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Ramirez, a fábrica que a revolução não parou

A liberdade saiu à rua no 25 de Abril de 1974, mas nas fábricas da empresa de conservas Ramirez foi quase um dia igual aos outros, tendo os trabalhadores continuado a laborar enquanto sabiam da revolução pela rádio.

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25 de Abril de 2014 às 13:00
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A Ramirez é uma empresa que já chegou à quinta geração da mesma família, tendo sido fundada em 1853, por Sebastian Ramirez, bisavô de Manuel Guerreiro Ramirez, que recordou à agência Lusa o período do 25 de Abril, altura em que liderava a fábrica-mãe do grupo que existia em Vila Real de Santo António, Algarve, cidade onde aliás nasceu.

 

"O Algarve é longe mas estava ligado às ondas, e foi através da rádio que nós soubemos [da revolução]. Não tenho memória, mas tenho a certeza de que continuámos a laborar", relatou, considerando que uma revolução como aquela que se viveu gere-se "com o coração, a razão e o bom senso".

 

Nessa altura, na fábrica de Matosinhos da Ramirez trabalhava já Fernando Machado - actualmente com 73 anos e que conta já 45 na conserveira - que se lembra "perfeitamente" do dia da Revolução dos Cravos e que a caminho do colégio dos filhos ouviu o aviso, na rádio, para que as pessoas regressassem a casa.

 

"Aqui estava tudo calmo, aqui não se estava a passar verdadeiramente nada, não havia sinal nenhum de que se estava a passar uma revolução. Não havia instabilidade para não trabalhar, continuámos a trabalhar normalmente. Lembro-me perfeitamente. Sei que não fiquei em casa, vim para a fábrica", relatou.

 

Foi nos dias seguintes ao 25 de Abril que se sentiu mais na empresa o movimento em curso, tendo havido, segundo Manuel Guerreiro Ramirez, 72 anos, "algumas greves nessa altura", pois apesar do "bom clima social" existiu "uma certa contestação" às chefias da empresa, situação mais sensível no Algarve do que em Matosinhos.

 

As memórias sobre o período da revolução levam o proprietário da Ramirez a um dia em que um sindicalista de Setúbal foi assistir a uma reunião com o pessoal, tendo acabado por ser banido quando "começou a dizer mal da empresa".

 

"Sempre houve, desde o tempo do meu avô, o espírito Ramirez. Com o meu avô já existia uma consciência social muito desenvolvida. Tínhamos creche, por exemplo, já nessa altura. Estou-lhe a falar nos princípios do século XX", justificou.

 

Realçando "o bom diálogo com o pessoal" que sempre existiu, Fernando Machado foi peremptório: "sinceramente, não pareceu bem um 25 de Abril aqui na Ramirez. Mais tarde houve uns boicotezinhos, umas tentativas para não deixarem sair embarques, mas nada assim de relevante".

 

O proprietário da Ramirez - que já tem os descendentes, a quinta geração, a comandar a empresa - puxou a fita das memórias até ao período da ditadura e contou um episódio "caricato" de quando a indústria passou a ser a tempo inteiro e para poder laborar quando os barcos estavam parados a empresa foi pioneira na criação de frigoríficos industriais.

 

"Não se podia ter um frigorífico nessa altura com uma temperatura abaixo dos 6ºC. Fizemos os primeiros frigoríficos e tínhamos um termómetro cá fora que marcava 6ºC e lá dentro tínhamos -24ºC", relatou.

 

Sobre os dias de hoje, Manuel Guerreiro Ramirez lamenta a "falta de projecto do país" e, questionado sobre se foram os ideais de Abril que falharam, o 'diplomata das conservas' rejeitou esta ideia, considerando que "é uma situação que se repete ao longo da história" de Portugal.

 

Com a construção da nova fábrica em curso - onde vai centralizar toda a produção da conserveira - Manuel Guerreiro Ramirez continua a olhar para empresa com "carinho, entusiasmo e paixão".

 

"O português regressará sempre a casa porque o português é universalista, mas tem Portugal no coração". Foi assim que concluiu a entrevista à agência Lusa o homem que antes de assumir os destinos da empresa viajou e estudou pela Europa mas voltou sempre a casa.

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