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Santos Silva compara situação na Europa a "revolução cultural chinesa"
O ministro dos Negócios Estrangeiros considerou que a atual situação na Europa é comparável à revolução cultural chinesa, ocorrida entre as décadas de 1960 e 1970, encontrando várias similitudes entre os processos vividos então na China e, agora, no continente europeu.
Augusto Santos Silva, que falava na apresentação do livro "As décadas da Europa" (Book Builders) na Sociedade de Geografia, referiu-se também ao 'Brexit' como um fenómeno cuja análise está por fazer.
Para o ministro, há na Europa - como há 50 anos na China - "uma revolta de poderes periféricos face ao 'stablishment' que no caso chinês foi instrumental a este para recuperar a liderança no Partido Comunista Chinês".
"Num certo sentido, é isso que estamos a assistir na Europa hoje e em particular no último Conselho Europeu", afirmou.
Por outro lado, existe também hoje na Europa, segundo Santos Silva, "uma lógica de radicalização voluntariamente assumida como disrupção ao nível dos valores, princípios e padrões que foram habitualmente considerados e construídos como consenso constitucional comum -- é isso que estamos a assistir", destacou.
Finalmente, o ministro atribui uma derradeira semelhança na "perversão da palavra cultural". Na Europa, disse, "também há hoje uma lógica de afirmação por uma suposta identidade cultural europeia que expulsaria o estrangeiro, ou uma identidade regional ou nacional que justificaria uma demarcação desse país face à norma europeia".
Para Santos Silva, é este fenómeno que, "bem ou mal, acontece na chamada deriva de Visegrado", referindo-se aos quatro países do centro europeu - Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia - que lideraram a "revolta" no Partido Popular Europeu a propósito da escolha dos altos cargos na União Europeia.
"Em qualquer uma dessas aceções, a palavra cultural hoje tende a ser usada no sentido de cultura de matriz religiosa, identitária, para justificar que a Europa se deve fechar ao outro ou se deve fragmentar porque [supostamente] a Europa não é uma só e não pode ser sobredeterminada pela política", disse.
"Essa dupla perversão da palavra cultura não deixa de ser muito análoga àquela que a revolução cultural chinesa demonstrou. Vamos ver se será ou não", salientou.
Quanto ao 'Brexit', considerou que pode ser visto numa "lógica de um movimento mais geral de retraimento anglo-saxónico face ao projeto europeu", num processo paralelo à "deseuropaização das duas íltimas administrações norte-americanas na definição das suas prioridades estratégicas, ou como "primeiro grande ensaio de uma nova forma de fazer política".
Numa terceira asserção, o 'Brexit' poderá ser também "uma primeira expressão concreta e violenta de uma lógica de abordagem identitária à política europeia cuja sequência se tem vindo a observar desde o referendo de junho de 2016", ou como uma combinação de todos estes fatores.