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"Este ano e o próximo não serão fáceis para os portugueses"
O Banco de Portugal prevê que, em 2009, Portugal enfrente a segunda recessão numa década registando uma contracção de 0,8% do produto interno bruto. Leia aqui, na íntegra, a intervenção de Vítor Constâncio na apresentação do Boletim Económico de Inverno.
06 de Janeiro de 2009 às 15:52
DECLARAÇÃO INICIAL DO GOVERNADOR DO BANCO DE PORTUGAL NA APRESENTAÇÃO DO BOLETIM ECONÓMICO DE INVERNO (2008)
1. Como habitualmente nesta altura do ano, o Boletim Económico inclui as projecções para a economia portuguesa referentes aos próximos dois anos. Preparadas no contexto
do exercício de projecções do Eurosistema que decorreu em Outubro e Novembro,
procedeu-se, no entanto, a actualizações de algumas hipóteses e à incorporação de
informação mais recente sobre a evolução económica.
As previsões económicas apontam para uma quebra da actividade económica de 0,8
por cento em 2009 e para um crescimento de +0,3 por cento em 2010. São as mais
negativas até agora publicadas sobre a economia portuguesa, embora não se conheçam
ainda as próximas actualizações a publicar por organismos internacionais. A análise de
riscos a que procedemos aponta para possíveis cenários alternativos maioritariamente
descendentes. A estimativa para o crescimento em 2008 é também revista em baixa, de 0,5 por cento para apenas 0,3 por cento. Esta alteração decorre de os indicadores parciais já disponíveis apontarem para um desempenho muito negativo da economia no quarto trimestre. Esta circunstância também afecta inevitavelmente a previsão do crescimento médio para 2009.
Todas estas perspectivas negativas ocorrem num contexto de recessão marcada no
conjunto dos países desenvolvidos e, possivelmente, no quadro da economia mundial
como um todo pela primeira vez em décadas. Na verdade, o actual enquadramento
macroeconómico da economia portuguesa é marcado por um quadro de interacção entre
uma crise sem precedentes nos mercados financeiros internacionais e uma recessão
internacional.
Não obstante as medidas das autoridades a nível global no sentido de reforçar a
confiança e restabelecer o regular funcionamento dos mercados financeiros, permanece
uma elevada turbulência nestes mercados, com uma significativa reavaliação em alta do
risco por parte dos investidores e uma deterioração da confiança em vários segmentos dos mercados financeiros a nível global. Neste contexto, é de destacar a reduzida liquidez nos mercados monetários interbancários das principais economias avançadas e nos mercados de dívida privada, em particular nos mercados de financiamento por grosso das instituições financeiras.
Uma pequena economia aberta plenamente integrada em termos económicos e financeiros como a economia portuguesa é fortemente afectada por aquele enquadramento macroeconómico. O abrandamento da actividade económica e a redução das perspectivas de crescimento mundial, bem como a elevada incerteza quanto à magnitude e duração da actual fase descendente do ciclo económico, tendem a afectar negativamente a procura externa dirigida às empresas nacionais e as expectativas dos agentes económicos nacionais quanto à evolução futura da procura.
2. Acompanhando a fase recessiva da economia internacional e a descida de preços
das matérias-primas, em particular do petróleo, a inflação irá reduzir-se de 2,7 por cento em 2008 para apenas 1 por cento este ano. Esta descida da inflação contribuirá para um
aumento médio previsto do rendimento disponível real das famílias em 1,1 por cento. Isto
implica, por sua vez, que, apesar da descida da produção, o consumo privado deva ter um crescimento positivo de 0,4 por cento, com o consumo de bens correntes não-duradouros a conhecer uma variação de +1,2 por cento. A redução já verificada das taxas de juro do crédito ajudará também a suportar as despesas de consumo. Por outro lado, a variação do consumo é afectada negativamente por um incremento da taxa de poupança decorrente da maior incerteza quanto ao futuro e por um aumento do desemprego. Este último constitui o ponto mais negativo da evolução da economia, pelo drama humano que implica, e pela redução do rendimento que origina no segmento da população afectada.
As componentes da procura que explicam a queda da produção interna são
fundamentalmente o investimento e as exportações. As estimativas mais recentes apontam
já para uma redução do investimento (FBCF) de 0,8 por cento em 2008, após um crescimento de 3,2 por cento em 2007. As previsões para este ano e o próximo apontam
para uma contracção do investimento (FBCF) de 1,7 e de 0,3 por cento. Esta evolução
traduz essencialmente uma deterioração das perspectivas de evolução da procura nos
mercados interno e externo e uma quebra das expectativas dos agentes económicos.
No que respeita às exportações, estas contribuíram já significativamente para o forte
abrandamento da actividade económica em 2008. As estimativas actuais apontam para
uma taxa de crescimento das exportações em volume de 0,6 por cento em 2008 (contra 7,6 por cento em 2007). As previsões indicam uma queda das exportações em 2009 (-3,6 por cento) e um crescimento de 1,8 por cento em 2010, o que representa uma evolução próxima do indicador de procura externa considerado no enquadramento internacional subjacente à actual projecção. Esta quebra das exportações em 2009 representa a manutenção da tendência já observada no final de 2008 e afecta tanto as exportações de mercadorias como as exportações de turismo e outros serviços.
As necessidades de financiamento externo da economia terão aumentado de 8,2 por
cento em 2007 para 9,0 por cento do PIB nominal em 2008. Após a deterioração estimada para 2008, o défice da balança de bens e serviços em percentagem do PIB deverá reduzir-se para 7,0 por cento em 2009, aumentando posteriormente para 7,5 por cento em 2010.
Esta evolução está condicionada em parte pela projecção para os termos de troca, os quais incorporam o impacto da evolução do preço do petróleo. Assume-se que este registe uma forte queda em termos médios nos mercados internacionais em 2009, num contexto de redução das perspectivas de crescimento e procura mundiais, e que apresente posteriormente alguma recuperação. Se excluirmos os bens energéticos, o défice da balança de bens e serviços deverá estabilizar entre 2009 e 2010 num nível próximo do estimado para 2008 (3,6 por cento do PIB). Este mesmo défice situava-se em cerca de 8 por cento do PIB em 2000. A sua redução para 3,6 por cento significa um assinalável ajustamento que incluiu a transformação da estrutura produtiva da economia que em termos competitivos promoveu exportações líquidas significativas de bens e serviços. A deterioração da balança total de bens e serviços deve-se à balança energética, o que é agravado na balança corrente total pelo acentuar do défice de pagamento de juros e dividendos ao exterior decorrentes do endividamento externo entretanto acumulado.
Assinale-se que, apesar de o nível de endividamento das empresas e particulares
constituir uma fonte de vulnerabilidade, existem alguns factores que atenuam esta
avaliação. Por um lado, a tendência de aumento do endividamento das empresas e dos
particulares traduziu, em grande medida, a resposta endógena dos agentes económicos ao
novo regime em que a economia portuguesa passou a operar com a sua participação na
área do euro, caracterizado por taxas de juro mais baixas e menos voláteis. Este facto
reflectiu-se, apesar do maior nível de endividamento, numa relativa estabilidade dos juros
pagos pelo sector privado não financeiro em percentagem do PIB. É igualmente de referir
que tal ocorreu sem que fossem desenvolvidas bolhas especulativas no mercado
imobiliário, ao contrário do observado em outros países. Adicionalmente, importa sublinhar a ausência de um segmento sub-prime no crédito à habitação em Portugal. De facto, os resultados do último Inquérito ao Património e Endividamento das Famílias indicam que a participação no mercado de crédito, em particular do crédito para habitação, das famílias de rendimentos mais baixos é bastante limitada e, para as famílias endividadas, o valor da sua riqueza bruta (que inclui o valor da habitação) ultrapassa o das respectivas dívidas com uma margem relativamente confortável.
Noutra perspectiva, sublinhe-se que as necessidades de financiamento externo para
este ano e o próximo representam um novo e inevitável agravamento do rácio em relação
ao PIB do nosso endividamento num sentido lato (Posição de Investimento Internacional).
No curto prazo, conter mais o crescimento do endividamento externo implicaria o
agravamento da recessão, que não seria aceitável face aos riscos de desemprego e perda
de rendimento que implica. A prioridade da política económica em todos os países consiste agora em tentar minorar uma recessão que se tornou inevitável, mas que há que conter para evitar cenários de depressão e deflação que, felizmente, parecem afastados do horizonte graças à determinação de Governos e Bancos Centrais em adoptar políticas
expansionistas.
3. No que concerne às grandes orientações da política económica, considero importante sublinhar os seguintes aspectos:
3.1. Primeiro, no actual contexto de crise financeira a nível global, é absolutamente
crucial garantir o funcionamento regular do sistema financeiro. A estabilização do
sistema financeiro constitui um pré-requisito para a resolução da crise económica. Para
além do abundante fornecimento de liquidez pelos Bancos Centrais, os programas
públicos de apoio à recapitalização dos bancos e de garantias ao seu financiamento
foram essenciais para garantir a estabilidade financeira, que foi posta perigosamente
em risco após a falência do Lehman Brothers.
Sublinhe-se que existe actualmente uma forte interacção entre o risco soberano e o
risco dos bancos. Esta interacção reforça a necessidade de assegurar simultaneamente uma situação sustentável das finanças públicas e um reforço do balanço dos bancos. Neste âmbito, vale a pena referir que o financiamento dos bancos no quadro das garantias concedidas pelo Estado tem implícito um custo para os bancos que depende directamente do risco soberano, incorporando também comissões calculadas em função do risco dos próprios bancos. Estas garantias não representam, assim, um subsídio aos bancos.
Finalmente, na actual fase descendente do ciclo económico e de deterioração dos
balanços das empresas e das famílias, será de esperar uma desaceleração cíclica do
crédito concedido pelo sistema bancário, que importa distinguir de situações de
restrição do crédito associadas a dificuldades de balanço dos próprios bancos. Aliás,
num contexto recessivo existe uma normal diminuição da procura de crédito por
particulares e empresas, não sendo possível distinguir na prática o que na desaceleração do crédito é o resultado da quebra da procura ou das restrições da oferta pelos bancos. Em qualquer caso, é fundamental assegurar a solidez do balanço dos bancos, de modo a garantir o acesso ao crédito dos agentes económicos com estruturas de balanço adequadas e projectos rentáveis.
3.2. A recessão internacional é causada por uma quebra generalizada da procura e não por quaisquer choques reais de oferta. As medidas para combater os riscos recessivos
têm assim que se concentrar em produzir efeitos na expansão da procura no mais curto
espaço de tempo possível. Não estão agora em causa medidas para melhorar a eficiência da oferta ou o potencial de crescimento da economia, embora fosse ideal compatibilizar tudo.
A política monetária tem dado o seu contributo e deverá continuar a fazê-lo se a inflação ameaçar descer significativamente abaixo de 2 por cento. Na verdade, a definição de estabilidade que adoptamos no Eurosistema aponta para uma inflação «abaixo, mas próximo de 2 por cento». Quaisquer riscos de a inflação se consolidar muito abaixo desse valor devem ser contidos preventivamente com descidas das taxas de juro. No entanto, não podemos esquecer que a eficácia da política monetária, sendo sempre menor para responder a riscos recessivos do que a riscos de inflação alta, está neste momento particularmente limitada nas suas possibilidades de transmissão pela situação de falta de confiança e liquidez em vários segmentos dos mercados monetário e de crédito. Tornou-se, assim, indispensável recorrer em maior escala à política orçamental.
3.3. Nos termos do recente texto do FMI (IMF, Fiscal Policy for the Crisis, Office
Memorandum 23 December), «o pacote orçamental óptimo deve ser atempado, grande,
duradouro, diversificado, contingente, colectivo e sustentável». Isto implica necessariamente compromissos consoante a situação concreta de cada economia, uma vez que algumas daquelas características são contraditórias entre si.
Idealmente, os programas de estímulo orçamental deveriam obedecer aos seguintes
princípios:
- Concentrarem-se em despesas de investimento de imediata realização e rápido
acabamento, para não implicarem grandes despesas futuras. O programa recentemente anunciado pelo Governo de construção e manutenção de escolas constitui um bom exemplo.
- Promoverem transferências para segmentos mais carenciados da população com maior propensão ao consumo (v.g. melhorias temporárias das condições e duração dos subsídios de desemprego).
- Evitarem descidas gerais de taxas de impostos que se tornam difíceis de reverter no futuro, podendo, porém, adoptar reduções temporárias específicas ou devoluções de impostos no imediato para grupos com maior propensão ao consumo (v.g. contribuições individuais de empregados por conta de outrem para a segurança social).
- Limitarem os apoios directos à manutenção do emprego a empresas claramente com futuro viável e evitarem apoios discricionários a sectores inteiros de actividade.
- Preverem desde já a eliminação futura de algumas das medidas agora adoptadas ou anunciar medidas de compensação em receita ou despesa para reduzir o défice.
Este último aspecto obedece à preocupação de fornecer garantias de sustentabilidade futura das finanças públicas, condição importante para manter sem grande aumento de custos o acesso ao financiamento externo. Nesta perspectiva, é essencial que Portugal procure respeitar nos programas anunciados os termos e limites do Pacto de Estabilidade, que apenas admite em período recessivo um défice acima de três por cento se este for limitado e temporário.
4. Este ano e o próximo não serão fáceis para os portugueses, mas é preferível saber com o que podem contar realisticamente e ajustarem-se o melhor que for possível à fase recessiva que o mundo atravessa. Este ano, os que conservam os seus empregos, e são a grande maioria, verão os seus rendimentos aumentarem e poderão expandir ligeiramente os seus níveis de consumo. Todos temos, porém, que ser prudentes na actual situação e prevenir o futuro. A recessão passará e a intervenção do Estado e as políticas públicas, um pouco por todo o mundo, conseguirão evitar o pior.
A fase actual de débil crescimento da despesa interna tem o efeito de conter a expansão
do endividamento e de pressionar as empresas para se reestruturarem, aumentando a
produtividade e reorientando os destinos das suas produções.
As empresas que permanecem viáveis devem aproveitar este período para conter custos, reorganizar e diversificar produções, construir e consolidar marcas, investir na formação e pensar em recrutar pessoal de qualidade que fique disponível, gerir cuidadosamente o endividamento e a tesouraria, procurar novos mercados. A possibilidade de a economia conter a crise e retomar um caminho de crescimento económico significativo depende muito da capacidade das empresas para reagirem apropriadamente aos desafios e adoptarem estratégias de inovação.
Responder à crise exige determinação e eficácia das políticas públicas e dinamismo das
empresas, para mais rapidamente superarmos a actual fase de insuficiente desempenho
económico.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2009
Vítor Constâncio
1. Como habitualmente nesta altura do ano, o Boletim Económico inclui as projecções para a economia portuguesa referentes aos próximos dois anos. Preparadas no contexto
do exercício de projecções do Eurosistema que decorreu em Outubro e Novembro,
procedeu-se, no entanto, a actualizações de algumas hipóteses e à incorporação de
informação mais recente sobre a evolução económica.
As previsões económicas apontam para uma quebra da actividade económica de 0,8
por cento em 2009 e para um crescimento de +0,3 por cento em 2010. São as mais
negativas até agora publicadas sobre a economia portuguesa, embora não se conheçam
ainda as próximas actualizações a publicar por organismos internacionais. A análise de
riscos a que procedemos aponta para possíveis cenários alternativos maioritariamente
descendentes. A estimativa para o crescimento em 2008 é também revista em baixa, de 0,5 por cento para apenas 0,3 por cento. Esta alteração decorre de os indicadores parciais já disponíveis apontarem para um desempenho muito negativo da economia no quarto trimestre. Esta circunstância também afecta inevitavelmente a previsão do crescimento médio para 2009.
conjunto dos países desenvolvidos e, possivelmente, no quadro da economia mundial
como um todo pela primeira vez em décadas. Na verdade, o actual enquadramento
macroeconómico da economia portuguesa é marcado por um quadro de interacção entre
uma crise sem precedentes nos mercados financeiros internacionais e uma recessão
internacional.
Não obstante as medidas das autoridades a nível global no sentido de reforçar a
confiança e restabelecer o regular funcionamento dos mercados financeiros, permanece
uma elevada turbulência nestes mercados, com uma significativa reavaliação em alta do
risco por parte dos investidores e uma deterioração da confiança em vários segmentos dos mercados financeiros a nível global. Neste contexto, é de destacar a reduzida liquidez nos mercados monetários interbancários das principais economias avançadas e nos mercados de dívida privada, em particular nos mercados de financiamento por grosso das instituições financeiras.
Uma pequena economia aberta plenamente integrada em termos económicos e financeiros como a economia portuguesa é fortemente afectada por aquele enquadramento macroeconómico. O abrandamento da actividade económica e a redução das perspectivas de crescimento mundial, bem como a elevada incerteza quanto à magnitude e duração da actual fase descendente do ciclo económico, tendem a afectar negativamente a procura externa dirigida às empresas nacionais e as expectativas dos agentes económicos nacionais quanto à evolução futura da procura.
2. Acompanhando a fase recessiva da economia internacional e a descida de preços
das matérias-primas, em particular do petróleo, a inflação irá reduzir-se de 2,7 por cento em 2008 para apenas 1 por cento este ano. Esta descida da inflação contribuirá para um
aumento médio previsto do rendimento disponível real das famílias em 1,1 por cento. Isto
implica, por sua vez, que, apesar da descida da produção, o consumo privado deva ter um crescimento positivo de 0,4 por cento, com o consumo de bens correntes não-duradouros a conhecer uma variação de +1,2 por cento. A redução já verificada das taxas de juro do crédito ajudará também a suportar as despesas de consumo. Por outro lado, a variação do consumo é afectada negativamente por um incremento da taxa de poupança decorrente da maior incerteza quanto ao futuro e por um aumento do desemprego. Este último constitui o ponto mais negativo da evolução da economia, pelo drama humano que implica, e pela redução do rendimento que origina no segmento da população afectada.
As componentes da procura que explicam a queda da produção interna são
fundamentalmente o investimento e as exportações. As estimativas mais recentes apontam
já para uma redução do investimento (FBCF) de 0,8 por cento em 2008, após um crescimento de 3,2 por cento em 2007. As previsões para este ano e o próximo apontam
para uma contracção do investimento (FBCF) de 1,7 e de 0,3 por cento. Esta evolução
traduz essencialmente uma deterioração das perspectivas de evolução da procura nos
mercados interno e externo e uma quebra das expectativas dos agentes económicos.
No que respeita às exportações, estas contribuíram já significativamente para o forte
abrandamento da actividade económica em 2008. As estimativas actuais apontam para
uma taxa de crescimento das exportações em volume de 0,6 por cento em 2008 (contra 7,6 por cento em 2007). As previsões indicam uma queda das exportações em 2009 (-3,6 por cento) e um crescimento de 1,8 por cento em 2010, o que representa uma evolução próxima do indicador de procura externa considerado no enquadramento internacional subjacente à actual projecção. Esta quebra das exportações em 2009 representa a manutenção da tendência já observada no final de 2008 e afecta tanto as exportações de mercadorias como as exportações de turismo e outros serviços.
As necessidades de financiamento externo da economia terão aumentado de 8,2 por
cento em 2007 para 9,0 por cento do PIB nominal em 2008. Após a deterioração estimada para 2008, o défice da balança de bens e serviços em percentagem do PIB deverá reduzir-se para 7,0 por cento em 2009, aumentando posteriormente para 7,5 por cento em 2010.
Esta evolução está condicionada em parte pela projecção para os termos de troca, os quais incorporam o impacto da evolução do preço do petróleo. Assume-se que este registe uma forte queda em termos médios nos mercados internacionais em 2009, num contexto de redução das perspectivas de crescimento e procura mundiais, e que apresente posteriormente alguma recuperação. Se excluirmos os bens energéticos, o défice da balança de bens e serviços deverá estabilizar entre 2009 e 2010 num nível próximo do estimado para 2008 (3,6 por cento do PIB). Este mesmo défice situava-se em cerca de 8 por cento do PIB em 2000. A sua redução para 3,6 por cento significa um assinalável ajustamento que incluiu a transformação da estrutura produtiva da economia que em termos competitivos promoveu exportações líquidas significativas de bens e serviços. A deterioração da balança total de bens e serviços deve-se à balança energética, o que é agravado na balança corrente total pelo acentuar do défice de pagamento de juros e dividendos ao exterior decorrentes do endividamento externo entretanto acumulado.
Assinale-se que, apesar de o nível de endividamento das empresas e particulares
constituir uma fonte de vulnerabilidade, existem alguns factores que atenuam esta
avaliação. Por um lado, a tendência de aumento do endividamento das empresas e dos
particulares traduziu, em grande medida, a resposta endógena dos agentes económicos ao
novo regime em que a economia portuguesa passou a operar com a sua participação na
área do euro, caracterizado por taxas de juro mais baixas e menos voláteis. Este facto
reflectiu-se, apesar do maior nível de endividamento, numa relativa estabilidade dos juros
pagos pelo sector privado não financeiro em percentagem do PIB. É igualmente de referir
que tal ocorreu sem que fossem desenvolvidas bolhas especulativas no mercado
imobiliário, ao contrário do observado em outros países. Adicionalmente, importa sublinhar a ausência de um segmento sub-prime no crédito à habitação em Portugal. De facto, os resultados do último Inquérito ao Património e Endividamento das Famílias indicam que a participação no mercado de crédito, em particular do crédito para habitação, das famílias de rendimentos mais baixos é bastante limitada e, para as famílias endividadas, o valor da sua riqueza bruta (que inclui o valor da habitação) ultrapassa o das respectivas dívidas com uma margem relativamente confortável.
Noutra perspectiva, sublinhe-se que as necessidades de financiamento externo para
este ano e o próximo representam um novo e inevitável agravamento do rácio em relação
ao PIB do nosso endividamento num sentido lato (Posição de Investimento Internacional).
No curto prazo, conter mais o crescimento do endividamento externo implicaria o
agravamento da recessão, que não seria aceitável face aos riscos de desemprego e perda
de rendimento que implica. A prioridade da política económica em todos os países consiste agora em tentar minorar uma recessão que se tornou inevitável, mas que há que conter para evitar cenários de depressão e deflação que, felizmente, parecem afastados do horizonte graças à determinação de Governos e Bancos Centrais em adoptar políticas
expansionistas.
3. No que concerne às grandes orientações da política económica, considero importante sublinhar os seguintes aspectos:
3.1. Primeiro, no actual contexto de crise financeira a nível global, é absolutamente
crucial garantir o funcionamento regular do sistema financeiro. A estabilização do
sistema financeiro constitui um pré-requisito para a resolução da crise económica. Para
além do abundante fornecimento de liquidez pelos Bancos Centrais, os programas
públicos de apoio à recapitalização dos bancos e de garantias ao seu financiamento
foram essenciais para garantir a estabilidade financeira, que foi posta perigosamente
em risco após a falência do Lehman Brothers.
Sublinhe-se que existe actualmente uma forte interacção entre o risco soberano e o
risco dos bancos. Esta interacção reforça a necessidade de assegurar simultaneamente uma situação sustentável das finanças públicas e um reforço do balanço dos bancos. Neste âmbito, vale a pena referir que o financiamento dos bancos no quadro das garantias concedidas pelo Estado tem implícito um custo para os bancos que depende directamente do risco soberano, incorporando também comissões calculadas em função do risco dos próprios bancos. Estas garantias não representam, assim, um subsídio aos bancos.
Finalmente, na actual fase descendente do ciclo económico e de deterioração dos
balanços das empresas e das famílias, será de esperar uma desaceleração cíclica do
crédito concedido pelo sistema bancário, que importa distinguir de situações de
restrição do crédito associadas a dificuldades de balanço dos próprios bancos. Aliás,
num contexto recessivo existe uma normal diminuição da procura de crédito por
particulares e empresas, não sendo possível distinguir na prática o que na desaceleração do crédito é o resultado da quebra da procura ou das restrições da oferta pelos bancos. Em qualquer caso, é fundamental assegurar a solidez do balanço dos bancos, de modo a garantir o acesso ao crédito dos agentes económicos com estruturas de balanço adequadas e projectos rentáveis.
3.2. A recessão internacional é causada por uma quebra generalizada da procura e não por quaisquer choques reais de oferta. As medidas para combater os riscos recessivos
têm assim que se concentrar em produzir efeitos na expansão da procura no mais curto
espaço de tempo possível. Não estão agora em causa medidas para melhorar a eficiência da oferta ou o potencial de crescimento da economia, embora fosse ideal compatibilizar tudo.
A política monetária tem dado o seu contributo e deverá continuar a fazê-lo se a inflação ameaçar descer significativamente abaixo de 2 por cento. Na verdade, a definição de estabilidade que adoptamos no Eurosistema aponta para uma inflação «abaixo, mas próximo de 2 por cento». Quaisquer riscos de a inflação se consolidar muito abaixo desse valor devem ser contidos preventivamente com descidas das taxas de juro. No entanto, não podemos esquecer que a eficácia da política monetária, sendo sempre menor para responder a riscos recessivos do que a riscos de inflação alta, está neste momento particularmente limitada nas suas possibilidades de transmissão pela situação de falta de confiança e liquidez em vários segmentos dos mercados monetário e de crédito. Tornou-se, assim, indispensável recorrer em maior escala à política orçamental.
3.3. Nos termos do recente texto do FMI (IMF, Fiscal Policy for the Crisis, Office
Memorandum 23 December), «o pacote orçamental óptimo deve ser atempado, grande,
duradouro, diversificado, contingente, colectivo e sustentável». Isto implica necessariamente compromissos consoante a situação concreta de cada economia, uma vez que algumas daquelas características são contraditórias entre si.
Idealmente, os programas de estímulo orçamental deveriam obedecer aos seguintes
princípios:
- Concentrarem-se em despesas de investimento de imediata realização e rápido
acabamento, para não implicarem grandes despesas futuras. O programa recentemente anunciado pelo Governo de construção e manutenção de escolas constitui um bom exemplo.
- Promoverem transferências para segmentos mais carenciados da população com maior propensão ao consumo (v.g. melhorias temporárias das condições e duração dos subsídios de desemprego).
- Evitarem descidas gerais de taxas de impostos que se tornam difíceis de reverter no futuro, podendo, porém, adoptar reduções temporárias específicas ou devoluções de impostos no imediato para grupos com maior propensão ao consumo (v.g. contribuições individuais de empregados por conta de outrem para a segurança social).
- Limitarem os apoios directos à manutenção do emprego a empresas claramente com futuro viável e evitarem apoios discricionários a sectores inteiros de actividade.
- Preverem desde já a eliminação futura de algumas das medidas agora adoptadas ou anunciar medidas de compensação em receita ou despesa para reduzir o défice.
Este último aspecto obedece à preocupação de fornecer garantias de sustentabilidade futura das finanças públicas, condição importante para manter sem grande aumento de custos o acesso ao financiamento externo. Nesta perspectiva, é essencial que Portugal procure respeitar nos programas anunciados os termos e limites do Pacto de Estabilidade, que apenas admite em período recessivo um défice acima de três por cento se este for limitado e temporário.
4. Este ano e o próximo não serão fáceis para os portugueses, mas é preferível saber com o que podem contar realisticamente e ajustarem-se o melhor que for possível à fase recessiva que o mundo atravessa. Este ano, os que conservam os seus empregos, e são a grande maioria, verão os seus rendimentos aumentarem e poderão expandir ligeiramente os seus níveis de consumo. Todos temos, porém, que ser prudentes na actual situação e prevenir o futuro. A recessão passará e a intervenção do Estado e as políticas públicas, um pouco por todo o mundo, conseguirão evitar o pior.
A fase actual de débil crescimento da despesa interna tem o efeito de conter a expansão
do endividamento e de pressionar as empresas para se reestruturarem, aumentando a
produtividade e reorientando os destinos das suas produções.
As empresas que permanecem viáveis devem aproveitar este período para conter custos, reorganizar e diversificar produções, construir e consolidar marcas, investir na formação e pensar em recrutar pessoal de qualidade que fique disponível, gerir cuidadosamente o endividamento e a tesouraria, procurar novos mercados. A possibilidade de a economia conter a crise e retomar um caminho de crescimento económico significativo depende muito da capacidade das empresas para reagirem apropriadamente aos desafios e adoptarem estratégias de inovação.
Responder à crise exige determinação e eficácia das políticas públicas e dinamismo das
empresas, para mais rapidamente superarmos a actual fase de insuficiente desempenho
económico.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2009
Vítor Constâncio