ONU no Líbano.

Do lado do PP críticas pelo facto do governo socialista ter retirado tropas do Iraque e agora ter decidido enviar tropas ao Líbano.

Do lado do governo comentários a relembrar que a decisão da participação espanhola na guerra do Iraque foi tomada nos Açores - durante a reunião a quatro (EUA, Inglaterra, Espanha e Portugal) que antecipou a invasão - enquanto a do envio para o Líbano foi tomada, por 306 votos a favor e duas abstenções, no Parlamento em Madrid.

Apesar disso, e enquanto se aguarda o julgamento dos alegados responsáveis pelos atentados, Espanha vive, aparentemente, menos preocupada com o terrorismo.

Ou pelo menos assim o indicam todas as sondagens que empurram o problema do terrorismo para o fim da lista de preocupações dos cidadãos, encabeçada por questões como o desemprego, a dificuldade em comprar casa ou outros obstáculos económicos.

Apesar disso, quase diariamente, a imprensa dá conta das dúvidas, incertezas e questões que continuam a cercar o complexo processo judicial do 11 de Março.

Sectores mais à direita teimam em ecoar os rumores das eventuais ligações entre os terroristas e a organização ETA, com acusações directas ao governo e ás autoridades de encobrirem as investigações e de suprimirem provas.

Um debate que é agudizado pelo facto de, dois anos depois, ainda ninguém ter sido acusado de responsabilidade nos atentados que causaram 191 mortos e mais de dois mil feridos.

Em vigor, ainda que menos visíveis talvez pelo maior grau de habituação, continuam as fortes medidas de segurança, muitas já existentes devido à acção da ETA, muitas reforçadas primeiro depois do 11 de Setembro e, posteriormente, depois do 11 de Março.

Regularmente as autoridades actuam contra elementos alegadamente ligados a células terroristas, regularmente surgem notícias de mais movimentações de terroristas.

Este fim-de-semana, por exemplo, a imprensa avançou com notícias que sugeriam que a rede terrorista Al-Qaida recruta, em média três jovens, muçulmanos por mês em Espanha para os enviar para campos de treino, onde se preparam para efectuar a Jihad (guerra santa) no Iraque.

"Em cada ano, o número de mudjahidines espanhóis oscila entre 30 e 40 pessoas", de acordo com o jornal catalão El Periodico, que precisa que este fenómeno "ocorre igualmente na Itália, na França, na Grã-Bretanha e sobretudo na Bélgica".

Os jovens provenientes da Espanha, a quem "faltam formação militar ou experiência de guerrilha urbana", são frequentemente "enviados para ataques suicidas no Iraque, por não poderem ser utilizados para outra coisa", acrescenta o jornal.

Muito além do debate político e do moroso processo judicial, os atentados de Madrid continuam ainda hoje a fazer sentir também o seu impacto, com centenas de vítimas ainda em tratamento hospitalar e psicológico.

A estação de Atocha, principal cenário dos atentados, continua a ser um espaço que causa ligeiro nervosismo a quem a visite. Ainda que, pelo menos no verão, uma discoteca e esplanada, ajude a mudar esse ambiente.

Ultrapassar os fantasmas que persistem passará por um lado pela conclusão de um monumento de homenagem às vítimas, que estará pronto no final deste ano, e por uma mega expansão da capacidade de Atocha, com mais um terminal, mais espaços para comboios e um novo túnel de alta velocidade.

Para os sobreviventes e familiares das vítimas do atentado, porém, o processo mais difícil de recuperação ainda está longe de terminar, com dezenas (muitas delas crianças) ainda a receber tratamento psicológico.

Um processo dificultado pelo que dizem ser a sua constante utilização como arma de arremesso político nos debates sobre o 11 de Março em si e sobre a política antiterrorista no seu conjunto.

E que decorre a par das tentativas do executivo de por fim à violência da ETA, em cessar-fogo desde Fevereiro e com quem o governo está prestes a iniciar conversações.

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