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Sonae critica reforma fiscal

O Grupo Sonae, liderado por Belmiro de Azevedo (na foto), veiculou um comunicado contra a reforma fiscal que o Canal de Negócios publica neste espaço. Isto, um dia depois do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais se ter demitido do Governo.

05 de Dezembro de 2000 às 18:25
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O Grupo Sonae, liderado por Belmiro de Azevedo (na foto), veiculou um comunicado contra a reforma fiscal que o Canal de Negócios publica neste espaço. Isto, um dia depois do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Ricardo Sá Fernandes, o principal promotor da reforma fiscal, se ter demitido do Governo.

POSIÇÃO DO GRUPO SONAE SOBRE A REFORMA FISCAL

1. Numa economia de mercado em ambiente de globalização, as empresas encaram o sistema fiscal do país da respectiva sede como uma matéria quase-constitucional, no sentido de que se trata de um domínio normativo que deve rodear-se de apreciável estabilidade e cujas modificações estruturais requerem um amplo acordo político, para além de exigirem a audição prévia dos agentes económicos. O Grupo Sonae entende que as empresas e empresários têm não só o dever mas também a responsabilidade de emitir opiniões sobre a política económica, já que decisões de natureza macroeconómica emanadas do poder político, podem afectar negativamente as empresas que as têm que acatar.

2. O sistema fiscal introduzido em 1989 representou um enorme progresso no sentido da adopção do modelo dos países desenvolvidos, passando Portugal a contar com uma estrutura assente num imposto sobre as pessoas singulares, de base ampla, um imposto sobre o acréscimo patrimonial das sociedades, um imposto geral de consumo e vários impostos sobre consumos específicos. Subsistiram, porém, impostos menores, manifestamente arcaicos e profundamente distorsores da economia, tais como a sisa, a própria contribuição autárquica e o imposto do selo.

3. O sistema actual está longe de ser um sistema perfeito; mas não há dúvida de que possuíu a eficiência necessária para Portugal enfrentar os desafios que se lhe colocaram nos últimos 12 anos: foi com ele que os sucessivos governos procuraram, com bastante sucesso, aplicar uma política fiscal chamada “de crescimento sustentado”, com massivos investimentos na melhoria das infraestruturas, os quais exigiram volumes elevados de recursos nacionais para adicionar às ajudas comunitárias; foi com ele que, em simultâneo, os mesmos governos conseguiram alcançar os apertados objectivos da convergência exigida pela introdução da moeda única europeia.

4. No discurso oficial, a reforma de que hoje se fala não tem como pressuposto expresso a produtividade do sistema nem a melhoria da competitividade do país, mas antes o modo como se encontra distribuída a carga fiscal. Alega-se que existe falta de equidade — nomeadamente comparando o tratamento que merecem os rendimentos do trabalho com o que é proporcionado aos rendimentos de capital —, e que são alarmantes os níveis de fraude e evasão imputáveis a empresas, profissões liberais e empresários em nome individual. Aquele discurso oficial chega mesmo a assumir, por vezes, a este propósito, contornos ideológicos profundos, parecendo dar a entender que se pretende substituir soluções fiscais “de direita” por soluções fiscais “de esquerda”, o que se afigura como uma atitude surpreendentemente anacrónica.

5. O Grupo Sonae considera que este ambiente não é propício à reflexão sobre o que deve ser o sistema fiscal português. É estranho, na verdade, que se proponha, por exemplo, o agravamento da tributação da poupança, dos dividendos, das mais-valias e, em geral, da organização dos grupos económicos nacionais, quando a nossa pequena economia aberta enfrenta problemas de crescimento, de inflação, de baixo nível de exportações, de elevação do custo dos fundos, de endividamento excessivo, de declínio acelerado do investimento estrangeiro, e quando a nossa bolsa apresenta sintomas tão nítidos de depressão próprios e induzidos. Aos governantes portugueses não devia ser estranho o facto de países europeus com muito menos problemas do que nós — especialmente como a Alemanha — estarem neste momento a adoptar medidas de sentido exactamente oposto ao que corresponde à proposta do Governo.

6. É estranho, na verdade, que esta proposta seja envolvida apenas por motivações justicialistas, que não se encontrem referências ao modo como ela se articula com os problemas económicos do País e que não se conheça um só estudo de natureza econométrica sobre os previsíveis efeitos que ela produzirá na economia portuguesa. Por outro lado, não se percebe como se pode combater a fraude e a evasão sem contemplar reformas profundas da Administração fiscal e dos tribunais: entre as medidas que compõem a referida proposta, com efeito, não se encontra uma só que permita reduzir a pendência média das reclamações ou das impugnações judiciais (cerca de 6 anos, em qualquer dos casos). E o Estado é um dos principais responsáveis pela saturação dos tribunais pois recorre frequentemente à litigação como forma de obstar à prescrição de situações que não puderam se averiguadas em tempo útil por uma máquina fiscal antiquada e desmotivada.

7. Aliás, um discurso centrado exclusivamente no tema da equidade afigura-se inevitavelmente como deslocado, quando o Governo se obstina em manter a sisa e a contribuição autárquica, ao contrário das suas sucessivas promessas, e quando persiste em manter uma política de combustíveis que envolve enormes distorções de natureza fiscal. Dir-se-ia que, em matéria de justiça fiscal, é muito mais relevante o que fica ostensivamente por fazer do que aquilo que se oferece nesta reforma.

8. O Grupo Sonae entende, de facto, que a equidade correspondente a uma política fiscal não se mede pela natureza das soluções em matéria de tributação do rendimento. A justiça fiscal só pode ser medida através da consideração global do sistema e, ainda, através da análise dos efeitos da despesa pública. Na verdade, não faz sentido, modernamente, afastar os gastos públicos da análise sobre a equidade e a eficiência de um sistema fiscal.

9. No caso português, o que parece é que se pretende disfarçar a incapacidade para controlar a despesa pública e para fiscalizar adequadamente os contribuintes com uma cruzada de “moralismo fiscal”, que visa em primeira linha criar uma oportunidade para aumentar as receitas orçamentais, elevando ainda mais o peso dos impostos no PIB. É verdade, sem dúvida, que, em toda a Europa — e não só em Portugal, como por vezes se pretende fazer crer —, os rendimentos do trabalho sofreram, entre 1980 e 1996, um aumento da correspondente taxa implícita de tributação (que passou de 34,7% para 40,5%): aqueles rendimentos foram, de facto, o suporte das políticas de convergência, e é desejável poder inverter-se semelhante tendência. Este caminho, porém, não deveria ser prosseguido à custa dos rendimentos de capital, porque isso seria contraproducente: no mundo competitivo e globalizado, o capital desloca-se rapidamente para as zonas em que o retorno é mais elevado, e não existe forma de impedir esta atracção. Por força da erosão da base fiscal nacional ou por força de fenómenos de repercussão, os salários acabarão, mais tarde ou mais cedo, por pagar quaisquer aventuras demagógicas, neste domínio.

10. A reforma contém, bem entendido, aspectos positivos, tais como algumas soluções de alargamento da base, os regimes simplificados ou forfetários, a diferenciação das taxas na medida da dimensão das empresas ou ainda a própria redução da taxa geral de IRC. O que não se compreende é que, ao mesmo tempo, ela desfira um ataque contra os grupos económicos nacionais, designadamente ao acabar com o sistema de tributação pelo lucro consolidado — eliminação essa que é acompanhada por um regime transitório altamente penalizador que defrauda legítimas expectativas — e com a possibilidade de não tributar as mais-valias realizadas por SGPS’s na alienação de investimentos financeiros, sempre que o produto dessa alienação é utilizado para a aquisição de novos investimentos do mesmo tipo.

11. Com efeito, por detrás desta nuvem de acusações de fraude e de evasão, existe uma realidade que não pode ser ignorada: a percentagem do PIB que as receitas de IRC representam encontra-se claramente acima da média europeia; por outro lado, o peso relativo das referidas receitas, no universo das receitas fiscais totais, aumentou 50% nos últimos 8 anos e a correspondente base tributável cresceu mais de 70% no período compreendido entre 1995 e 1998. Com certeza que existe fraude e evasão, e que um número muito significativo de sociedades não apresenta resultados tributáveis. Isso parece ser, porém, mais um problema de eficiência da Administração do que um problema de desadequação das normas.

12. O Grupo Sonae está, neste domínio, muito à vontade: de uma forma consolidada, fazemos parte do universo dos 100 maiores contribuintes, que são responsáveis por cerca de 60% das cobranças de IRC. Por outro lado, de forma indirecta, asseguramos ao Estado a cobrança de largas dezenas de milhões de contos, respeitantes a outros impostos ou contribuições. É este facto que nos confere ainda mais legitimidade para protestar contra medidas que atingem incompreensivelmente os grupos económicos portugueses, quando os seus congéneres são alvo, nos outros países, de políticas destinadas ao seu estímulo. No que toca às SGPS’s, por exemplo, a Espanha, a Holanda, a Bélgica e a Dinamarca — para só citar alguns casos — dispõem de normas semelhantes àquelas que o Governo pretende eliminar, justamente para promover a fixação e o desenvolvimento dos respectivos grupos económicos e para inclusivamente atrair grupos económicos estrangeiros.

13. Parece, assim, que o Governo se desinteressou da consolidação dos grupos económicos nacionais, em termos de não se importar de que estes, em face das novas medidas fiscais, se vejam forçados a analisar a possibilidade de se deslocarem para outros países europeus, que dispõem de ordenamentos fiscais mais favoráveis. O Grupo Sonae considera que seria lamentável que esta situação representasse mais do que um lapso ou uma simples precipitação.

30 de Outubro de 2000

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